MEIO AMBIENTE

Retrocesso - Com mudanças de última hora, projeto-bomba do Licenciamento ambiental é aprovado no Senado

Texto agora segue para segunda apreciação pela Câmara dos Deputados. Caso vire lei, medida vai tornar mais maleáveis as normas para licenças ambientais

Por JB AMBIENTAL com ((o)) eco
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Publicado em 22/05/2025 às 07:41

Alterado em 22/05/2025 às 07:45

Presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

Por Cristiane Prizibisczki - O Senado Federal aprovou, na noite desta quarta-feira (21), por 54 votos a 13, o projeto de lei que flexibiliza radicalmente o licenciamento ambiental no País. Posicionamento do Ministério do Meio Ambiente é de que a norma viola a Constituição Federal. Uma área maior do que o território da Grécia fica imediatamente sob ameaça de desmatamento, alertam organizações da sociedade civil.

A votação do Projeto de Lei nº 2159/21 só foi possível após insistência do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Prevista para ser iniciada às 14h, ela só começou de fato a ser analisada depois das 18h, após Alcolumbre convocar de forma recorrente a presença dos senadores no plenário. Agora, o texto será encaminhado para segunda apreciação pela Câmara dos Deputados, de onde é originário.

Ao longo da tarde, Alcolumbre repetiu o discurso, alinhado à ala ruralista do Congresso, de que o licenciamento ambiental em vigor atualmente “atravanca o desenvolvimento do Brasil”.

“É empenho desta presidência deliberar este assunto, este projeto de lei. Entendendo a necessidade e compreendendo o ponto de vista até dos contrários, mas vamos saber se a ampla maioria deseja ou não ajudar o Brasil a se desenvolver”, disse o presidente do Senado, antes da votação.

No final da tarde, o Ministério de Meio Ambiente e Mudanças Climáticas chegou a publicar uma nota afirmando que o PL representa “desestruturação significativa” do regramento existente sobre o tema e representa risco à segurança ambiental e social em território brasileiro.

O ministério também destacou em sua manifestação que a norma afronta diretamente a Constituição Federal, que no Artigo 225 garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

“A proposta terá impacto negativo para a gestão socioambiental, além de provocar, possivelmente, altos índices de judicialização, o que tornará o processo de licenciamento ambiental mais moroso e oneroso para a sociedade e para o Estado brasileiro”, argumentou o MMA na nota.

Em seu discurso, a relatora da matéria no plenário, senadora Teresa Cristina (PP-MS), disse que as declarações de que a norma enfraquece o licenciamento ambiental são “narrativas ideológicas de pura má fé”.

“Hoje é um dia muito especial, vamos enfim votar o novo marco do licenciamento ambiental. (…) vamos poder licenciar com mais clareza, eficiência e justiça. (…) Não é mais possível conviver com esse ambiente caótico, nós não podemos mais travar o desenvolvimento nacional”, pontuou a parlamentar.


Tereza Cristina, da ala 'agro-bolsonarista', é a relatora da matéria Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Enxurrada de emendas
O Projeto de Lei (PL) 2159/21 recebeu várias emendas de última hora, 45 delas somente nesta quarta-feira. Uma delas foi adicionada pelo próprio presidente da Casa: cria uma modalidade de “Licença Ambiental Especial” e dá à autoridade licenciadora o poder de decidir a prioridade na avaliação de atividades ou empreendimentos considerados estratégicos.

Segundo a rede de organizações do Observatório do Clima, a emenda – incorporada ao texto final do relatório da senadora Tereza Cristina com pequenas modificações – desestrutura o processo de licenciamento ao submeter o sistema de análise a pressões e interesses políticos, inclusive com prejuízo aos empreendedores que entraram com pedido de licenciamento anterior.

“Significa que as análises ficam à mercê das vontades políticas e prejudicam aqueles que estão na fila para terem seus processos analisados. Ainda enfraquece o Sisnama (Sistema Nacional do Meio Ambiente), ao passo que o Conselho de Governo irá ditar a formulação de política nacional e diretrizes governamentais para o meio ambiente e os recursos ambientais”, publicou o Observatório.

Segundo Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), “a técnica de inserir ‘jabutis’ em projetos de lei é fato conhecido no Brasil, mas no presente caso inseriram uma manada. A resolução para os gargalos históricos do licenciamento, decorrente de falta de pessoal e de estrutura dos órgãos ambientais, foi resolvida da forma mais simples: medidas para banir regras, para simplificar e prover meios rápidos de autolicenciamento”.

Além disso, diz Bocuhy, “a proposta da Lei Geral do Licenciamento Ambiental transborda inconstitucionalidade. Mina o princípio da gestão participativa, da participação social, ao excluir do rito a obrigatoriedade de licenciamento participativo em empreendimentos impactantes que afetarão comunidades e o meio ambiente. De outro lado, a simplificação do rito de licenciamento irá desconsiderar os aspectos sinérgicos e cumulativos de empreendimentos colocalizados, sem percepção prévia dos impactos que serão gerados”.

Tramitação
A versão original da Lei Geral do Licenciamento tramita no Congresso há 21 anos. Segundo organizações da sociedade civil, o texto original não era negativo, mas, ao longo dos anos, foi sofrendo modificações que podem fragilizar o processo de licenciamento ambiental no País.

Durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a proposta avançou na Câmara, onde estava parada, tendo sido aprovada em maio de 2021 pelos deputados, sob o número PL 3729/04.

No Senado, a proposta foi analisada ao mesmo tempo, na terça-feira (20), nas comissões de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Meio Ambiente (CMA).

Os relatores das comissões, respectivamente, Tereza Cristina (PP-MS) e Confúcio Moura (MDB-RO), emitiram um texto comum para a proposta. A costura entre os relatores e a pressão da bancada ruralista agilizou o envio ao Plenário, com apreciação em regime de urgência.

Impactos
O texto aprovado hoje no Senado traz mudanças significativas nas regras atuais do licenciamento que, na prática, enfraquecem a proteção a indígenas, quilombolas e unidades de conservação, criam amplas possibilidades de procedimentos autodeclaratórios, de dispensa de licenciamento e de renovações automáticas, minimizam condicionantes ambientais e abrem possibilidade para que estados e municípios possam definir, sem coordenação nacional, as atividades que devem – e, principalmente, que não devem – passar por licenciamento ambiental.

Análise realizada pelo Instituto Socioambiental conclui que a aprovação da norma “resultará no aumento do desmatamento e degradação ambiental nas áreas protegidas em níveis que impedirão o Brasil de cumprir suas metas assumidas em acordos internacionais relacionados ao combate ao desmatamento e proteção da biodiversidade”.

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