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Deputados pedem punição do CNJ para juiz que emitiu mandados para ativistas

Juristas comentam o caso e ressaltam ilegalidade nas prisões e criminalização dos protestos

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Nesta quarta-feira (16), foi impetrada uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, da 27ª Vara Criminal da Cidade do Rio de Janeiro, que emitiu 26 mandados de prisão e de busca e apreensão contra ativistas, que foram cumpridos no último sábado (12). A representação foi formulada após uma reunião entre os deputados federais Jandira Feghali (PCdoB), Chico Alencar (Psol), Jean Wyllys (Psol) e Ivan Valente (Psol), e pede ao CNJ a instauração de um processo administrativo disciplinar contra Flávio. A representação também pede a cópia integral dos autos e prazo de 15 dias para uma resposta oficial do Conselho.

No documento, o pedido é justificado: "Por meio da decisão do juiz Flávio Itabaiana de Oliveira Nicolau, em ato de completa arbitrariedade e abuso de autoridade emitiu dezenas de mandados de prisão e de busca a apreensão motivados por "indícios de autoria do delito”. Eles afirmam que “tais prisões e apreensões possuem um nítido caráter intimidatório, sem fundamento fático ou legal que legitime a prisão, destinado a reprimir com o Direito Criminal a liberdade de expressão cidadã”.

A representação critica a “previsão” de crimes, como foi feito pelos advogados dos presos. “Sem precedentes no regime democrático, o magistrado reclamado utilizou dos poderes conferidos ao Judiciário para, através de decreto de prisão, coibir supostas tentativas de práticas ilícitas que não tiveram sequer o início de ato preparatório algum. Foram prisões cautelares destinadas a reprimir delitos imaginários forjados pelos aparatos da repressão governamental”.

No último sábado (12), 19 ativistas foram presos, acusados de associação criminosa – antiga designação para formação de quadrilha. Através de 17 mandados judiciais, a Polícia Civil prendeu uma advogada, professores, uma cineasta e estudantes e ainda duas pessoas em flagrante. Treze habeas corpus foram concedidos pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em segunda instância, na última terça-feira (15), através do desembargador relator do caso, Siro Darlan. No domingo, os habeas corpus haviam sido negados pela desembargadora de plantão do TJ, Sandra Santarém. 

A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) informou que “até o momento não recebeu nenhum documento acerca de uma possível soltura”. A assessoria da Seap pediu para a nossa reportagem entrar em contato com a Justiça. O TJ foi procurado, mas limitou-se a confirmar os habeas corpus, informando que o processo está correndo sob sigilo de justiça. A Polícia Civil foi procurada para comentar a questão das provas e indícios dos crimes. Ela também foi questionada sobre a restrição de acesso aos inquéritos pelos advogados, mas não respondeu até o fechamento desta matéria. 

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Apesar de 13 habeas corpus, a liberação se reflete em 12 presos, pois dois habeas corpus foram concedidos para a mesma pessoa, já que o pedido tinha sido feito através da Defensoria Pública e de um advogado particular. Sete dos presos estão sendo defendidos pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro; um pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro; um pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); e três pelo Instituto de Defensores de Direitos Humanos (IDDH). Um dos menores envolvidos está sendo assistido também pelo IDDH, mas através de um outro mecanismo: pedido de liberdade assistida. A Polícia Civil cumpria 26 mandados ao prender os ativistas. Nove não foram encontrados e são considerados foragidos.

Segundo a defensora pública e coordenadora do plantão judiciário noturno da Defensoria Pública, Thaisa Guerreiro, os presos estão esperando somente consulta nos registros, para verificar se existem outros mandados de prisão, processo chamado de “sarqueamento”:

“Os alvarás de soltura estão prontos, foram assinados pelo desembargador. Tudo deve estar terminado hoje ainda, assim que eles liberarem o sarqueamento. Está demorando mais do que gostaríamos, mas deve acontecer ainda hoje”, comenta. Segundo ela, o procedimento para os outros cinco presos, que não estão sendo assistidos pela defensoria, deve ser o mesmo. Caso os presos não sejam soltos nesta quarta (16), amanhã é o último dia da prisão temporária, para aqueles que não tiveram ela prorrogada. Cinco outros presos, incluindo Elisa Quadros, a Sininho, não tiveram seus habeas corpus aceitos e ainda tiveram a prisão provisória estendida por mais cinco dias.

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Tanto Thaisa quanto os outros advogados alegaram falta de provas consistentes e falta de esclarecimentos sobre crimes que foram cometidos, na decisão judicial que resultou nos mandados.  “A decisão não foi fundamentada, ou seja, o juiz não justificou com base em elementos concretos os motivos pelos quais as prisões eram imprescindíveis para o inquérito, além disso,o juiz não justificou os indícios de envolvimento dessas pessoas no crime de associação criminosa”, comenta  Thaísa. “Além disso, o juiz também disse que a prisão era para a formação de uma associação que cometia atos violentos, mas não disse quais atos”, explica. 

Advogados comentam ilegalidade e falta de acesso

Ainda segundo a advogada, a defesa não teve acesso aos inquéritos, o que para o professor de direito penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Juarez Tavares, é inconstitucional. “Isso é arbitrariedade. Isso [ter acesso] é norma federal, o advogado tem direito a ter acesso a todos os autos, mesmo que esteja sob sigilo de justiça, ainda sim, o sigilo não se aplica ao advogado”, comentou o professor, que cita a súmula vinculante 14 do Supremo Tribunal Federal (STF): “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentadas em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”.

Raphaela Lopes, advogada do IDDH, comenta que as prisões foram motivadas por questões políticas "Esta é mais uma tentativa do Estado de desmobilizar os movimentos, de tirar as pessoas da rua, e a gente repudia esse tipo de atitude. Quando você junta a conivência do judiciária,na negatória do nosso habeas corpus do domingo (13), e a grande repressão, no protesto no final da copa, tem um quadro grava de restrição de direitos fundamentos que vemos com muita preocupação. Essa decisão que saiu ontem foi um grande alento”, comenta a advogada referindo-se à decisão de Siro Darlan. Uma das questões pertinentes é o sigilo do inquérito, que impede o TJ de dar mais informações sobre os processos, assim como restringe o acesso a informações de que provas são essas que confirmam que os presos estão em conluio. “Todos sempre fazem menção ao sigilo do inquérito, que nós não tivemos acesso. Nós nem sabemos direito quais são essas provas ou acusações”, comenta.

Thaísa, da defensoria comenta: “O que acontece é que como a gente não viu o inquérito, eu não sei o que existe nele, até porque o juiz não fundamentou no que ele baseou a decisão. Não sabemos o que essas pessoas podem ter feito, mas da forma que o juiz fundamentou é ilegal e ilegítima. É um desvio. É uma prisão cautelar e ficou nítida que ela foi desviada para evitar manifestações que é um exercício legitimo dentro do estado de direito”. A defensoria defende Rebeca Martins de Souza, Bruno de Souza Vieira Machado, Emerson Raphael Oliveira da Fonseca, Pedro Brandão Maia, Felipe Frieb de Carvalho, Filipe Proença de Carvalho Moraes e Rafael Rêgo Barros Caruso.Caruso também foi beneficiado pelo habeas corpus através do seu advogado Marino D'Icarahy, que também defende Elisa Quadros Sanzi, a Sininho.

Para João Pedro Pádua, vice presidente da Comissão da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RJ, que defende a advogada Eloisa Samy, critica a postura do judiciário em conceder os mandados “O maior absurdo, além da previsão do futuro, de que essas pessoas iriam participar de protestos, é a criminalização do exercício da advocacia. O advogado ele tem uma serie de prerrogativas legais e pode, eventualmente, simpatizar com a causa do cliente. Ele não pode ser preso porque presta atendimento”, comenta João, se referindo à ideia de que Eloisa não cobrava honorários dos ativistas e prestava assessoria jurídica, por isso foi presa. 

Os outros quatro que tiveram o habeas corpus concedidos são a radialista da Empresa Brasil de Comunicação (EBC),Joseane Maria Araújo de Freitas, através do Sindicato dos Jornalistas; e, através do IDDH, Gabriel da Silva Marinho e Gerusa Lopes Diniz e Karlayne Moraes da Silva. 

 A legitimidade das manifestações

Para Juarez Tavares, professor de direito penal da Uerj, que estuda a obra do Winfried Hassemer, as prisões “são incompatíveis com o código vigente”. Hassemer foi um dos primeiros a defender o direito de manifestação popular e a importância do princípio de presunção de inocência. 

"Hassemer diria, evidentemente, que o direito de manifestação contra os poderes, a expressão de ideias políticas é livre e tem que ser assegurado, pelo Estado. Ele fez uma conferencia no rio de janeiro em 1987, na qual defendeu de que as demonstrações não podem ser objetos de repressão policial, não podem ser conduzidas para um determinado local, nem cercadas. Se isso for feito, a manifestação não provoca o efeito desejado, que é causar incômodo”, analisa o professor.Sobre os manifestantes terem sido cercados, no domingo, e ficarem presos sob efeito de gases na Praça Saens Peña, ele diz "absurdo, absurdo". 

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“A perturbação da ordem é consequência natural das manifestações, se não houver isso, elas não causam impacto que se propõe”, completa ele. Para o professor, paralisar ruas, impedir o trânsito e a movimentação das pessoas é compreensível. Porém, as violências contra a propriedade privada ou pessoas, devem ser contidas, mas não usadas como desculpa para impedir ou restringir manifestações. “A violência contra objetos não é assegurada pelo direito, evidentemente algumas violências ocorrem porque é impossível conter algumas mentes um pouco mais adeptas a agressividade. Nenhum grupo grande é um grupo pacífico. Mas para conter a depredação, se faz uma barreira”, completa.

Ele ainda comenta o caso de Elisa, a Sininho. Ela é acusada de ser a líder da associação criminosa pela qual os ativistas foram presos. A polícia diz que tem gravações dela comprando fogos de artifício. “Negociar fogos de artifício não é crime.Pode ser comprado em casas de fogos, na esquina. Até o armamento [com arma de fogo] pode ser adquirido desde que as pessoas cumpra condições – como ter certificado de aulas de tiro”, completa. 

*Do programa de estágio do JB