ARTIGOS

O chocalho, o 'Estadão' e o Geisel

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 13/07/2025 às 09:35

Alterado em 13/07/2025 às 09:43

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Faltou informar aos aprendizes de feiticeiro.

O chocalho da cascavel sugere afastamento e não boas-vindas.

Imaginar que se possa negociar com a peçonhenta uma picadinha no dedo-duro e surpreender-se com um bote fatal na carótida direita não é acaso. É primarismo.

Fica aí esta lição elementar para os que creem que a cobra pode deixar de ser cobra e jamais deixará de hipnotizar pombinhos. Passemos do primarismo ao jornalismo de escol.

O editorial do "Estado de S. Paulo", "Estadão", "Coisa de mafiosos“, publicado na quinta feira, 10 de julho, certamente ficará na história do jornalismo democrático, como marco de um país soberano e de um povo digno de respeito.

Mais. O editorial registra de forma definitiva a diferença entre uma oposição interna equilibrada e uma manifestação externa de coloração inegavelmente lesa-pátria.

Mais ainda. O editorial marca a linha divisória entre a legítima defesa de valores liberais e conservadores e a insânia de uma oposição radical e extremada que não vê limites na busca do poder autárquico e se dispõe a pagar inclusive o preço da vassalagem a uma potência estrangeira, ela própria em crise de identidade.

Finalmente, um editorial a nos lembrar a forma altaneira como devemos enfrentar ataques, o que me leva à Copa do Mundo de 1958 e sua histórica final na Suécia.

Na época não tínhamos nem televisão direta e vivíamos as emoções de nossa seleção pela voz de locutores dramáticos, como Oduvaldo Cozzi, a nos abrir uma cortina hipotética e vermos entre brumas e chiados de estática o “Ballet" de Zagallo, Garrincha, Nilton Santos, Pelé e Didi.

Este último talvez tenha escrito um editorial do tamanho do “Coisa de Mafiosos” no gramado sueco. A própria descrição pelos locutores já foi suficiente para nos arrepiar. Mas, com a chegada das filmagens reproduzidas diariamente, fica impossível não lembrar até hoje, mais de 65 anos depois, o grande guerreiro brasileiro.

Recorde-se que era a final da Copa e a Suécia, finalista como nós, faz um gol que nos deixa atônitos. E então se inicia a Epopeia; não há outro nome. O fantasma da Copa de 50 parecia baixar entre nós.
Didi pega a bola nas redes do gol brasileiro, coloca-a debaixo do braço como embrulho, e com ela sai andando em direção ao meio do campo em passos cheios de um gingado entre marcial e abstrato, como só sambistas sabem imprimir a seus corpos.

Talvez, Nureyev, bailarino do século XX, pudesse imitá-lo porque havia neles, nos passos, a sabedoria da libertação escravocrata e a lembrança dolorosa da servidão.

Só vi movimento corporal igual, muito anos depois, na Tanzânia, numa tribo de gigantes e orgulhosos Massai. Empertigados, conscientes de seu porte e cultura, os Massai nos olhavam nos olhos sem hostilidade, mas determinados e, creio, debochavam internamente de nossos medos atávicos.

Tentei fotografar um deles, que se afastou e dele me afastou com um gesto determinante. Mais tarde me explicaram que os Massai não se deixam fotografar facilmente por acreditarem que a foto apreende não só suas imagens mas suas almas.
Coisas de nossa irmã África com que compartilhamos sabedoria e história.

E na Copa da Suécia os passos de Didi, cadenciados, foram reduzindo a balbúrdia da torcida sueca em clímax por estar muito próxima de ganhar o caneco. Lembro que Didi balbuciou qualquer coisa para Zito. Hoje se diz que Didi teria dito” Vamos encher esses caras de golaços“. Ou coisa parecida.

O fato é que bailamos em campo, enrouqueceram-se os locutores com tantos gritos de goolllll, a se espalhar pelo Brasil em festa. Ali naquela hora e naquele dia, Didi assumiu a dignidade brasileira, a consciência de nosso valor e a maestria de nossa arte. Espetáculo muito diferente, reconheçamos, do 1X7 contra a Alemanha.

Hoje, não depende de nós a negociação econômica cabível e despida dos alucinógenos trumpistas, homem a quem o prêmio Nobel de Economia, Paul Krugman, chamou de louco. Nisso, aliás, repetindo o que a Sociedade Americana de Psiquiatria já havia suspeitado e avisado antes do primeiro mandato. Recomendo enfaticamente que não entremos no mesmo avião que ele. Nem mesmo no presentão que recebeu do Qatar.

Você, leitor, ou estimada leitora, fica agora a se perguntar o que Geisel tem com tudo isto?

Primeiro, Geisel, que nunca poderia ser acoimado de “esquerdista e comunista”, também não baixou a espinha para os entraves de Carter ao governo que ele, Geisel, presidia.

Segundo porque a politica externa de Geisel e Silveirinha foi respeitada por Kissinger, que reconheceu sua sabedoria mesmo quando dela discordou.

E “last but not least”, como diria Hillary Clinton, Geisel desde sempre NOS avisou que aquele cidadão:

"NUNCA FOI UM BOM MILITAR."

 

Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado

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