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Milícia cresce no Rio com apoio de políticos como Bolsonaro e ex-ministra de Lula

Apontados como chefes de facções milicianas fizeram parte de governos e partidos políticos

Por JORNAL DO BRASIL com Folhapress
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Publicado em 10/11/2023 às 05:30

Alterado em 10/11/2023 às 05:30

O miliciano Adriano da Nóbrega, que foi morto na Bahia, com a mulher; mãe dele tinha cargo no gabinete do então deputado estadual Flavio Bolsonaro, no Rio de janeiro Foto: reprodução da internet

Camila Zarur - Pivô da mais recente crise de segurança no Rio de Janeiro, a milícia se expandiu com apoio de boa parte da classe política fluminense —seja explícito ou velado.

Milicianos, que dominam uma parcela relevante da região metropolitana do estado, foram elogiados e defendidos desde sua consolidação, no início dos anos 2000, por políticos de diversas vertentes. Eram apontados como solução ao tráfico de drogas, ou, ao menos, um mal menor.

Em contrapartida, a milícia garantia a lideranças políticas apoio eleitoral nas áreas dominadas.

O exemplo mais famoso é o do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que defendia os grupos paramilitares e manteve falas elogiosas até recentemente, inclusive na campanha que o levou à Presidência, em 2018.

O tema também atingiu neste ano o governo Lula (PT), após a Folha mostrar que o grupo político da então ministra do Turismo, a deputada federal Daniela Carneiro (União Brasil-RJ), mantinha vínculos com milicianos.

Os comentários elogiosos aos paramilitares eram comuns até entre os principais nomes de centro do Rio, como o prefeito Eduardo Paes (PSD) e o vereador Cesar Maia (PSDB), que governou três vezes a capital.

Quando concorreu pela primeira vez ao governo estadual, em 2006, Paes afirmou que a "polícia mineira", como os milicianos eram chamados, trazia "tranquilidade". A atuação da milícia, disse ele, era uma forma de recuperar a segurança.

"Jacarepaguá é um bairro em que a tal da polícia mineira, formada por policiais e bombeiros, trouxe tranquilidade para a população. O Morro São José Operário era um dos mais violentos desse estado e agora é um dos mais tranquilos", disse Paes à TV Globo na época.

Hoje, Paes já reavaliou sua declaração e disse que os termos usados foram equivocados.

Também em 2006, Cesar Maia, então prefeito do Rio, chamava as milícias de ADCs, autodefesas comunitárias. Ele adotava um discurso, defendido também por outros políticos, de que esses grupos criminosos eram um mal menor.

"Essas milícias são mais percebidas pela população e pelo próprio poder público como muito melhores do que o tráfico de drogas", disse Maia ao Globo em dezembro daquele ano.

O ex-prefeito abrigou em seu governo suspeitos citados na CPI das Milícias, na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), em 2008.

Um deles era o comerciante Josinaldo Francisco da Cruz, conhecido como Nadinho de Rio das Pedras. No início do segundo mandato do ex-prefeito, Maia o nomeou como administrador regional do bairro.

Rio das Pedras é o berço da milícia carioca, e Nadinho era um líder comunitário envolvido com o poder paralelo na região. Ele se elegeu vereador em 2008, mas foi morto a tiros no ano seguinte.

Nos depoimentos que deu à CPI das Milícias, o vereador afirmou que foi cabo eleitoral do filho de Maia, o então deputado federal Rodrigo Maia —que, anos mais tarde, se tornaria presidente da Câmara.

Outro investigado na CPI que participou do governo do ex-prefeito foi o policial Epaminondas de Queiroz Medeiros Júnior, conhecido como Capitão Queiroz. O PM trabalhou na Coordenadoria Militar da prefeitura do Rio no primeiro mandato do ex-prefeito e no de seu sucessor, Luiz Paulo Conde.

Segundo a comissão, Queiroz assumiu a milícia de Rio das Pedras depois de Nadinho. Ele foi preso em 2020, numa operação do Ministério Público que mirou líderes do bando.

Procurado, Cesar Maia afirmou que "o futuro mostrou que seus comentários da época estavam equivocados". Já Rodrigo disse que nunca teve relação alguma com a milícia em seus seis mandatos como parlamentar.

MILÍCIA NA ESQUERDA
Mesmo dentro da esquerda do Rio, que se consolidou como polo de reação à milícia, houve presença de paramilitares nos anos 2000. Na época, o PT tinha entre seus principais quadros o vereador Jorge Babu.

Policial civil, Babu tinha grande influência na zona oeste do Rio e se elegeu vereador em 2000 e em 2004. Em 2006, chegou a deputado estadual.

Dois anos depois, porém, foi citado na CPI das Milícias como chefe do grupo que atuava em Pedra de Guaratiba, na zona oeste. Ele foi denunciado pelo Ministério Público por formação de quadrilha e condenado em 2010 —o que fez com que o PT o expulsasse do partido.

A sigla, porém, não teve a mesma atitude com o irmão de Babu, Elton, também citado na CPI, apesar de material de campanha dele ter sido encontrado, durante uma operação policial, em imóveis ligados à facção.

Na época, investigadores afirmaram que o candidato tinha o apoio dos milicianos. Mas a sigla decidiu não expulsá-lo, e Elton foi eleito naquele ano e reeleito na eleição seguinte, em 2012. Ele continuou na Câmara Municipal até 2016 filiado ao PT.

AS RAZÕES DA ALIANÇA
Segundo o sociólogo Ignácio Cano, o controle territorial é um dos principais fatores que ligam política e milícia. Isso porque os paramilitares conseguem criar um monopólio eleitoral dentro das áreas que dominam.

Nessas regiões, só quem pode fazer campanha são os candidatos apoiados por milicianos. E essas áreas ficam, em geral, na zona oeste do Rio, onde há a maior concentração de eleitores.

"Esse é um componente muito forte que surge em meados dos anos 2000. Vários políticos se elegeram com uma votação massiva nas áreas de milícia", diz Cano. "O Rio cometeu o erro de abrir espaço para as milícias e nunca conseguiu reverter esse controle territorial."

O pensamento de que a milícia era um mal menor em comparação ao tráfico, como defendido pelos políticos, também encontrava eco na sociedade.

Milicianos diziam oferecer segurança para evitar que a comunidade fosse invadida por alguma facção. Além disso, coibiam o uso de drogas na vizinhança.

"Políticos, líderes comunitários e mídia que acreditaram que as milícias eram autodefesas diziam que eram movimentos populares e legítimos e que deveriam ser tolerados", afirma a cientista social Silvia Ramos.

Esse pensamento só mudou após jornalistas serem torturados por milicianos da favela do Batan, em maio de 2008. O caso chocou a sociedade e sua repercussão deu força para a abertura da CPI das Milícias.

"Foi um evento determinante. Com as investigações que se deram depois, esses grupos passaram a atuar de forma mais sigilosa. Seus líderes deixaram de ser pessoas públicas, como eram no passado. O apoio agora é mais velado", diz.

Ramos afirma que, em pouco tempo, se evidenciou a conduta criminosa das milícias.

"Era uma distorção total da hierarquia dentro de batalhões e delegacias, atividades intensa de corrupção, extorsão para cobrança de taxas de segurança e mortes. Uma dominação e demonstração de poderes maiores que os do tráfico."

'ERRO POLÍTICO'
No mês passado, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), afirmou que um dos maiores erros políticos no Rio foi o apoio à milícia pela classe política.

"As milícias foram incentivadas por políticos e protegidas por políticos", disse Dino, após uma ação em represália à morte de um miliciano parar a cidade.

O ministro, porém, já minimizou o elo de integrantes do governo federal com milicianos, quando foi revelado que Daniela Carneiro tinha vínculos com o ex-policial militar Juracy Alves Prudêncio, o Jura, preso por chefiar uma milícia na Baixada Fluminense.

Na época, Dino disse que as fotos em que apareciam Daniela, seu marido, o prefeito de Belford Roxo, Waguinho, e Jura não significavam muita coisa. A então ministra se defendeu afirmando que apoio de campanha não significa compactuar com crimes.

Em julho, ela deixou o ministério, mas sua saída se deu muito mais por pressão do centrão, interessado em mais espaço na Esplanada, do que por um eventual desconforto do governo pelas ligações da deputada federal.

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