JUSTIÇA

Advogado de golpista usa tempo de defesa para atacar ministros: 'São as pessoas mais odiadas do país'

Relator Alexandre de Moraes não se intimidou com os ataques e propôs 17 anos de prisão ao réu Aécio Lúcio Costa Pereira

Por Gabriel Mansur
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Publicado em 13/09/2023 às 16:53

Alterado em 13/09/2023 às 18:17

Advogado Sebastião Coelho da Silva Foto: Reprodução

O desembargador aposentado e agora advogado Sebastião Coelho da Silva, que defende o bolsonarista Aécio Lúcio Costa Pereira no julgamento sobre os atos golpistas do 8 de Janeiro, realizado nesta quarta-feira (13), no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), usou o tempo de defesa para atacar os ministros da Suprema Corte, especialmente Alexandre de Moraes, a quem pediu para se declarar impedido de julgar.

De acordo com Coelho da Silva, seu cliente não poderia ser julgado pelo STF por uma questão de foro. Ele afirmou que a Corte promove inquéritos secretos. E disparou: "Vocês são as pessoas mais odiadas do país".

"Eu quero dizer, com muita tristeza, mas eu tenho que dizer a Vossas Excelências, nessas bancadas aqui, desses dois lados, senhores ministros, estão as pessoas mais odiadas desse país, infelizmente. Essa é uma realidade que Vossas Excelências têm de saber e eu estou aqui dizendo a vocês”, disparou.

O magistrado, que é ex-desembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), negou que a declaração seria uma afronta e disse que “alguém” tinha que dizer aquilo para os magistrados.

"Não vim no velório de Sepúlveda Pertence [ex-presidente do STF], uma pessoa que eu amava muito, para não dizer que eu estava afrontando essa Corte, mas Vossas Excelências têm que ter a consciência que Vossas Excelências são pessoas odiadas nesse país. Essa é uma realidade que temos que saber e alguém tem que dizer isso diretamente", finalizou.

Durante a sustentação oral, o defensor também utilizou o tempo de declarações para prestar solidariedade aos agentes da Polícia Militar presos por omissão e colaboração com os golpistas no 8 de Janeiro. Segundo Sebastião, a corporação é vítima de "um processo de perseguição política e que o Judiciário, na figura do STF, pratica 'tortura' ao suspender o pagamento dos salários dos policiais presos".

“Tirar o salário de um homem sem que haja condenação é tortura”, disse o ex-desembargador.

Ainda no julgamento, o advogado usou parte do tempo para fazer uma espécie de defesa própria. Ele é investigado, neste momento, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), justamente por suspeitas de participação no golpismo. Mais cedo, a entidade confirmou ter aberto uma reclamação disciplinar contra Coelho e Silva para apurar supostas incitações ao terrorismo. Veja o vídeo completo abaixo:

A reclamação se baseou em comentários feitos pelo desembargador enquanto atuava no TRE-DF e após se aposentar, em agosto do ano passado, após 30 anos de magistratura. Nessas ocasiões, ele afirmou ter participado de eventos no acampamento golpista em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, onde fez críticas a Moraes.

No âmbito da apuração, o corregedor Luis Felipe Salomão autorizou a quebra de sigilo bancário do ex-desembargador para verificar se houve qualquer doação monetária para a organização dos atos de 8 de Janeiro.

Diante dos ministros do STF, o advogado criticou abertamente a decisão de Salomão contra ele e classificou a ordem como uma perseguição. “Não me intimido com absolutamente nada”, vociferou em seguida Coelho da Silva.

Alexandre de Moraes não respondeu diretamente ao advogado, mas, visivelmente irritado, disparou:

"Às vezes o terraplanismo e o negacionismo obscuro de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque. As pessoas vieram, pegaram tickets, entraram na fila - assim como fazem no Hopi Hari ou na Disney - e agora nós vamos quebrar alguma coisa aqui, agora vamos invadir o Congresso, o Palácio do Planalto, vamos orar na cadeira do presidente do Senado" rebateu.

Aécio Pereira, o cliente do ex-desembargador, gravou um vídeo ao lado da cadeira do presidente do Senado vestindo uma camiseta com os dizeres "intervenção militar federal". O acusado, preso ali mesmo, é apontado como um dos “executores” da tentativa de golpe de Estado. Moraes ainda lembrou que a Ordem dos Advogados tem compromisso com a democracia, uma indireta ao advogado bolsonarista.

Rixa antiga

Essa não é a primeira vez que o ex-desembargador faz críticas aos magistrados. Em 20 de agosto do ano passado, ao comunicar a renúncia dos cargos de corregedor e vice-presidente do TRE-DF, Sebastião atacou o discurso de posse do ministro Alexandre de Moraes na presidência do TSE.

"Esperava, sinceramente, que o eminente ministro aproveitasse a presença dos principais candidatos, dos ex-presidentes da República e do presidente da República para fazer uma conclamação de paz para a nação. Mas ao contrário, o que eu vi, ao meu sentir, o eminente ministro Alexandre de Moraes fez uma declaração de guerra ao país", afirmou.

O ex-desembargador teve papel destacado na audiência pública promovida por bolsonaristas no Congresso no dia 30 de novembro de 2022, quando Lula já estava eleito. O encontro foi um verdadeiro chamamento ao golpe. Na visita aos acampamentos golpistas, ele também acusou Moraes de ser criminoso.

“Os crimes praticados por Alexandre de Moraes estão sendo cometidos com as suas decisões. No momento que as decisões dele estão em vigor, o crime está acontecendo. Portanto ele está em estado de flagrante delito”, vociferou.

Voto por condenação

Desavenças à parte, Alexandre de Moraes se manteve irredutível quanto à rigidez da pena. O relator do inquérito votou pela condenação de Aécio Lúcio Costa Pereira, primeiro dos quatro réus, a 17 anos de prisão, sendo 15 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção (regime aberto).

Moraes votou pela condenação nos crimes de abolição do Estado Democrático de Direito, dano qualificado, golpe de Estado, deterioração do patrimônio tombado e associação criminosa.

No início do voto, o ministro reforçou a gravidade dos ataques, que culminaram na invasão das sedes dos três poderes, em Brasília. Segundo Moraes, o "negacionismo obscuro" faz com que envolvidos e advogados tentem minimizar os atos golpistas. Moraes afirmou ainda que não há liberdade de expressão que permita atentar contra a democracia.

"Não existe aqui liberdade de manifestação para atentar contra a democracia para pedir ato institucional número 5, para pedir a volta da tortura, para pedir a morte dos inimigos políticos, os comunistas, para pedir intervenção militar. Isso é crime", pontuou o ministro.

O ministro também defendeu a competência do Supremo para julgar a ação e disse que o plenário já tem 1.345 acórdãos reconhecendo a competência da Corte para o processamento e julgamento desta questão.

Após um recesso entre 12h30 e 14h30, o ministro passou a analisar o mérito das acusações. Moraes mostrou que os crimes de 8 de janeiro são multitudinários, também conhecidos como crime de multidão. Ou seja, são cometidos por um grupo em que cada pessoa vai influenciando a outra. Neste contexto, segundo o ministro, não é preciso descrever cada conduta individual.

"O que torna o crime coletivo, o crime multitudinário, é o fato de, em virtude do número de pessoas, você não tem necessidade de descrever que o sujeito A quebrou a cadeira do ministro Alexandre, o sujeito B quebrou a cadeira do ministro Fachin, o sujeito C quebrou o armário do ministro Cristiano Zanin. Não. A turba criminosa destruiu o patrimônio do Supremo Tribunal Federal", disse.

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