POLÍTICA

Assédio, agressão e até assassinato: ano de despedida de Bolsonaro foi o pior para jornalistas

Políticos e autoridades públicas são os principais autores de ofensas; 41,6% foram protagonizados pelo então presidente e seus três filhos

Por GABRIEL MANSUR
[email protected]

Publicado em 11/05/2023 às 06:00

Alterado em 11/05/2023 às 07:43

Caco Barcellos, da TV Globo, sendo empurrado Reprodução/Wikilivre

Diferentes estudos mostram o mesmo resultado: a imprensa não apenas foi descredibilizada, como também foi muitas vezes agredida física e moralmente no último ano do governo de Jair Bolsonaro, 2022.

Um levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), por exemplo, revela que os ataques aos profissionais da imprensa – principalmente às mulheres – cresceram 23% na comparação com 2021. A família Bolsonaro foi responsável por 41,6% dos casos de violência.

Uma outra pesquisa, apresentada nesta quarta-feira (10) pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), mostra que, depois de um ano sem registrar homicídios relacionados ao exercício da profissão, o Brasil voltou a ser palco de assassinatos de jornalistas e profissionais da comunicação em 2022.

Abaixo, você pode ver os dados em detalhe.

Pesquisa Abraji

O levantamento foi divulgado no dia 29 de março, durante um debate em São Paulo sobre as ameaças e cerceamento à liberdade de expressão. Ele contabiliza agressões verbais e físicas feitas diretamente a profissionais e também os chamados discursos estigmatizantes, que buscam descredibilizar o trabalho jornalístico.

No ano marcado pela polarizada - e concorrida - disputa presidencial, foram registrados 557 ataques a jornalistas e a meios de comunicação. É como se todo dia ao menos um trabalhador fosse agredido. Em 2021, foram 453. Já no primeiro ano da pesquisa, em 2019, foram computados 130 episódios. Ou seja: as agressões aumentaram 328% ao longo da gestão extremista do ex-presidente. A Abraji afirma que 2022 foi o ano mais violento para os comunicadores desde o início do monitoramento.

Ainda segundo a Abraji, entre os maus tratos mais frequentes no ano passado, 61,2%, foram os discursos estigmatizantes. A Associação relata que, em média, um ataque por dia foi registrado com o intuito de desmoralizar jornalistas e a imprensa. Em 75,7% das situações, os agressores eram agentes estatais, como políticos e funcionários públicos.

A segunda categoria com mais casos (31,2%) foi a de agressões e ataques, que inclui violações físicas, destruição de equipamentos, ameaças e hostilização. Nesse recorte em particular, o aumento foi de 102,3% em relação ao ano retrasado, número que a Abraji considerou preocupante.

  • Família Bolsonaro

O monitoramento também apontou que 41,6% de todos os ataques em 2022 foram protagonizados pelo então presidente e por seus três filhos com mandatos eletivos – o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

Jair Bolsonaro liderou ainda o ranking de ataques perpetrados por candidatos à Presidência. Dos 51 casos registrados, o então mandatário esteve envolvido em 50,1%. Na sequência vêm os então postulantes Sofia Manzano (PCB), aparecendo em 15,7% dos episódios, e Padre Kelmon (PTB), em 9,8%.

De acordo com a Abraji, não foram identificados discursos estigmatizantes publicados durante o período de campanha nos perfis de Lula, Simone Tebet (MDB) e José Maria Eymael (DC)”, relata o jornal.

 

  • Violência de gênero

O monitoramento também fez uma análise específica sobre a violência de gênero sofrida por jornalistas. Foram 145 episódios do tipo, um aumento de 13,1% em relação a 2021. Profissionais mulheres foram 97% das vítimas nesse recorte, na maior parte das vezes por causa da cobertura política.

Pesquisa Abert + Unesco

O país contabilizou, no ano passado, ao menos dois crimes brutais - além de uma terceira ocorrência ainda sendo apurada no Ceará - contra comunicadores. Um dos casos citados na pesquisa foi o assassinato do jornalista britânico Dom Philips, morto junto com o indigenista Bruno Araújo quando ambos viajavam pela Amazônia.

Os dois estavam na região para colher informações sobre o avanço do garimpo e o desmatamento. O crime repercutiu internacionalmente, noticiado nos principais veículos de imprensa do mundo.

Quatro meses antes, em fevereiro de 2022, o dono do site de notícias Pirambu News, Givanildo Oliveira da Silva, foi morto a tiros nas proximidade de sua casa, em Fortaleza (CE). Gigi, como o comunicador era conhecido, foi atingido por diversos disparos, logo após noticiar a prisão de um suspeito de duplo homicídio.

Macaque in the trees
Dom Phillips foi morto no ano passado (Foto: Reprodução/Twitter)

A Abert aguarda a conclusão das investigações do homicídio do jornalista e empresário Luiz Carlos Gomes, ocorrido em agosto do ano passado, no Rio de Janeiro. Dono do Jornal Tempo News, de Italva, no noroeste fluminense, Gomes dirigia seu carro quando dois homens se aproximaram em uma moto e efetuaram disparos.

O caso não foi contabilizado no relatório da Abert, porque a Polícia Civil do Rio de Janeiro ainda não confirmou tratar-se de um crime relacionado ao exercício do jornalismo.

Em mais de uma década monitorando as violações à liberdade de expressão e as agressões contra comunicadores, a Abert só não contabilizou casos de homicídio em 2019 e em 2021.

  • Agressões

O relatório da Abert registrou 137 casos de violência não letal contra 212 profissionais e veículos de comunicação. Diferentemente de 2021, quando as ofensas lideraram os registros, desta vez as agressões físicas estiveram no topo da lista de violações ao trabalho jornalístico. Foram 47 casos contra os 34 do ano anterior, um aumento significativo de 38,24%.

Agora um dado que se repete nas duas pesquisas: políticos e autoridades públicas são os principais autores de agressões verbais e ofensas contra jornalistas e profissionais da comunicação em geral. Diz o estudo:

"Contrariados com a divulgação de informações que os desabonam, muitos não só reagem propagando discursos de ódio ou mensagens que visam a desacreditar o trabalho da imprensa, como recorrem à violência contra quem divulga fatos de interesse público que os contrariem. E quando não agem eles próprios de forma violenta, incitam seus eleitores e/ou apoiadores a fazê-lo", explica.

Para a Abert, o comportamento é visto no mundo todo como uma ameaça à democracia, que se vê enfraquecida pelos ataques à liberdade de imprensa e de expressão.

  • Importunação sexual

Os autores do relatório destacam, no documento, que, assim como os homicídios, os casos de importunação sexual voltaram a aparecer no mapa da violência. Foram computados ao menos quatro casos de assédio praticado contra jornalistas mulheres no exercício de suas funções.

Macaque in the trees
Repórter é assediada no ao vivo (Foto: Reprodução/ESPN)

As vítimas eram, em sua maioria, repórteres e apresentadoras de TV. Em 75% dos casos, as profissionais faziam coberturas esportivas na Região Sudeste. Além de beijos sem consentimento, mensagens anônimas e vídeos de cunho sexual foram enviados para as comunicadoras.