O dia 30 de janeiro, li hoje nessa rede que não se cansa de me surpreender, é o Dia da Saudade. Fico sabendo disso justamente numa hora de luto, quando a saudade – misturada com a revolta, a raiva, o desespero – chegou para todas as famílias enlutadas nessa inominável tragédia de Santa Maria. Uma dor que paralisou o país, desacelerou o batuque dos tamborins, abafou o som dos blocos carnavalescos, encheu de lágrimas os olhos das pessoas sensíveis, de todas as mães que sofrem sempre que sabem que outra mãe está sofrendo.
Então, e porque não tenho condições emocionais de falar sobre Santa Maria e seus mártires, pego o mote do dia para assunto de crônica. Dizem que não devemos ter saudade, pensar no ontem, que o momento é hoje, o tempo é agora. Concordo. Mas a saudade pode ser doce. Com o tempo, mesmo quando lembramos dos nossos mortos.
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Tenho saudade da missa do meio-dia na São Paulo Apóstolo e do lanchinho na Colombo, depois dela, ali na Rua Barão de Ipanema. O padre também se chamava Colombo – era italiano, exagerado e metia medo nas crianças. Tenho saudade do sorvete de chocolate do Lope’s, no Posto Seis de Copa, e do sabor pistache da Spaghetilândia, que era tão perto da minha casa.
Tenho saudade dos sapatos de saltos altíssimos que mandava fazer sob encomenda no Bellini - ele mesmo, o bonitésimo capitão da seleção campeã de 1958, que aposentou as chuteiras e abriu essa loja no Centro Comercial de Copacabana. Os sapatos eram bacanérrimos e calçavam os pés mais colunáveis da época. Aliás, calçando os mesmos pezinhos e também no Centro Comercial, “Seu” Antonio era o mestre das sandálias das meninas daqueles anos dourados.
Tenho saudade de poder encomendar esses sapatos todos sem me preocupar com a conta, que a mamãe pagava.
Tenho uma saudade danada das aulas de Madame Taylor (pronunciávamos Taylór) na Aliança Francesa de Copacabana. Ela era brasileira, fumava feito uma louca, mas foi uma senhora professora. Aliás, morro de saudade da Aliança Francesa de Copacabana. Como, nessa área, morro de saudade de Madre Xavier, outra francesa da pesada, minha mestra no Santa Úrsula de saudade sempre viva – o colégio, os mestres, as colegas. Das colegas, que viraram amigas, não posso me queixar de tanta saudade: nos vemos sempre que possível e pelo menos uma vez por ano.
Tenho saudade do cheirinho dos cachos do meu filho, quando ele saía imundo e suado do rala-bunda da Escola Parque. E de cheirar o cloro que a água da piscina deixava, nos cachos amassados, na piscina do condomínio da Barra. Aliás, saudade do condomínio da Barra, quando todos os nossos filhos ainda eram pequenininhos, e estávamos todos vivos, saudáveis, jovens e felizes.
Tenho saudade da empada de camarão da vovó, das balas de ovos de tia Esther, do pavé de chocolate da tia Almerinda, dos bolos confeitados da Tia Neném. Como tenho saudade do arroz, do feijão, do rosbife e do quibêbe de abóbora da Romana, a caseira de Teresópolis. Morro de saudade do cheiro das chuvas de verão na casa de Teresópolis e até dos raios e trovoadas que apavoravam minha sempre intrépida e destemida avó. Saudade dos bailes de carnaval no Higino, das férias de verão em Terê. Saudade das dálias nos jardins e dos gerânios vermelhos nas jardineiras dos quartos. Saudades do Leonel, o jardineiro de todas aquelas cores, de todo aquele encanto.
Ainda vejo com os olhos da saudade minha mãe, na varanda da casa, tricotando casaquinhos e sapatinhos para o neto que chegaria em breve, bem ali no finalzinho do verão. Morro de saudade da minha mãe e da minha avó. Todos os dias.
Tenho saudade do Maraca em dia de Fla-Flu, quando se jogava talco na arquibancada, que podia reunir, pelo lado tricolor, claro, Gilberto Gil, Nelson Motta, Carlos Leonam, o fundador do Jovem Flu, João Luiz de Albuquerque, Hugo Carvana e até, quem sabe, Chico Buarque.
Tenho saudade dos arrasta-pés, do tobogã que nos divertiu um verão, do Castelinho, do 706 e do Number One. Da Carreta e da Plataforma original. Do Antonio’ s e do Antonino. Saudade do Helsingor, restaurante dinarmaquês, bem no final do Leblon. Saudade da varanda do Iate nas domingueiras dançantes.
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Tenho saudade de muita coisa - tantas! - que aqui não dá pra enumerar todas. Saudades de tantos que partiram de vez! O coração aperta a cada evocação, as lembranças pesam. Não luto mais contra as lágrimas que teimam em descer .
E choro, choro de verdade, por todos esses jovens de Santa Maria que não viveram o suficiente para sentir o quanto dói a dor de uma saudade.