As eleições de 7 de outubro estão a tomar o rumo das vacas em busca do brejo. Começou a ciranda do troca-troca dos candidatos em função de associações e legendas, tudo de olho no tempo de televisão. Ergue-se o picadeiro habitual e os vendedores de açúcar caramelado assinam bons contratos de marketing. Candidatos consultam os terapeutas da boa imagem, limam as unhas, aparam os bigodes, engraxam as bochechas, plastificam o sorriso, empinam os topetes, como galos na entrada da rinha. Só que...
Só que ninguém, por masoquista que seja, aguenta mais. O ritual das eleições no Brasil envelheceu como o desfile dos corsos nos carnavais de antanho. Do jeito que vai, ouviremos as promessas de sempre e os compromissos velados da mentira, ou engastados em possíveis e esperáveis corrupções. Sobram ainda os deuses da economia, nova raça de duendes a se espalhar pelo Brasil como a saúva, podendo, finalmente, fazer o que as saúvas não conseguiram: acabar com o Brasil. O economista-saúva, mais letal que a abelha africana, tem a peculiaridade dos iniciados nos mistérios do incognoscível. Dirigem a seus interlocutores olhares de enfado, embalados em majestática tolerância com os pobres não-iniciados. Respondem perguntas com a segurança de quem acaba de descobrir a última casa decimal do número Pi. Não falam, dissertam. Não se abalam com os fatos. Se o emprego está caindo, trata-se de “um ponto fora da curva”. Se a Argentina está, pela enésima vez, nas garras do FMI, é porque não fez o “dever de casa”. Os saúvas, como seres globalizados, acham ridículo o conceito de Estado. Ultrapassado o de Nação. Riem os risos das saúvas-hienas, diante da ideia de Pátria. Os saúvas, quando ouvem “interesse nacional” entendem interesse da transnacional. Os saúvas falam entre si uma língua próxima à língua do “P,” conhecida na terra de sua origem, Chicago, como o “cagoguês”, só compreensível por aqueles que fazem da porta giratória governo-bancos um gênero, sui generis, da parceria público-privada, conhecida, neste caso, como Mateus, primeiro os meus.
Os saúvas têm plena certeza de que o neoliberalismo tornará o Brasil melhor para o investimento estrangeiro, que a privatização geral e absoluta das empresas estatais, bem como a redução unilateral de nossas tarifas, nos darão maior presença no mercado internacional. Acredite, quem quiser.
Em 1980 ,nosso parque industrial era maior e mais sofisticado do que o da Coreia do Sul. Vejam, hoje, a diferença. O Brasil tem uma indústria de transformação em fase pré-falimentar. Temos, porém, um potencial de demanda interna maior do que a soma de diversos países de nosso continente e de outros tantos fora dele. O mercado interno brasileiro é infinitamente mais atraente para empresas estrangeiras, que olham para o potencial de crescimento do mercado. Só que...
Só que a política econômica em vigor aumentou o desemprego para mais de 13 milhões de brasileiros. O que reduz, obviamente, a renda e o poder de compra. Daí não adiantar fazer cafuné em transnacionais. Que, aliás, se tornam bem mais exigentes, como mostram nos acordos de comércio, que os saúvas tanto defendem. Para complicar, quase um milhão de brasileiros acaba de sair das chamadas classes A e B. Os saúvas estão ensandecidos, cantando “os escravos de Jó” e fazem zigue-zigue-za.
O JORNAL DO BRASIL, em editorial do último dia 7 de maio, sob o título “O jogo da verdade” termina com uma frase que deveríamos transformar em exigência da sociedade civil: “que neste outubro, que vem chegando, prevaleça, antes de tudo e de todos, o primado da verdade entre quem dá e quem recebe o voto”. Para que tal objetivo seja atingido não há outro caminho senão exigir dos candidatos à Presidência da República que exponham e publiquem seus programas de governo de forma detalhada. Nada de generalidades nem de conversa para boi dormir. Neste ano, quem vai ser o grande eleitor é “Sua Excelência, o programa de governo”. Só que...
* Ex-embaixador do Brasil na Itália (e-mail: [email protected])