ASSINE
search button

Governo do Rio admite que já sabia da violência na Rocinha

Secretaria de Direitos Humanos entregou relatório às autoridades competentes

Compartilhar

A coordenadora da Comissão de Segurança Pública e Privação de Liberdade, da Secretaria Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Rio, Thaís Duarte, confirmou nesta quinta-feira (08/08), que recebeu as denúncias de moradores da Rocinha sobre violência praticada por policiais militares lotados na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), em abril. O Jornal do Brasil divulgou uma matéria exclusiva no dia 31 de julho, com denúncia feita pelo líder comunitário da Rocinha, Carlos Eduardo Barbosa, afirmando que a comunidade estava alertando os órgãos estaduais de assistência social e direitos humanos sobre atos violentos e ameaças feitas pelos PMs lotados na UPP da Rocinha contra eles e, especialmente, à família do pedreiro Amarildo de Souza. Em maio, dois meses antes do desaparecimento do pedreiro, Thaís Duarte entregou um relatório contendo as denúncias para o ex-comandante da PM, coronel Erir Ribeiro da Costa Filho, o então coordenador das UPPs, coronel Paulo Henrique de Moraes e para a Chefe de Polícia Civil do Estado, delegada Marta Rocha.

Líder comunitário diz que secretaria sabia desde março que Amarildo era ameaçado

Segundo Thaís Duarte, em maio a comissão de Segurança visitou a Rocinha e ouviu vários outros moradores. Os testemunhos confirmaram as primeiras queixas encabeçadas pelo líder comunitário Carlos Eduardo. Os relatos foram uma para um relatório global, composto também por informações da mesma natureza, colhidas em entrevistas realizadas desde o final do ano passado com pessoas que residem nas comunidades do Fallet, Fogueteiro e Morro da Coroa e vivem a mesma realidade violenta.  Thaís Duarte diz que os moradores da Rocinha contaram para ela que estavam sendo maltratados pelos policiais da UPP. Segundo os relatos, os PMs costumam usar de violência verbal, com abordagem truculenta e abusiva. Desde novembro do ano passado, Thaís tem acompanhado a rotina de moradores dessas regiões, registrando denúncias e estudando processos judiciais relacionados a esses casos. Ela explicou que o relatório global se baseou em processos judiciais militares em andamento, que investigam autos de resistência feitos por PMs nas comunidades do Fallet, no Rio Comprido, do Fogueteiro, em Santa Tereza e Morro da Coroa, no Catumbi.

A coordenadora da comissão comentou que os depoimentos dos moradores da Rocinha são genéricos, muito semelhantes aos outros relatos colhidos nas comunidades pesquisadas. “Eles reclamam da abordagem violenta dos policiais das UPPs”, conta Thaís. Pelo relatório, os policiais militares tratam os moradores das comunidades com xingamentos e desrespeito, sendo esse um padrão de comportamento da PM nas áreas pacificadas. Desde maio, antes do desaparecimento e possível assassinato do pedreiro Amarildo de Souza, que a comissão de Segurança Pública e Privação de Liberdade participa de reuniões com autoridades policiais do estado e apresentou o relatório com os dados da violência constante e crescente na Rocinha. A comissão propôs novas políticas públicas para amenizar a questão nas áreas ocupadas pela Polícia Pacificadora. “Desde o ano passado estamos em contato com as lideranças comunitárias e nossa avaliação é a partir dos relatos deles. A Polícia Militar precisa rever a sua postura de abordagem com essas populações. Tem que haver maior análise e ponderação para evitar os abusos que esses moradores estão nos denunciando. Esse tipo de policiamento acontece de forma muito próxima ao morador e deve ter um comportamento diferencial”, disse a coordenadora da comissão.

Rocinha: um filme de terror

O caso Amarildo de Souza abriu uma porta e mostrou para o mundo uma Rocinha que nem o Rio de Janeiro conhecia. Um cenário digno de um filme de terror. A comparação é feita por uma moradora do lugar, que não se identificou por motivos de segurança. Ela relata que o medo dos moradores impede que relatos assustadores de violência praticada por policiais militares lotados na Unidade de Polícia Pacificadora contra a população passem dos limites da comunidade. Segundo um agente comunitário que está prestando auxílio social na Rocinha, que também não quis se identificar, nos becos e vielas, fora do alcance das câmaras de segurança, o comportamento dos PMs pode ser comparado ao de algozes, com xingamentos e até “arma apontada diretamente na cara das pessoas” daqueles que residem sob seu domínio. "Eu estava acompanhando uma moradora, entramos num beco e de repente dois policiais militares apareceram fortemente armados, apontaram para mim e começaram a gritar. Quase encostaram a arma no meu rosto. Achei que ele fosse atirar, fiquei realmente preocupado, para não dizer apavorado", contou o agente. 

A Rocinha é dividida, popularmente, em três partes: asfalto, baixa e alta. Quem reside na parte alta, é afetado com problemas básicos de infraestrutura, como esgoto a céu aberto, lixo por todas as partes, além do convívio com a ação do tráfico, que continua atuante na comunidade. Em recente visita à comunidade, o diretor da ONG Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, fez o alerta sobre as precárias condições de moradia na parte mais alta da favela. "A família do Amarildo, por exemplo, vive num barraco de apenas um cômodo, onde o banheiro fica na cozinha. Assim acontece com outros barracos do lugar conhecido como Pocinho, que é uma das áreas mais carentes da Rocinha e merecia a atenção do governo do Estado", contou Antônio Carlos.

Uma moradora que vamos chamar de “X”, se apresentou como amiga da família de Amarildo e disse que ajudou nas primeiras buscas organizadas pela própria comunidade pelo corpo do pedreiro. Ela conta que o policial militar Douglas Vital, mais conhecido como Cara de Macaco, é um dos mais “abusados” da tropa. “Ele tinha uma enorme implicância com o Amarildo, não gostava da família dele e todo mundo já estava esperando acontecer o que aconteceu [desaparecimento do Amarildo de Souza], disse. “X” afirmou que ouviu de vários moradores da "parte alta" que a maioria dos policiais da UPP não respeitam a comunidade. "Eles me contaram que são xingados e até agredidos fisicamente pelos PMs, porque querem que as pessoas apontem os traficantes e, se resistir à ordem, é taxado de criminoso e recebe um tratamento diferenciado”, conta ela.

A denunciante, moradora da “parte baixa” da comunidade, conta ainda que conheceu uma realidade cruel do “pessoal lá de cima”. Nas buscas por Amarildo, “X” afirma que amigos desceram para contar a ela que ossadas foram encontradas próximo ao Pocinho. “Dizem que são de pessoas que foram torturadas e mortas, por policiais e traficantes. Eu estive lá em cima e conversei com muita gente, todo mundo acha que a culpa é dos policiais. Tem gente que até fala de um grupo de extermínio formado por PMs daqui. Mas ninguém tem coragem de contar isso para a polícia”, diz “X”. Sem condições financeiras para sair da Rocinha, “X” sonha com dias melhores na comunidade e que o episódio recente com Amarildo possa trazer justiça para cada pessoa que vive atualmente “em pânico e com medo de ser o próximo na lista dos policiais militares que deveriam proteger a população”.

O pedreiro Amarildo de Souza desapareceu da Rocinha desde o dia 14 de julho, após ser abordado por policiais da UPP e levado para a unidade policial. Após 15 dias de investigação policial pela 15a. DP (Gávea), o caso foi encaminhado para a Divisão de Homicídios e está sendo acompanhado pelo promotor de Justiça, Homero das Neves, do Ministério Público do Estado. Nesta quinta-feira (08/08), a família de Amarildo se mudou da Rocinha, em meio a divergências policiais e judiciais. O delegado Ruchester Marreiros, que abriu as investigações na 15ª DP (Gávea) e foi transferido para a Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI), afirmou ter “absoluta convicção” do envolvimento de Amarildo de Souza e da sua mulher, Elisabete Gomes, com o tráfico na comunidade da Rocinha. Marreiros revelou que Amarildo apareceu numa investigação da 15ª DP sobre uma quadrilha que agia no local. Segundo o delegado, Amarildo obedecia ordens do chefe do tráfico na Rocinha, apelidado de Jhonny. Conhecido como "Boi", Amarildo guardava material para os marginais da favela e um morador chegou a ser torturado por traficante dentro da sua casa, segundo Ruchester Marreiros. O delegado disse que ouviu o depoimento de um adolescente que foi supostamente ameaçado por Amarildo, para que quebrasse a câmera de monitoramento na Rocinha. Marreiros chegou a solicitar a prisão temporária da mulher de Amarildo, mais o pedido foi desconsiderado pelo titular da 15a. DP, Orlando Zaccone, e pela promotora responsável do caso, Marisa Paiva.

Veja ainda:

Mulher de Amarildo se diz "frustrada" após reunião com Cabral