DIREITOS HUMANOS

Palco de mais uma violência racial, Carrefour coleciona atrocidades contra pretos; relembre casos

Na última sexta, casal negro foi torturado em empresa da rede em Salvador por supostamente ter furtado dois sacos de leite em pó; empresa diz que 'metade dos funcionários' é de negros

Por GABRIEL MANSUR
[email protected]

Publicado em 08/05/2023 às 06:00

Alterado em 08/05/2023 às 22:07

Casal negro foi agredido em filial do Carrefour Reprodução

Sexta-feira, dia 5 de maio: um casal de negros é torturado dentro de uma filial do Bom Preço, empresa do Grupo Carrefour, em Salvador, na Bahia, após supostamente ter sido flagrado enquanto furtava dois sacos de leite em pó - que, segundo o casal, alimentaria a filha que ambos têm juntos. Não se pode afirmar que foram os seguranças do Carrefour que cometeram o crime.

Sábado, 8 de abril: a professora Isabel Oliveira, também negra, ficou só de roupas íntimas na Rede Atacadão - que pertence ao grupo Carrefour - , em Curitiba, como protesto por ter sido seguida por seguranças dentro da loja.

Não é a primeira vez que a empresa está envolvida em acusações de racismo - basta lembrar que no dia 19 de novembro de 2020, véspera do feriado da Consciência Negra, um homem preto foi espancado até a morte num Carrefour de Porto Alegre.

Há exato um mês, em 7 de abril, veio à tona outra denúncia contra a rede. Vinicius de Paula, marido da bicampeã olímpica de vôlei Fabiana Claudino, afirmou que não foi atendido em um caixa preferencial de uma das unidades de São Paulo, mas viu uma mulher branca receber o atendimento em seguida.

Os casos se repetem com frequência. Por isso, o episódio mais recente de violência racial provocou revolta e uma enxurrada de críticas nas redes sociais. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) postou em seu Twitter: "O Carrefour está sempre envolvido em casos de racismo. E a narrativa é sempre a mesma. Desculpas não são suficientes para acabar com esse ciclo de violência, de tortura e morte", escreveu.

O próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já havia se posicionado sobre o assunto. No mês passado, após os casos de Isabel e Vinicius ganharem notoriedade nacional, Lula alegou que "o Carrefour cometeu mais um crime de racismo (citou exclusivamente o caso da professora)" e completou: "Não iremos permitir que eles ajam assim (com racismo) no país".

 

 

Um mês após a cobrança pública do petista, a rede voltou a aparecer nos noticiários pelo mesmo motivo de sempre. Agora, o porta-voz da empresa informou que busca contato com as vítimas das torturas para pedir desculpas pessoalmente, "além de oferecer suporte psicológico, de saúde ou qualquer outro apoio que seja necessário", disse.

O outro lado

Em nota, repetindo a postura adotada no assassinato de 2020, a empresa assumiu a responsabilidade, mas alegou que não se pode afirmar que foram os seguranças do Carrefour que cometeram o crime.

O grupo afirma que, "em um vídeo que mostra o fato, é possível identificar que o agressor tem uma tatuagem na mão. E esclarece que nenhum funcionário direto ou indireto que atua na unidade tem esse atributo. Ainda assim, a empresa garantiu que a equipe de segurança foi demitida e que um boletim de ocorrência foi registrado na Polícia para apuração dos fatos.

"Tomamos conhecimento de um fato inadmissível ocorrido em uma das nossas lojas em Salvador, na Bahia. Duas pessoas foram covardemente agredidas na área externa da loja, e esse fato nos causou profunda indignação. É inaceitável que um crime como esse tenha ocorrido na área externa da nossa loja. Por isso, assumimos a responsabilidade de desligar a liderança e equipe de prevenção, além de rescindir o contrato com a empresa responsável pela segurança na área externa onde a violência ocorreu", comunicou o diretor de prevenção do Carrefour, Claudionor Alves, ao continuar:

"Não podemos aceitar que um crime como esse tenha ocorrido em nossas dependências. Por isso, ontem mesmo desligamos a liderança e equipe de prevenção da loja. Reforçando nossa tolerância zero com a violência, inclusive nos cargos de gestão", completou.

'Metade dos funcionários é negra'

Em outro pronunciamento em canais de televisão na noite deste domingo, o Carrefour destacou que "metade dos seus funcionários" é de negros. Acrescentou que seu compromisso "vai além do discurso" e citou que nos últimos dois anos implementou mais de 50 ações antirracistas, e tem o "maior projeto de bolsas de graduação, mestrado e doutorado para pessoas negras".

"Metade dos nossos 150 mil colaboradores é negra. 40% da liderança são pessoas negras. E queremos mais. Criamos o Poder, um programa de crescimento inédito interno aberto a todos os colaboradores negros. A luta antirracista não começou ontem e não termina amanhã. Faremos uma grande mobilização de combate ao racismo. Com toda a sociedade. Queremos um Brasil antirracistas e precisamos do Brasil com a gente."

Na Justiça

Em 2020, seguranças de um supermercado da rede em Porto Alegre espancaram até a morte um homem negro que fazia compras com a esposa. João Alberto Silveira de Freitas, conhecido como Beto Freitas, foi agredido com chutes e socos e sufocado por mais de cinco minutos. A agressão foi registrada em vídeo.

O caso ganhou repercussão nacional e foi marcado por protestos em várias cidades do país. A Justiça do Rio Grande do Sul decidiu que os seis acusados do crime irão a júri popular.

Em 2021, mediante a um acordo com o Poder Judiciário gaúcho, o Carrefour fechou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o compromisso de investir R$ 115 milhões em ações de combate ao racismo, evitando eventuais demandas judiciais pelo caso.

Como parte do acordo, se comprometeu a estabelecer um plano antirracista e reforçar seus canais de denúncias - a efetividade do canal será verificada anualmente por auditores independentes.

A empresa se comprometeu ainda a implementar política prevendo que empregados próprios terão perfil e treinamento com ênfase no acolhimento de clientes e valorização de direitos humanos, além de fomentar e priorizar a representatividade da população brasileira em gênero e raça em suas contratações.

Em outra ação, terá que destinar R$ 68 milhões para o pagamento de mais de 800 bolsas de estudo e permanência para pessoas negras em instituições de ensino superior de todo o Brasil.

A despeito das medidas, implementadas somente após o assassinato de Beto Freitas, o Carrefour repetiu o padrão de abordagem racista ao menos três vezes nos últimos 30 dias.

Deixe seu comentário