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Angra 3: uma usina obsoleta e insegura

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A usina nuclear de Angra 3, atualmente com obras paralisadas em função de evidências de corrupção, não inclui em seu projeto a prevenção e combate às consequências de acidentes severos de fusão do núcleo – a exemplo do ocorrido em Three Mile Island (1979), Chernobyl (1986) e Fukushima (2011). Angra 3, usina de projeto da década de 1970, sendo vulnerável a acidentes severos, torna também vulneráveis à contaminação, por material radioativo, o meio ambiente, os trabalhadores da usina e a população no entorno.

É importante lembrar que as preocupações de atualização do projeto de segurança nuclear de Angra 3 precederam a constatação de corrupção através da publicação no JB, em 2010, dos artigos “O anacronismo de Angra 3” e “Angra 3 realmente é um projeto obsoleto”. Os responsáveis pelas ilicitudes foram punidos, mas a Justiça não incluiu dentre suas medidas a revisão do projeto de segurança da usina. Após a Lava Jato, artigos de vários autores foram publicados sobre a falta de segurança de Angra 3, incluindo palestras proferidas no “Seminário Internacional de Usinas Nucleares” do Senado, de 2015, e na Audiência Pública da Comissão de Ciência e Tecnologia do Senado, de 2016, mas passaram despercebidos pelo MPF e pela Justiça.

Recentemente foi publicado o artigo “Eletronuclear divulga estudo sobre melhorias de segurança feitas em Angra 3”, com o objetivo de “refutar as opiniões infundadas recorrentes à segurança do empreendimento”. Certamente a Eletronuclear se refere às opiniões expressas nos artigos e palestras relacionados acima. No entanto, não conseguiu atingir seu objetivo, apesar das 45 páginas do relatório referenciado e disponível na internet. Em nenhum momento, o artigo e o relatório apontam a base adotada por Angra 3 para prevenir e combater as consequências dos acidentes severos de fusão do núcleo e impedir a liberação de material radioativo para o meio ambiente. Sem incluir os acidentes severos em seu projeto, Angra 3 continua sendo uma usina insegura. 

Ao abordar as normas atualizadas, o relatório da Eletronuclear indica normas específicas de engenharia civil e outras engenharias para projetar equipamentos e estruturas, sem se referir a normas de segurança nuclear que afetam o projeto da usina como um todo. As normas utilizadas para segurança de Angra 3 requerem defesa em profundidade, falha simples de sistemas e componentes, redundâncias e diversidade. 

No entanto, para caracterizar normas atualizadas de segurança nuclear, necessariamente deveriam ser incluídas as falhas múltiplas, os acidentes severos com suas consequências e fenômenos associados, tais como: fusão do núcleo com rompimento do vaso do reator e criação do corium (tipo de lava de urânio e outros metais), degradação do piso do edifício do reator com contaminação do solo, explosão de hidrogênio, explosão térmica, pressão e temperatura altas. 

Em consequência, o edifício da contenção do reator deve ser projetado para suportar os esforços decorrentes desses desafios adicionais e se manter íntegro para evitar a liberação de material radioativo. Como Angra 3 não inclui em seu projeto esses desafios, a contenção do reator é vulnerável a acidentes severos e, portanto, Angra 3 é uma usina insegura.

O relatório da Eletronuclear cita que a usina contempla normas alemãs de 2008, mais modernas. No entanto é necessário que se observe que o relatório do IRRS da Agência Internacional de Energia Atômica, de setembro de 2008, preparado a pedido do governo alemão, conclui que os critérios de segurança alemães não foram atualizados, são do início da década de 80 e não refletem o estado da arte da ciência e tecnologia. Isso é, não incluem as normas que tratam de acidentes severos. 

Como a Alemanha não teve nenhuma usina com construção iniciada após 1982, então todas as suas usinas são de projeto da década de 1970, não servindo de exemplo de segurança para qualquer país do mundo. Inclusive, a usina de referência de Angra 2, Grafenrheinfeld, foi desligada definitivamente e nunca voltará a funcionar, o que não aconteceria se Grafenrheinfeld fosse uma usina supersegura. Em termos de segurança, Angra 2, Angra 3 e Grafenrheinfeld nada diferem de forma importante. São usinas da década de 1970.

O EPR (Evolutionary Power Reactor) é um reator nuclear de concepção similar à de Angra 3. A diferença se resume em que o EPR inclui estruturas, sistemas e componentes de segurança específicos para combater os efeitos de acidentes severos de fusão do núcleo. O EPR é um projeto atualizado em termos de segurança nuclear. O mais interessante é que o EPR e Angra 3 têm em comum a projetista Areva, que fornece para o resto do mundo o EPR, uma usina segura com relação aos acidentes severos e, para o Brasil, é a projetista de algo antigo, da década de 1970, de projeto de segurança ultrapassado e inseguro. Como o governo brasileiro explicaria isso?

Se na primeira década dos anos 2000, a área nuclear fosse dirigida por nacionalistas, o Brasil, tendo em suas mãos os projetos de Angra 1 e Angra 2, dispensaria a projetista Areva e contrataria a engenharia nacional para projetar Angra 3 com base nas normas mais modernas de segurança nuclear. Perdeu-se um momento na engenharia nacional por esse lapso ou falta de coragem em assumir um projeto desta envergadura, que nos alçaria ao topo da engenharia mundial. Foi uma pena que gente sem ambição nacional e sem acreditar na nossa engenharia tivesse ocupado os cargos de decisão da área nuclear.

* Engenheiro de segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear