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Cultura e cidadania

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A construção das identidades culturais já foi definida pelas políticas oficiais do Estado, depois passou a sofrer influências das mídias, dos mercados, das imagens publicitárias. Hoje, são identidades em trânsito, interconectadas às redes sociais. 

Foi a partir da Constituição de 1988 que, no Brasil, passou-se a falar em “direitos culturais”. Antes não havia referência a esta expressão. Hoje a cidadania cultural é um direito consagrado, embora, na prática, o seja com muitos percalços. Por aqui sempre houve essa contradição entre o que está no papel, ditado pelas leis, e a realidade, com grandes desvantagens para esta última.

A cultura possui aspectos materiais – como os objetos ou símbolos – e imateriais, como as ideias, as expressões artísticas, a religiosidade. Os conceitos de cultura e cidadania, entre nós, devem expressar as múltiplas formas de produzir cultura e exercer a cidadania.

As culturas têm valores que geram certos tipos de comportamentos. Já a convivência social tem normas que envolvem direitos e deveres. A cultura oferta a liberdade, a cidadania pede organização.

Quando delinquentes arrancam os óculos da estátua de Drummond, na praia de Copacabana, fazemos de conta que é algo sem importância, diante de tanta violência na cidade. Mas o exemplo liga os dois conceitos, embora de forma enviesada.

Os direitos culturais fazem parte dos direitos humanos, que são universais. A Constituição, no seu Art. 215, diz: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

Na prática, sabemos que o percentual dedicado à cultura é baixo, mas nem por isso o Brasil é um país culturalmente pobre, ao contrário, a pobreza se espalha por outros setores da vida do brasileiro. Lá onde a dura realidade apresenta a sua conta – no contexto social.

O Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil em 2017 foi de 0,75, sendo que, quanto mais perto de 1, mais desenvolvido é o país. O IDH é um índice medido anualmente pela ONU e utiliza indicadores de saúde, educação e renda da população. Na América do Sul ficamos abaixo do Chile, da Argentina e do Uruguai. Acrescente-se que o Brasil é a oitava economia mundial, e as nossas contradições se elevam sobremaneira.

Estes são alguns dados complicadores do nosso sentido de cidadania. Eles se referem a três fatores – saúde, conhecimento e padrão de vida – que são determinantes. O analfabetismo entre brasileiros com 15 anos ou mais foi estimado em 8% e atinge cerca de 13 milhões de pessoas.

Quando a dura realidade bate à porta, o que salva o brasileiro da catástrofe – especialmente os que pertencem às classes desfavorecidas – é o que há de simbólico, o que compõe o sentido lúdico da vida. Dizer que o Brasil é o país do carnaval e do futebol é um lugar-comum, mas faz todo sentido.

A cultura alimenta a sua alma, dá forma a sua identidade. Hoje muito mais uma identidade em movimento do que, como já se pensou, uma identidade imutável. São as múltiplas formas de ser que se organizam, como condição de sobrevivência, em um mundo globalizado. Por que no campo da cultura deveria ser diferente? É verdade que devemos estar atentos às nossas manifestações culturais; elas não apenas traduzem o que somos, antes produzem a nossa identidade.  

O antropólogo mexicano Néstor García Canclini fez uma análise das “identidades multiculturais” em grandes centros urbanos, onde associa os conceitos de cidadania e consumo. Para o autor, o mercado é uma instância formadora de identidades. De resto, a publicidade influencia diretamente os modos de ser, através das imagens de sedução, e quando estimula a aquisição de certos produtos, em detrimento de outros.

Em meio às contradições, vivemos numa sociedade capitalista, e os brasileiros, mesmo os mais pobres, têm potencial de consumo; aliás, o consumo tem sido usado pelos últimos governos como uma alavanca da nossa economia.