POLÍTICA

O que muda com o novo decreto de Lula sobre armas, que derruba a política 'faroeste' de Bolsonaro

Entre as alterações, o presidente tira o poder do Exército e torna PF responsável por fiscalizar caçadores e colecionadores

Por GABRIEL MANSUR
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Publicado em 21/07/2023 às 18:20

Alterado em 21/07/2023 às 18:36

Alguns seguidores de Jair Bolsonaro, agora, terão mesmo é de se contentar em fazer arminha com as mãos Foto: Reprodução

O presidente Luiz Inácio Lula da SIlva (PT) cumpriu mais uma promessa de campanha nesta sexta-feira (21): a restrição do acesso a armas de fogo. O novo decreto assinado vai de encontro à política armamentista de Jair Bolsonaro (PL), seu antecessor, e altera uma série de quesitos envolvendo a aquisição, registro, porte e uso de armas de fogo.

Entre as mudanças, estão a retomada da restrição para alguns tipos de calibre, um maior limite na aquisição de armas e munições e a criação de regras para instalação e funcionamento de clubes de tiro. As principais alterações no Programa de Ação na Segurança (PAS) miram os CACs (caçadores, atiradores e colecionadores), que a partir de agora passarão a ser fiscalizados pela Polícia Federal (PF), em mais um prova da desconfiança do petista para com as Forças Armadas.

Em discurso, Lula afirmou que não se pode permitir "arsenais nas mãos de pessoas". Já o ministro da Justiça, Flávio Dino, disse que o decreto põe fim a um "capítulo trágico e de trevas" no país. Dino declarou ainda que a medida é "ponderada" e "equilibrada", e pode salvar vidas

A medida foi sancionada durante cerimônia no Palácio do Planalto, e faz parte do Programa de Ação na Segurança (PAS), um pacote do governo que tem o objetivo de diminuir a violência no país.

Segundo o governo, o decreto:

  • reduz a quantidade de armas e munições que podem ser acessadas por civis para defesa pessoal;
  • diminui o número de armas e munições que podem ser adquiridos pelos CACs (caçadores, atiradores e colecionadores);
  • proíbe CACs de transitarem com armas municiadas;
  • restringe o funcionamento de clubes de tiro;
  • retoma regras de distinção entre armas de uso de órgãos de segurança e armas para cidadãos comuns;
  • diminui a validade dos registros de armas de fogo;
  • prevê a migração do controle de armas do Exército para a PF;

Defesa pessoal

Segundo o governo, o decreto reduz a quantidade de armas e munições que podem ser acessadas por civis para a defesa pessoal. Além disso, retoma a comprovação da efetiva necessidade para a aquisição.

Como era:

O civil podia comprar até 4 armas de uso permitido para a defesa pessoal, sem a necessidade de comprovação da efetiva necessidade. E havia a possibilidade de ampliação do limite. E podia comprar até 200 munições por arma, por ano

Como fica:

O civil pode comprar até 2 armas de uso permitido para defesa pessoal, mas precisa comprovar a efetiva necessidade. E pode comprar até 50 munições por arma, por ano.

CACs

O decreto assinado nesta sexta-feira define mais rigor para o total de armas e munições permitidas a caçadores, atiradores e colecionadores. Atiradores esportivos foram divididos em três níveis, de acordo com a experiência acumulada.

Como era:

Caçadores podiam ter até 30 armas, sendo 15 de uso restrito. Por ano, eram permitidas até mil munições por arma de uso restrito e cinco mil munições por arma de uso permitido.

Colecionadores, por sua vez, podiam ter até cinco armas de cada modelo, sendo vedadas as proibidas, automáticas, não-portáteis ou portáteis semiautomáticas cuja data de projeto do modelo original tivesse menos de 30 anos.

Atiradores desportivo podiam ter até 60 armas, sendo 30 de uso restrito, mil munições por arma de uso restrito e cinco mil munições por arma de uso permitido por ano, além de 20kg de pólvora.

Como fica:

Caçadores excepcionais poderão ter no máximo seis armas, podendo ser acrescida de mais duas de uso restrito em casos específicos e sob autorização do Exército e da Polícia Federal. Limitado a 500 munições por ano. Também será exigido autorização do Ibama.

Colecionadores poderão adquirir uma arma de cada modelo, tipo, marca, variante, calibre e procedência. São vedadas as automáticas e as longas semiautomáticas de calibre de uso restrito cujo 1º lote de fabricação tenha menos de 70 anos.

Atiradores desportivos, por sua vez, serão divididos em níveis:

  • Atirador Nível 1 – Aquele que tiver oito treinamentos ou competições em clube de tiro, em eventos distintos, a cada 12 meses. Poderá ter até quatro armas de fogo de uso permitido e até quatro mil cartuchos por ano. Nos casos de .22 LR ou SHORT, serão permitidos até oito mil cartuchos anuais.
  • Atirador Nível 2 – Aquele que tiver doze treinamentos em clube de tiro e quatro competições, das quais duas de âmbito estadual, regional ou nacional, a cada 12 meses. Nesse caso, poderá ter até oito armas de fogo de uso permitido e até dez mil cartuchos por ano. Nos casos de .22 LR ou SHORT, o limite será de até 16 mil cartuchos, por ano.
  • Atirador Nível 3 – Aquele que tiver até 20 treinamentos em clube de tiro e seis competições, das quais duas de âmbito nacional ou internacional, no período de doze meses. Poderá ter até 16 armas de fogo, sendo 12 de uso permitido e quatro de uso restrito. Nesse caso, o limite será de 20 mil cartuchos, ou de até 32 mil cartuchos por ano nos casos de .22 LR ou SHORT.

Armas de uso dos órgãos de segurança vs cidadãos comuns

O governo federal decidiu retomar a restrição de alguns tipos de calibres. Alguns tipos de armas que eram permitidas apenas às forças de segurança haviam sido liberadas para a aquisição de civis. A medida, porém, deixará de valer. Quem adquiriu elas poderá mantê-la em seus acervos mediante alguns critérios. Além disso, será lançado um programa de recompra.

Como era:

Armas que antes eram de uso restrito às forças de segurança, incluindo as pistolas 9mm, .40 e .45 ACP, passaram a ser acessíveis ao cidadão comum. A mudança teve impacto na revisão de pena de condenados por posse/porte de armas daquelas armas.

Como fica:

Serão retomados os parâmetros que existiam em 2018 para limites de armas curtas. Pistolas 9mm, .40 e .45 ACP voltam a ser de uso restrito. Armas longas de alma lisa semiautomáticas também passam a ser restritas.

Serão garantidas a posse e a possibilidade de utilização das armas adquiridas sob a regra anterior, atendidos os critérios da concessão do registro e do apostilamento da atividade.

O governo também anunciou que deverá ser criado um programa de recompra com foco nas armas que deixaram de ser de uso permitido.

Fim do trânsito com arma municiada para CACs

Como era:

O CAC tinha direito a transitar portando uma arma municiada entre o local de guarda autorizado e o da prática da atividade.

Como fica:

Deve ser emitida uma guia de tráfego aos CACs e aos representantes estrangeiros em competição internacional oficial de tiro realizada no território nacional para transitar com armas de fogo registradas em seus respectivos acervos, devidamente desmuniciadas, em trajeto preestabelecido, por período pré-determinado, e de acordo com a finalidade declarada no correspondente registro.

Restrições às entidades de tiro desportivo

Os novos decretos também estabelecem novas regras, mais restritas, para clubes de tiro desportivo. Ficam proibidos, por exemplo, os estabelecimentos com funcionamento 24 horas.

Como era:

Não havia regra sobre a localização ou o horário de funcionamento dos clubes de tiro. Esses estabelecimentos podiam ficar, inclusive, perto de escolas (que também são locais de votação nas eleições).

Como ficam as regras:

  • Clubes de tiro e empresas de instrução terão de ficar a pelo menos 1 km de distância de escolas públicas ou privadas;
  • O horário de funcionamento terá de respeitar o limite entre 6h e 22h – fica proibido o funcionamento 24 horas.
  • A mudança do horário de funcionamento terá que ser feita imediatamente. As outras adequações, em um prazo de 18 meses.

Abate de fauna exógena

A caça de algumas espécies, como o javali, é permitida pelo Ibama por se tratar de uma espécie exógena à fauna brasileira. A partir de agora, porém, ela demandará autorização prévia, com informações precisas sobre o local, as armas utilizadas e o período.

Como era:

O número de cidades com permissão de abate de javalis triplicou, saindo de 698 em 2017 para 2010 no ano passado. Fiscais apontaram que em algumas delas houve soltura intencional dos animais para viabilizar a caça.

Como fica

Será preciso apresentar documento que comprove a necessidade de caça de javalis ou outro animal considerado invasor, área em que será feita a caça, número de pessoas envolvidas e período. O uso de armas de fogo será limitado a duas de uso permitido e seiscentas munições.

Redução da validade dos registros 

O registro de armas de fogo tinha validade de dez anos. O prazo agora irá variar de três a cinco anos, dependendo da finalidade.

Como era:

Os registros tinham validade única de dez anos.

Como fica:

A validade do registro passará a ser de três anos para colecionador, atirador desportivo e caçador excepcional; de cinco para fins de posse e caça de subsistência; cinco anos para as empresas de segurança privada;

Terá prazo indeterminado para os integrantes da ativa da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, policiais penais, polícias civis, polícias da Câmara e Senado, das guardas municipais, da ABIN, guardas prisionais, do quadro efetivo do Poder Judiciário e Ministério Público no exercício de funções de segurança, dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, dos auditores fiscais e analistas tributários.

Autorizações

Caberá quase exclusivamente à Polícia Federal conceder as autorizações para aquisição e uso de armas de fogo no Brasil.

Como era:

Cabiam ao comando do Exército as competências associadas à definição, normatização e fiscalização das atividades de caça, tiro desportivo, colecionadores desportivos, colecionadores e das entidades de tiro desportivo.

Como fica:

Passarão a ser competência da Polícia Federal todas as atividades de caráter civil envolvendo armas e munições, incluindo a definição, padronização, sistematização, normatização e fiscalização de atividades e procedimentos.