ARTIGOS
Diretrizes ou Diatribes?
Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 02/02/2025 às 08:34
Alterado em 02/02/2025 às 08:34
Os Estados Unidos de Trump nos surpreende a cada dia com uma nota desafinada como o arranhar do giz no quadro negro.
Arrepiei-me ao vê-lo nas televisões do mundo a fustigar seus antecessores Biden e Obama, atribuindo à política de não-discriminação a razão pela qual um helicóptero militar havia colidido com um avião de passageiros, mergulhando ambos nas frígidas águas do Potomac.
Nada poderia ser universalmente mais doloroso do que ouvir um estapafúrdio dessa dimensão na hora em que a solidariedade e a comiseração se impõem .
Mas, Trump já mereceu dois volumes da Associação Psiquiátrica Americana alertando para suas disfunções, sem que a advertência tenha merecido a atenção devida.
E agora, pagamos todos esta conta, quase tão cara quanto uma emenda parlamentar não-rastreável.
Curiosa e Freudianamente, Trump parece ter particular prazer sádico em molestar seus aliados e sobretudo os países que primeiro concordaram com suas queixas e melindres.
Anunciar sobretaxas alfandegárias ao México e ao Canadá nos faz pensar como fomos prudentes em não termos caído na cantilena da ALCA, mais ou menos ao mesmo tempo em que se cantavam loas ao NAFTA, acordo comercial entre os Estados Unidos, Canadá e México.
Todos nos lembramos como Trump chicoteou os negociadores americanos do NAFTA, chamando-os dos piores adjetivos. Forçou uma renegociação com mudanças leoninas a favor dos Estados Unidos e, agora, com a mais deslavada empáfia, impõe sobretaxas menores das que pretende submeter à China.
Isto mostra o equívoco soberano, quando alguns setores pressionavam os negociadores brasileiros a aceitar o acordo ALCA, ridiculamente desequilibrado e que nos teria levado hoje ao mesmo rodamoinho em que se encontram os aliados Canadá e México.
Não é sem diatribes que Trump alardeia a importância de sobretaxar “urbis et orbis”. A discussão nós órgãos multilaterais de Comércio, inclusive na OMC, embora dileta filha do neoliberalismo, não deixaria sem troco as turpitudes de Trump.
Muito mais errônea seria a política de nos amedontrarmos diante da possibilidade de que taxas alfandegárias sejam impostas a nós e que melhor seria aceitarmos tudo que seu rei mandar.
Que me relevem a audácia os crentes no mágico de Oz e na “Yellow brick road”. E igualmente os crentes na “Silk Road”.
Na realidade, estamos diante de um fraco rei. Fosse Trump um estadista não estaria a caçar imigrantes como ratos nas escolas, nos templos e nos lares americanos, numa "razzia" digna da Gestapo.
Nesta hora não há como não lembrar dos horrores associados a negros e imigrantes, que ainda podem ser ouvidos nas vozes de Bob Dylan e Billie Holiday nas canções “I pity the poor immigrant”e ‘'Strange Fruit”, ambas disponíveis nas plataformas usuais.
Cada uma mais enfática que a outra a revelar o que Trump entende por “Great American”.
Mudo de assunto, mas não tanto, porque hoje, neste sábado em que escrevo, as Casas do Congresso alternam presidentes e redistribuem suas Comissões.
Não tenho nem de longe a argúcia e as fontes de nossos analistas de política interna, mas não poderia deixar de dizer que o Congresso muito tem a contribuir para que o Brasil possa e deva navegar soberano diante das ameaças que nos rondam, como acima rapidamente delineei.
Precisamos não mesclar problemas de soberania e de direito internacional com ideologias que hoje estão a sacudir o edifício do sistema internacional surgido do pós-guerra.
Somos, como os Estados Unidos da América, signatários da Carta de São Francisco, estivemos, como os Estados Unidos, na Conferência de Paz após a Primeira Guerra. Somos, por atitudes e direito, membros originários da criação das Nações Unidas.
Somos inarredáveis defensores das liberdade de imprensa, de culto e dos direitos humanos. Somos defensores e seguidores da Democracia representativa, das eleições livres e supervisionadas por mecanismos constitucionais.
Mas, definitivamente não compartilhamos a destruição deste mundo e muito menos sua substituição pelo "dejà vu" dos" ïsmos”: fascismo, comunismo, nazismo e suas metásteses contemporâneas autoritárias todas, inclusive o plutocratismo mercantilista.
Apesar de necessitarmos aprofundar nossa política de igualdade de oportunidades, somos um país destinado à grandeza material e espiritual.
Somos, portanto, um povo, independentemente de ideologias políticas, avessos ao ódio não só entre irmãos, mas também entre raças e religiões.
Neste sentido, esperamos sempre um Congresso comprometido com a transparência pública de seus atos e decisões, respeitados sempre o debate politico e a construtiva harmonização de interesses da cidadania.
Transparência que deveria atingir também os tão desconhecidos, porém, ativos "lobbies"
Ainda há dois anos, para nos reencontrarmos. Pelo voto.
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EM TEMPO: agradeço a contribuição de Rodrigo Bahadian e seu conhecimento da música americana na elaboração deste artigo.
2. A meus companheiros de hoje e de ontem que estão a temer o pior e ensaiando um corre-corre geral, recordo a frase de Didi, inesquecível mestre da folha-seca, quando perguntado por um repórter porque corria pouco em campo: “Quem corre é a bola”.
3. De tantas coisas boas que nos deixou Marina Colassanti, recordo e recomendo sua belíssima tradução de “Il Gattopardo”. (O Leopardo).
Adhemar Bahadian. Embaixador aposentado