ARTIGOS
O bom senso se aproxima?
Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 01/10/2023 às 08:58
Alterado em 01/10/2023 às 08:58
Foi a melhor semana. A transferência da presidência do Supremo Tribunal Federal nos permitiu escutar três discursos convergentes em defesa da Democracia e do bom e velho bom senso, tão arredio nas conversas e nas manifestações políticas. Já nem sequer os panelaços nos aliviavam diante de tanta insensatez, tanta militância armamentista, tanto ódio entre irmãos.
O Brasil vai retomando seu fôlego, sua capacidade de se fazer ouvir internacionalmente com uma mensagem construtiva em defesa do Estado Democrático de Direito. Há uma visível atenção quando fala o Brasil e Lula não se poupou em ser o porta-voz de uma nação defensora dos direitos fundamentais inscritos em nossa Constituição de 1988.
Quase por efeito demonstração, os discursos no Supremo Tribunal Federal tanto nas despedidas de Rosa Weber mulher que - pela força da autoridade moral - me lembra os personagens femininos de Erico Veríssimo em “O Continente”, primeiro tomo da trilogia de “O Tempo e o Vento”, a começar pelo caráter de Ana Terra. Mulheres que em silêncio mostravam a têmpera de uma nacionalidade a se moldar no romance de Veríssimo e hoje se reafirma nos angustiosos tempos que infelizmente ainda não nos abandonaram de todo.
Há nos discursos de Gilmar Mendes, decano a quem coube saudar tanto Rosa Weber quanto Roberto Barroso, uma canção de guerreiro vencedor a propor a deposição de armas em favor da harmonia civilizacional, apenas possível se ouvida e seguida a pauta que nos obriga a todos na Constituição de 1988.
Ao assumir suas novas funções como presidente do Supremo Tribunal Federal, Barroso, além de seu texto impecável na riqueza linguística e na cultura jurídica e humanística nos presenteou com uma festa em que a voz unânime de Maria Bethânia resgata os versos de nosso Hino Nacional numa mensagem autêntica de união nacional.
Tudo isso o mundo ouviu e viu. Não terá passado despercebida a capacidade de nosso povo em jogar para o lixo da história a baderna de saltimbancos que no 8 de janeiro nos asfixiou de vergonha ao destruir os monumentos sacrossantos de nossa Democracia, assim como não terá sido pouca a admiração por um povo que - sem esquecer a apuração justa da injusta e ignominiosa afronta - lança as sementes de um Brasil mais unido e democrático do que nunca.
Mas nem só de festas cívica vivemos. Numa demonstração de capacidade de trabalho e planejamento, o Ministério da Saúde ressurge das cinzas e pela voz do presidente da República dá a conhecer a Estratégia de Saúde para os próximos anos. Que eu saiba, trata-se de movimento que fará do Brasil um líder reconhecido da pesquisa e da terapêutica médica no continente latino-americano. Mais do que isto, abre as portas para uma cooperação internacional com os países africanos para o controle e eliminação das doenças tropicais que não entram na agenda dos grandes laboratórios internacionais.
Curiosamente, leio com prazer em revistas internacionais que começam a surgir na agenda internacional propostas e sugestões para diminuir ou eliminar os efeitos abusivos das regras leoninas do Acordo Trips de Propriedade Intelectual, passo importantíssimo para se permitir o acesso a medicamentos e vacinas que a Pandemia do Covid exigiu da humanidade e que a ela nem os próprios países desenvolvidos souberam responder. É tema que voltarei em meus artigos e que tenho certeza está já a merecer uma atenção altamente qualificada dos Ministérios da Saúde e das Relações Exteriores, sobretudo no desenho das novas relações comerciais internacionais, infelizmente substancialmente abocanhadas pelo besteirol do neoliberalismo dos acordos comerciais bilaterais e plurilaterais.
Assunto final desses meus comentários de hoje e que sei irritam muita gente no chamado mercado financeiro, os acordos comerciais estão também a passar pelo crivo até mesmo do Trumpismo (e se é Trump, é trampa, dizem) quando se propõe uma revisão dos acordos para que o conteúdo local seja incrementado substancialmente, com a discutível justificativa que esta alteração será melhor para os operários sindicalizados na indústria (automotiva?)
Se você sentiu um certo odor de enxofre na proposta, por favor entre em contato com o ex-ministro para relações comerciais dos Estados Unidos (USTR) que escreveu sobre o tema no último "Foreign Affairs".
A semana foi boa. Só faltou - como se diria no musical "My Fair Lady” - “um empurrãozinho de nossos amigos” da Câmara baixa. E agora, até mesmo da Câmara alta.
*Embaixador aposentado