ARTIGOS
Musk-Trump e o destino indigesto
Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 23/02/2025 às 08:48
Alterado em 23/02/2025 às 08:48
Esta semana será lembrada por nos ter revelado o espinhoso território da ignorância arrogante.
Faz algumas décadas, o título de um livro “Ces malades qui nous gouvernent” (Esses doentes que nos governam) me surpreendeu pela crueza e pela honestidade.
Bem verdade que se referia a um período na França em que o estado de saúde física de Georges Pompidou parecia deixar o país em suspense sobre o dia a dia governamental.
Hoje, estamos a ler outros tipos de livros a nos chamar a atenção sobre o espectro patológico de nossos governantes. Eu próprio lembrei os dois livros publicados pela American Society of Psychiatry, que nos alertou sobre o “perigoso caso Donald Trump”.
De forma categórica e sem rebuços a Associação Psiquiátrica declarou que Trump “não está apto para ser presidente dos Estados Unidos da América”.
Embora seja sempre discutível a possibilidade de se impedir alguém exercer um cargo público qualquer por razões de distúrbio mental, não há dúvida de que os exames psicotécnicos já evitaram situações de risco em empregos onde o candidato deverá pilotar aviões ou caminhões de carga.
Mas, nas eleições presidenciais, o psiquiatra é o povo e assim deve continuar.
Trump tem sido comparado por pessoas ilustres a tiranos como Nero e, sobretudo, Calígula, famoso por convidar para sua mesa de jantar seu próprio cavalo de montaria.
Trump vence sem dificuldades o exame popular de sanidade mental: não rasga dinheiro. Pelo menos o dele. Quanto ao dinheiro público, há exemplos diários de políticos que o fazem desaparecer em passes de mágica, emendas sobrenaturais, paroquiais, municipais etc e tal, como sabemos todos.
Nesta semana que se encerra, a patologia mental adquiriu contornos ainda mais contundentes de estupidez e sobretudo de incultura e falta de conhecimento, intoleráveis numa pessoa que pretenda conduzir nações.
Trump e seu fiel escudeiro Musk estão a nos sujeitar, como se fossem medidas saudáveis e corretas para nosso destino neste planeta, a abandonar verdades. A começar pelo negacionismo científico que se espalha como a Peste.
Está-se a promover a fragilidade mais absurda diante de Pandemias em gestação, com cortes abusivos de verbas para pesquisa de vacinas nos Estados Unidos.
Trump fez igual ou pior ao se retirar da Organização Mundial da Saúde, talvez porque ainda lhe soem mal aos ouvidos as reiteradas solicitações do Diretor-Geral da OMS para que os povos tenham acesso a máscaras e vacinas durante a Pandemia do COVID.
Trump presenteou, em seu primeiro mandato, a maior autoridade sanitária de seu país com impropérios diários. Trata-o ate hoje como marginal e o condena ao linchamento público.
Loucura? Ignorância? Solidariedade aos que sequer podem receber uma ajuda superficial de hospitais públicos? Tudo uma inquestionável e infinita desconsideração diante de servidores públicos de escol.
Trump elevou ao posto mais alto da administração pública sanitária americana um nome ilustre, mas de rancoroso comportamento diante da ciência médica a começar pela eliminação da saúde pública gratuita, com a interrupção de planos de vacinação.
Pano rápido.
Há aqui no Brasil quem acredite que Trump e suas políticas, seu histrionismo e sua cultura tatibitate nos servem de exemplo.
Me pergunto qual brasileiro não reconheça que sem o SUS, sem a merenda escolar e tantos outros programas sociais, sem vacinação e escola gratuitas para seus filhos, sem proteção trabalhista, um cidadão classe média poderia viver. Ou sobreviver.
Trump insiste na hipocrisia de que os super-ricos devem pagar imposto de renda simbólico, porque deles derivariam o investimento privado e, por consequência, o desenvolvimento econômico da nação.
Papagaiada a nos conduzir nos últimos cinquenta anos ao neoliberalismo que não só destruiu a justiça social como provocou uma espiral de superenriquecimento, como os de Musk e patota, hoje empoleirados nos mais altos escalões do governo com a missão suicida de destruí-lo. Como estão nitidamente fazendo.
Os projetos políticos de Trump são claros e deveriam merecer reflexão cuidadosa, porque a vida de nossas futuras gerações pagará o preço de nossa apatia.
Estamos todos cansados de tanto ódio e de tanta adversidade.
Talvez estejamos na última volta de dois relógios: o relógio da destruição de nossa vida neste planeta e o relógio de nossa independência social e política como seres humanos dotados de inteligência, até hoje não-artificial.
Dois relógios em velocidades assincrônicas, em que os ponteiros do relógio da destruição parecem impelidos pelo pior da condição humana.
O ódio que estamos a viver decorre de políticas e doutrinas a nos separar das maiores e melhores conquistas do ser humano, da filosofia humanista que nos acompanha desde os gregos.
Pior, o ódio foi cuidadosamente abrigado no berço da babel de opressões a que nos vimos atirados nos últimos cinquenta anos, em que se confundiu intencionalmente a fé com a ciência, a liberdade com a cupidez, o bem público com condomínio privado.
A pior e mais ensandecida ousadia foi a intencional confusão entre religião e política.
A título de se restaurar a moralidade, opção individual de cada cidadão, partidos políticos e até mesmo seitas religiosas não souberam separar o que pertence a Deus do que pertence a Cesar.
Em muitos casos colocando em franca rota de colisão a liberdade de culto com a cidadania política. Seara que não cabe nos limites deste artigo.
Merece rigorosa atenção constante e cuidadosa o abandono crescente dos princípios fundamentais da garantia da ordem, do primado da lei, tanto nas questões internas quanto externas.
Os atos de Trump não só discrepam da ordem constitucional de seu país, mas também penalizam todos os países que com os Estados Unidos tenham relações diplomáticas bilaterais e multilaterais.
O Direito Internacional se dilui a cada dia na interpretação primária de Trump, cuja medida do certo e do justo é o lucro. A rapina.
Suas últimas propostas para fazer de Gaza uma Riviera para ricaços bem como seu despudor em propor que as terras raras da Ucrânia sejam divididas com os Estados Unidos são de corar de vergonha piratas e sanguessugas.
Por todas essas razões e pelo efeito cascata de desrespeito à lei, que estamos a ver-se difundir em países tanto do Norte quanto do Sul, torna-se imperativo uma reafirmação dos princípios básicos do Direito Internacional e sobretudo dos princípios fundamentais de cooperação internacional, inscritos na Carta das Nações Unidas da qual somos subscritores originais.
A Diplomacia brasileira desempenhará neste ano de 2025 papel mais do que relevante para a reafirmação do Direito Internacional em reuniões que se realizarão no Brasil. A reunião dos Brics aqui no Rio de Janeiro e a COP 30 em Belém.
São momentos nevrálgicos para tentarmos retomar uma estrada sadia em nosso convívio nacional e internacional.
A opção trumpista não se inscreve no rol das opções civilizatórias. Muito em breve os próprios americanos se darão conta do torvelinho em que se encontram. Os Estados Unidos são muito maiores do que Trump.
Enquanto isto, o tic-tac do relógio das insanidades humanas se acelera. A começar pela indiferença renascida pelas mudanças climáticas. Em São Paulo, a cidade inunda a cada dia. No Rio, o calor derrete trilhos de trens e provoca descarrilamentos.
Preferia o tempo do “Rio 40 graus” de Nelson Pereira dos Santos.
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EM TEMPO. Boa notícia a volta da editora Cosac Naif, com o nome apenas de Cosac, mas comprometida com a qualidade de suas publicações. Melhor ainda, a notícia que vai dedicar-se à publicação de livros sobre a história do Brasil. Estamos precisando de uma História Crítica do Brasil, sem os mitos e as fantasias de hábito. Seria um dever cívico para os jovens do Brasil, que a desconhecem tristemente.
2. Amanhã, joga-se nos campos da Alemanha, a resposta da Europa aos disparates ditos pelo vice-presidente americano na Conferência de Munique.
3. O Brasil cresceu quase 4% em 2024. Ainda assim há quem insista em dizer que estamos sem rumo. Haddad é um trunfo brasileiro.
Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado