ARTIGOS
O impasse o vácuo e nós
Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 08/06/2025 às 10:23
Alterado em 08/06/2025 às 10:26
A quizila entre Musk e Trump me lembrou uma manchete do jornal argentino “Clarín" na Copa do Mundo em que a Argentina havia perdido para a Inglaterra, que enfrentava o Brasil na data da manchete: “Que percan los dos”.
O Brasil ganhou com uma espetacular cobrança de falta por Ronaldinho Gaúcho numa quase folha seca dos bons tempos do mestre Didi.
Na rinha em que se tornou a política dos Estados Unidos há um ganhador óbvio: a Democracia, até agora a única clara e insofismável flor bela espancada.
Neste ponto, mas não só nele, concordo com o que disse Fernando Abruccio no Jornal da Aline, a melhor âncora destes dias. Abruccio, aliás, pertence ao grupo de cientistas políticos universitários que nos presenteou com dois excelentes livros publicados pela editora “Autêntica”. O primeiro deles, “O governo Bolsonaro“, chegou às livrarias em 2021. O segundo, “O governo Lula 3”, é deste ano.
São livros que recomendo aos que pretendam ler análises cuidadosas e acadêmicas sobre a situação política, econômica e cultural do país, nesses idos tão contaminados por análises que privilegiam a ideologia, quando não o simples e sovado partidarismo, em questões sabidamente de interesse nacional presente e futuro. Fica a recomendação e meu agradecimento pessoal à Editora Autêntica pela iniciativa.
Mas, voltemos ao feijão com arroz, hoje um feijão queimado e um arroz empapado. A briga de Musk e Trump me fez dar o título de “impasse" a esta coluna de hoje porque a palavra sugere na sua raiz a impossibilidade de se dar um passo nítido e, por consequência, nos leva ao vácuo, fenômeno historicamente antagônico à política.
Trump tem exposta a fragilidade ou a ambiguidade desastrosa de sua política à luz do dia e pela boca de um de seus maiores financiadores de campanha. O compromisso de Trump com as “bigtechs” e com o grande capital monopolístico em geral é uma hemorragia a revelar a fantasiosa promessa de tornar a América grande outra vez.
Deste impasse óbvio devem surgir movimentos do Partido Democrata americano para recuperar os votos por ele perdidos desde a neo-autoritária campanha liderada por Steve Bannon, ofuscado pela ofensiva das “bigtechs”.
O vácuo atual não deverá durar muito. As eleições de meio-mandato previstas para novembro de 2026 nos Estados Unidos devem igualmente ser oxigenadas pelas campanhas de reeleições de governadores democratas em estados importantíssimos da União. Com medalha de honra para a California, que Trump pretende sufocar com cortes de verbas federais abusivas, tão ou mais perniciosas que as violências cometidas contra Universidades, dentre as quais a de Harvard, cujo prestígio vem sendo corroído pela mesma insânia.
Para completar o quadro, a política externa de Trump tem como saldo o aprofundamento de uma guerra como a da Ucrânia e o agastamento de Putin com o presidente americano, paralisado aqui também diante de sua promessa eleitoral de acabar com o conflito em uma semana.
Ainda na política externa de Trump a incapacidade de distinguir o interesse sionista das ambições do líder de Israel está se transferindo para o dia a dia dos americanos nas Universidades e fora delas. Identificar protestos contra a barbárie cometida em Gaza com movimentos antissemitas não é um tiro-no-pé. É um coice na inteligência da humanidade.
E nós nisto? Nós, Brasil. Aqui também as reflexões com os nossos travesseiros não são difíceis de imaginar. A falência dos homens-providência que elegemos desde Jânio Quadros, passando por Colllor, deveria nos alertar que o Salvador morreu na cruz. Nosso sistema político se recobre de ingredientes como cobertura de Chantilly, mas que, na realidade é de barro, para não dizer coisa mais escatológica. Os impasses suprapartidários trazidos pelas descontroladas e mal conhecidas emendas parlamentares travam o orçamento nacional que não é de nenhum poder da República, mas da Nação. Até quando Catilina?
*Embaixador aposentado