ARTIGOS

A história e a farsa em Munique

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Por ADHEMAR BAHADIAN

Publicado em 16/02/2025 às 06:02

Alterado em 16/02/2025 às 10:01

Em nome do pai Trump, o filho, Vance, ambos abençoados pelo espírito do mal, Musk, capitão bit-con (repito bit-con) da matilha neobilionária, relê a história como farsa em Munique.

Munique ficou marcada na história quando Chamberlain, então primeiro-ministro da Grã-Bretanha, em 1938, concordou em ceder aos nazistas de Hitler os sudetos da então Tcheco-Eslováquia.

A Paz e o apaziguamento propostos por Chamberlain foram deglutidos como aperitivo pela fúria nazista e Chamberlain foi substituído por Churchill e por sua amarga confissão ao povo britânico: “Só posso prometer sangue, suor e lágrimas”.

Vance, diante de uma plateia estupefata, da Conferência de Segurança de Munique, sugere à Europa uma impensável aceitação dos postulados neo-nazistas da extrema direita alemã, defendendo uma paz pelo mesmo mecanismo da submissão, ou do apaziguamento de piranhas com a oferta de suculentas sardinhas.

Não creio que se possa ainda divagar sobre a geopolítica de Trump ou atribuí-la a fanfarronices ou até mesmo a desequilíbrios emocionais. Na realidade, a estratégia está nua. Não com a nudez artística de um pintor renascentista, mas com o renascimento tétrico da nudez famélica dos campos de concentração de Dachau, vizinho de Munique.

Relembro que a menção a Musk não é gratuita, pois foi ele o primeiro a incitar os alemães a votarem na extrema direita alemã.

Parece-me óbvio pelo que estamos a ver, inclusive pela sandice e desrespeito com que Musk se comporta diante dos funcionários civis dos Estados Unidos da America, que os métodos dele são os mesmos da "cosa nostra" italiana.

E há um aspecto importante a considerar: uma óbvia aceleração do projeto geopolítico de Trump-Musk.

Atribuo esta mudança de velocidade à resposta tecnológica acachapante dada pela China ao projeto das big-techs americanas, cujos CEOs estavam todos pimpões na Rotunda do Congresso americano.
A salivar como pitbulls diante de cada palavra de Trump, no discurso Carta-Magna do Imperialismo tecnológico dos "poderosos" deste mundo a se prepararem para o assalto à “inteligência" humana.
Os chineses furaram este balão bem na hora em que Musk se preparava para cortar o bolo do aniversário do Bebê de Rosemary.

Surge daí a urgência de Vance em chamar de covardes os europeus que não aceitam a “liberdade de opinião” e queiram regulamentar as “big-techs”.

As mesmas “big-techs” que estão sob controle dos superbilionários da patota do Musk. Jogo matreiro, mafioso.

Tanto, ou mais, do que a generosidade de Trump de oferecer apoio militar à Ucrânia, na medida em que tenha livre acesso às terras raras daquele país.

Vance acusa os europeus de fracos por não caírem neste conto da Aia e os ameaça, em nome do Bebê de Rosemary, de serem deixados a pão e água diante de Putin, enriquecido e fortalecido com as terras adquiridas “legitimamente" pela força das armas.

Respondeu-o, num discurso apoiado com uma ovação contundente, o ministro da defesa alemã. Uma espécie de carraspana de um mestre-escola diante de um pivete a espetar seus colegas com um canivete suíço.

Mas, o fato sobre o qual pretendo chamar a atenção de meus leitores e compatriotas é que estamos diante de uma pandemia talvez mais virulenta do que a covid.

A covid, a par das mortes de familiares e amigos, nos deixou num país cindido entre o bom senso e o maquiavelismo de botequim. Dentre esses, sublinho a reiterada luta contra a vacinação, a insistência em não usar máscaras protetivas, tudo isso e muito mais, com a cooperação debochada de um governo disposto a se isentar de toda e qualquer responsabilidade púbica e sanitária.

Com a nova geopolítica americana, as primeiras vítimas foram a OMS, a Agência para o Desenvolvimento, e a Educação e a ciência nos Estados Unidos.

Será que esta política nos serve? Nós brasileiros, miscigenados sim senhor, tementes a Deus, mas muito longe de nos afeiçoarmos a ritos de exclusão como os que infelizmente levaram os Estados Unidos à Guerra de Secessão.

Não há dúvida de que chegam aos nossos lares os ruídos da nova pandemia, esta talvez de aniquilamento mais moral do que físico.

Ela não baterá às nossas portas. Ela as derrubarão, em nome de uma nova ordem “do cada um por si”, nos levará muito distante de uma sociedade harmoniosa e menos injusta como temos a obrigação de construir. Será o reino do Bebê de Rosemary e seus apóstolos, ou melhor, seus cães de fila.

Nesta hora, só tenho uma sugestão: proteja sua lucidez, a única riqueza que não lhe podem subtrair. Pelo menos, monetariamente. Embora haja sempre os que estão prontos a entregá-la, juntamente com a decência moral, por qualquer trinta dinheiros.

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EM TEMPO: A morte de Cacá Diegues me atinge como seu colega na PUC e amigo ao longo da vida. Tive o prazer de tê-lo em Roma quando o Brasil foi homenageado no festival de Cinema daquela cidade. A festa do povo italiano com os brasileiros na Piazza Navona, diante da Embaixada brasileira, foi inesquecível, regada a batucada.

2. Aliás, Cacá era irmão do Comandante Fernando Diegues que foi meu companheiro nas reuniões do Comitê de Desarmamento na ONU, em Genebra. Grande figura de militar e homem de caráter. Quando faleceu, Cacá escreveu sobre ele uma crônica com o título: “Um homem bom”. Tomara que se reencontrem.

 

Adhemar Bahadian é embaixador aposentado

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