JUSTIÇA

Lava Jato: Dallagnol negociou com os EUA o rateio do dinheiro cobrado da Petrobras

Acordo teria sido negociado em conversas entre procuradores brasileiros e suíços no aplicativo de mensagens Telegram

Por Gabriel Mansur
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Publicado em 21/07/2023 às 16:50

Alterado em 22/07/2023 às 13:27

O ex-procurador Deltan Dallagnol teve o mandato cassado na Câmara dos Deputados, e hoje vive no ostracismo Lula Marques/ Agência Brasil

O ex-procurador de Justiça e ex-deputado federal Daltan Dallagnol, cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no início de junho por 'fraudar a lei da ficha limpa', segundo entendimento do ministro Benedito Gonçalves, teria negociado com autoridades dos Estados Unidos, na surdina, um acordo para dividir o montante que seria cobrado da Petrobras em multas e penalidades, por conta de corrupção, no âmbito da Operação Lava Jato.

O acordo teria sido negociado em conversas entre procuradores brasileiros e suíços no aplicativo de mensagens Telegram, em 2016. O conteúdo foi revelado nesta quinta-feira (20) pelos jornalistas Jamil Chade, do UOL, e Leandro Demori, da newsletter A Grande Guerra.

As conversas que demonstram a negociação foram encontradas pela Polícia Federal (PF) no âmbito da Operação Spoofing, que investigou o hackeamento de aplicativos de mensagens de procuradores e do ex-juiz Sergio Moro. Segundo a reportagem, as tratativas não tiveram a participação da Controladoria-Geral da União (CGU), que é responsável por acompanhar esse tipo de situação. Dallagnol se pronunciou nesta sexta afirmando se tratar de "uma nova matéria mentirosa, deturpada, medíocre e preguiçosa".

O contexto

A negociação ocorreu entre procuradores brasileiros e suíços, uma vez que as autoridades de Berna, capital da Suíça, estavam investigando as contas utilizadas para destinar o dinheiro proveniente de corrupção. Também foram incluídas nas conversas as autoridades dos Estados Unidos, já que a Justiça americana estava investigando os casos.

Em 29 de janeiro de 2016, sempre de acordo com a apuração dos jornalistas investigativos, Dallagnol disse às autoridades suíças que a Petrobras chegaria a um acordo com o sistema judicial estadunidense para pagar uma multa de 853,2 milhões de dólares a fim de evitar um processo. Um ano antes, Dallagnol recebeu em Curitiba pelo menos 17 agentes americanos sem o conhecimento do Ministério da Justiça, que deveria ter sido informado.

"Meus amigos suíços, acabamos de ter uma reunião introdutória de dois dias com a SEC (Comissão de Valores Mobiliários) dos EUA. Tudo é confidencial, mas eu disse expressamente a eles que estamos muito próximos da Suíça e eles nos autorizaram a compartilhar as discussões da reunião com vocês”, escreveu Dallagnol em um trecho revelado.

Em seguida, o então procurador detalha o que foi tratado na reunião:

“Proteção às testemunhas de cooperação: eles protegerão nossos cooperadores contra penalidades civis ou restituições; Penalidades relativas à Petrobras. O pano de fundo: O DOJ e a SEC aplicarão uma penalidade enorme à Petrobras, e a Petrobras cooperou totalmente com eles. Eles não precisariam de nossa cooperação, mas isso pode facilitar as coisas e, se cooperarmos, entendemos que não causaremos nenhum dano e poderemos trazer algum benefício para a sociedade brasileira, que foi a parte mais prejudicada (e não os investidores dos EUA). Como estávamos preocupados com uma penalidade enorme para a Petrobras, muito maior do que tudo o que recuperamos no Brasil, e preocupados com o fato de que isso poderia prejudicar a imagem de nossa investigação e a saúde financeira da Petrobras, pensamos em uma solução possível, mesmo que não seja simples", completou.

O “DOJ”, ao qual Dallagnol se refere na mensagem, é o Departamento de Justiça dos Estados Unidos.

Em 2018, a Petrobras fechou um acordo nos Estados Unidos, fazendo com que a companhia pagasse uma multa de 853,2 milhões de dólares para não ser processada. Do total, 80% foi destinado ao Brasil.

Durante as conversas e os encontros, os procuradores da Operação Lava Jato sugeriram às autoridades dos EUA mecanismos para contornar uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que proibiu a Justiça americana de ouvir delatores envolvidos em processos da Petrobras. Foi a partir dessas conversas que os Estados Unidos conseguiram ouvir Nestor Cerveró e Alberto Youssef, ainda que no Brasil.

Dallagnol chegou a ser alertado em 2016 sobre as conversas e visitas pelo procurador Vladimir Aras, que estava à frente da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República (PGR). Deltan respondeu que não seria “conveniente” passar os acordos pelo Executivo.

“A questão não é de conveniência. É de legalidade, Deltan. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ a intermediação. Estamos negociando com o Senado um caminho específico para os casos do MPF. Por ora, precisamos observar as regras vigentes”, respondeu Vladimir Aras.