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Literatura: Bana, a menina síria que luta pela paz

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Não importa em nada se Bana Alabed, a menina síria nascida em 2009 que tomou horror à guerra, escreveu seu livro “Querido mundo” com o auxílio da mãe, Fatemah, professora e estudante de advocacia. Em seus textos, a linguagem e a visão infantis dos seus sete a oito anos foram preservadas. Chega a lembrar, em outra situação bem diversa, o livro magistral de Helena Morley, “Minha vida de menina”, devido à sensibilidade como foi escrito. Já a mãe redige cartas para a filha, que estão em itálico e complementam a narrativa, feita através de pequenos capítulos.


É claro que o livro é sofrido, não poderia ser diferente. Mas Bana mantém a esperança em dias melhores até o fim. Pois sem esperança a renovar a coragem, como disse Anne Frank em seu diário, não há vida, porque a pessoa atingida por uma catástrofe se entrega ao desespero, à doença e à morte. Como todo o horror que vivenciavam, a família de Bana – seus pais, seus tios e seus avós – acreditavam que haveria dias melhores para a Síria, nem mesmo que fosse num futuro distante. O presente era horrível, mas nada garantia que um dia os homens adquirissem bom senso e parassem com aquela guerra civil fratricida.


A vida de Bana foi bem normal até o início dos sete anos. Tinha suas bonecas, seu livro preferido, “Branca de Neve”, gostava de se vestir de princesa, ir à piscina com o pai, brincar num balanço. Sua família era de classe média, com recursos suficientes para oferecer à garota uma vida material tranquila, com caminhos culturais abertos para um dia fazer uma faculdade e ser professora, como a mãe. Mas tudo começou a desandar quando o pai, o advogado Ghasam, foi levado pela polícia secreta do ditador Assad, a Mukhabarat, para a prisão. Ele voltaria para casa, mas o medo já havia minado a paz familiar. E, depois, a guerra, que já corria solta desde 2011, se agudiza, adquirindo tons mais sombrios, e a bela cidade histórica de Aleppo, dividida em Aleppo Oriental e Ocidental, seria palco de uma carnificina. O exército de Bashar El-Assad ataca o exército dos rebeldes sediados em Aleppo Oriental, jogando bombas sem parar sobre os civis. A vida de Bana – nome que significa árvore - e de seus familiares passa a se dividir entre o apartamento no qual moravam e o porão no qual se refugiam para se proteger das bombas.


Bana adquire um grande conhecimento a respeito das bombas a partir do som destes artefatos mortais, que, ao caírem, a faziam estremecer por dentro, já que sempre matavam pessoas, algumas delas muito próximas e queridas, como vizinhos, parentes e amigos. Eis o que ela diz no livro: “Se você nunca esteve numa guerra, poderá pensar que só existe um tipo de bomba. Mas, na verdade, há muitos tipos diferentes. Aprendi rapidamente o que todas elas são porque eu aprendo rápido. Uma maneira de saber a diferença entre as bombas é pelo barulho que fazem.”

Macaque in the trees
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“Uma emite um guincho longo e alto como um assobio e depois faz um grande bum. Uma é como o motor de um carro que está acelerando vrum, vrum, e depois faz bum. Outra faz bap, bap, bap enquanto vai descendo. Essa é a bomba cluster, que é como uma grande bomba com muitas bombas menores nela, e partes pontudas que se espalham por todos os lugares quando ela atinge o solo.”


“Outra, ainda é silenciosa, quase não faz barulho, e depois , quando vem o bum, ela ilumina o céu de amarelo. A coisa que faz o céu se acender é chamada de fósforo. Certa vez, eu acordei e fui chamar a mamãe porque já era de manhã, Mas mamãe disse que ainda estávamos no meio da noite... o sol pela janela era apenas o fósforo.”


“A bomba do cloro é a pior de todas. É preciso colocar cloro na piscina para manter a água limpa, mas no ar, o cloro arde tanto nos olhos que caem lágrimas mesmo se você não estiver chorando.”


O jeito era correr para o porão, levando o irmão Mohamad, que depois seria seguido pelo bebê Noor (luz), que demoraria a crescer e ficaria mudo devido à intranquilidade e aos horrores que o circundavam. O sofrimento e terror eram constantes com os bombardeios, que apenas davam tréguas momentâneas. E, além disso, Bana, que ficou sem escola, sem suas bonecas, sem seus divertimentos, enfrentou com sua família problemas como o ferimento deformador e a morte de amigos – elas mesma perdeu a amiga que mais amava, Yasmin – falta de água e de alimentos, cerco total do exército de Assad, ruas cheias de cadáveres, prédios em ruínas, falta de moradia, devido às bombas que caíram em sua própria casa e na casa dos avós.

O grito através de tuítes ou no Twitter


Sempre tendo sido considerada pela família uma menina muito esperta, que aprendera a ler e escrever bem cedo, Bana resolveu agir, tentando ajudar sua família, seus compatriotas e seu país a sair da crise Ele recorreu ao Twitter. Sua casa era uma das poucas que mantinha energia eólica. Ela tinha um IPAD velho, presente do pai, e a mãe, um celular. E começou a tuitar mensagens de socorro dirigidas ao mundo, pedindo o fim da guerra, apoio, solidariedade, ação. PRECISO DE PAZ, escreveu Bana em 24 de setembro de 2016. As pessoas que moravam em Alepo oriental já enfrentavam o segundo cerco em longos três meses, ficando totalmente sem acesso à comida e água e continuando a ter que ouvir as bombas a cair sem parar, correndo para os abrigos que ainda existiam. A mãe apoiou o envio de mensagens pelo Twitter informando a filha que havia mais pessoas lendo o Twitter do que participando do Facebook.


E foi assim que Bana se tornou uma lutadora por uma causa justíssima, o fim da guerra em seu país. Seus tuítes passaram a ser seguidos por milhares de pessoas. Ela começou a receber mensagens de adultos e crianças do mundo todo e continuou a escrever. Criou uma hashtag: #StandwithAleppo. E não parou em trabalhar em seus pequenos gritos de socorro: “Estamos morrendo” (11 de outubro de 2016); “Não nos privem de nossa infância”, “Não estamos armados, porque vocês nos matam? (9 de outubro de 2016), “Por favor parem a guerra, estamos cansados” (6 de outubro de 16); “Sinto falta da escola” (6 de outubro também); “Estou doente agora. A guerra começou de novo, não temos remédios. “Por favor, reze por mim, querido mundo”.


A menina finalmente conseguiu ir para a Turquia com a família, redescobrindo a paz, a alimentação, a água. Bana narra que ela, Mohamad e o pequenino Noor comeram e beberam tanta água que passaram mal, vomitando tudo, e depois voltaram a comer e a beber de novo. Mortos de saudades que estavam dos alimentos e da água. Uma pura, cristalina água. Enfim, a normalidade. Mas a casa tão gostosa na qual moravam, no prédio no qual também moravam os tios, haviam perdido para sempre.


Na Turquia, ela pode comemorar os oito anos num clima de paz, apesar de se encontrar fora da pátria e da cidade natal que tanto amava e que espera rever um dia. Porque tem esperanças de que os homens parem de cometer sandices, pondo em risco a sobrevivência de outros seres humanos, sobretudo das crianças. Por enquanto, a luta continua. Não pode parar. Bana agora tem um papel público a cumprir. Outras causas surgirão. E ela, que já é considerada uma escritora, esperar se posicionar sempre a serviço do bem e da justiça.


Com que arma? A palavra, apenas a palavra. E os novos meios de comunicação criados pelo homem nos últimos anos. Que se servirem para impor estimular no “querido mundo” de Bana a piedade e a comiseração, já servirão para algo que preste, além de repassarem mensagens falsas ou equivocadas e preconceitos. A tecnologia tem que servir ao homem e à melhoria da vida no planeta Terra, e a menina Bana Alabed, da Síria sofrida, conflagrada por uma guerra idiota, provou que pode, sim...ou seja, a tecnologia também pode ser emocionalmente benéfica. Um poderoso instrumento a favor da paz na Humanidade.


*Jornalista e escritora

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livro