ARTIGOS

Cansei de ilusões

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 15/12/2025 às 12:03

Alterado em 15/12/2025 às 12:03

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“Mentira, foi tudo mentira“ diz o samba-canção na voz de tantos intérpretes brasileiros, de Tito Madi a Maria Bethânia. Canção de dor de cotovelo, dirão alguns. Canção de raiva, de decepção, de rompimento inescapável.

Não votei neles. Nunca me enganou o canto de guerra entoado Brasil afora, como se estivéssemos diante de heróis da honestidade, do civismo e nacionalismo. Como se estivéssemos diante de enviados de deuses a destruir Sodoma por seus pecados, seus sacrilégios e seu assalto aos cofres públicos.

Talvez estejamos diante de um dos piores Congressos dos últimos 70 anos. Digo 70 anos por limitar minha análise aos meus 85 de vida até hoje. Acho que acordei para o papel do Congresso por volta dos meus 13 anos, quando comecei a acompanhar pelo rádio a campanha contra o segundo governo Vargas.

“Mar de lama”, vociferava a oposição. Lacaios dos Estados Unidos”, respondiam os apoiadores de Getúlio. No fundo, um debate não inteiramente desfocado da realidade atual em que as opções do desenvolvimento brasileiro parecem ainda fortemente maniqueístas.

Mas, se há uma discrepância óbvia com os dias atuais, é o baixo nível de nossos debates parlamentares, hoje pobres, intelectual e politicamente. Há uma incapacidade de se discutir o quer que seja sem que os adjetivos superem os poucos argumentos técnicos ou objetivos capazes de conduzir a uma lei sequer que não seja vetada por inconstitucionalidade ou por puro partidarismo oportunista.

Tenho plena noção da diferença abissal entre “oportunista” e “ideológico”. Como também sei identificar numa argumentação ideológica seu lastro indecoroso de oportunismo. E hoje aqui no Brasil há duas expressões políticas clássicas que sofreram degradação semântica maliciosa.

A “Direita” clássica ou o conservadorismo político nunca foram necessariamente apólogos de uma clivagem ideológica entre a esquerda clássica e a social-democracia, ambas tão democráticas e tão distantes do ideário marxista quanto a “Direita“ se distingue do nazifascismo.

A Constituição brasileira é claríssima quando, de um lado afirma que o Brasil é fundado nos princípios da economia de mercado quanto, logo a seguir, determina que o Brasil deverá buscar a justiça social e combater os desníveis decorrentes do abuso econômico.

A Constituição brasileira é transparente. O Brasil é um país de regime democrático que repele os extremismos de direita e de esquerda.

Não ignoro que desde os anos 60 do século passado, o capitalismo americano, por razões que são de todos conhecidas, passou por reformas ditas neoliberais que em muito romperam naquele país as redes de proteção ao consumidor em benefício da megaempresa. Muitos no Brasil, mesmo diante das óbvias injustiças sociais hoje visíveis naquele grande país, advogam políticas e estratégias que tendem a romper o equilíbrio democrático no Brasil. Políticas que, muitas vezes, rompem igualmente o equilíbrio angular da Constituição brasileira.

Não ignoro que a Constituição brasileira possa ser modificada, com exclusão de cláusulas pétreas. E uma de suas cláusulas pétreas é o regime democrático.

Muito dos impasses que estamos a sofrer é exatamente decorrente da incapacidade de o Congresso brasileiro levar a bom termo uma deliberação tão consensual quanto possível que possa acelerar o desenvolvimento socialmente sustentável sem quebrar a harmonia entre os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário e a ordem constitucional.

Há quem pretenda, no Congresso e fora dele, transpor para o Brasil a atual lambança que estamos a ver na gestão Trump, sequer exitosa em seu próprio país. Muito do debate no Congresso Nacional parece um simpósio de ideias sem respaldo sólido, embora ancorado em pseudo verdades transmitidas por lideranças carismáticas e intelectualmente despreparadas.

Não menciono, por óbvio, que, além das razões acima, existem as razões, digamos, pedestres, como as emendas parlamentares, mão de gato que acaba de adentrar a lareira policial.

A crescente separação entre o povo e o Congresso só será sanada com eleições gerais para a Câmara dos Deputados e parcial para o Senado Federal.

A imprensa, as entidades cívicas e políticas muito ajudariam se promovessem um questionário padrão a ser respondido por todos os candidatos sobre suas visões sobre os temas nacionais e internacionais de relevância para o Brasil. A comparação entre o dito e o efetivamente votado, pelo eventual candidato a reeleição, em muito poderia sanear a pobreza intelectual e cultural do Congresso a partir da próxima legislatura.

O eleitor é o dono do seu futuro. Exclusivamente ele pode mudar o Brasil.

E pare de cantar que cansou de ilusões. Só se deixa enganar quem quer. Quem transfere seu destino para outrem.

Adhemar Bahadian é embaixador aposentado

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