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Batalhão de Choque entra na Aldeia Maracanã para retirar índios

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Após clima de muita tensão e expectativa desde as primeiras horas desta sexta-feira (22), o Batalhão de Choque da Polícia Militar entrou, por volta das 11h50, na Aldeia Maracanã (antigo Museu do Índio), na Zona Norte do Rio, para cumprir a ordem de desocupação do local.

Munidos de balas de borracha, bombas de efeito moral e spray de pimenta, eles enfrentaram a resistência de índios, ativistas e políticos e usaram da força para garantir a desocupação do local. 

O defensor público Daniel Macedo, que acompanha o caso desde o início da polêmica, afirmou que a invasão policial foi precipitada, já que um acordo já teria sido feito para a retirada dos índios.

"Já estávamos retirando os idosos, as mulheres e as crianças para serem levados para um terreno em Jacarepaguá, oferecido pelo governo. Pedimos aos policiais para esperarem mais dez minutos, mas isso não aconteceu e o comandante determinou a invasão do Batalhão de Choque. Isso não precisava ter terminado desta forma. Muitas pessoas foram atingidas por balas de borracha e spray de pimenta. Estamos estudando a possibilidade de entrar com uma representação contra o comandante por crime de abuso de autoridade", disse o defensor.

O porta-voz da PM, coronel Frederico Caldas, afirmou que sabia do acordo, mas que a invasão teve de ser precipitada porque uma das ocas do local começou a pegar fogo e a situação estaria ficando fora de controle. O coronel reforçou que, quando houve a invasão, os índios já haviam sido retirados do local, que era ocupado então apenas por manifestantes. Segundo ele, o uso da força foi necessário.

Por toda a manhã, o clima foi de tensão. Por volta das 11h30, uma das ocas começou a pegar fogo e o Corpo de Bombeiros foi chamado.  Mais cedo, o deputado Marcelo Freixo (Psol) chegou a antecipar que um acordo havia sido feito e que os índios passariam a ocupar um terreno em Jacarepaguá.

Ainda pela manhã, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) chegaram à Aldeia Maracanã com mandados de segurança, de uma ação popular, com o objetivo de impedir a entrada dos policiais militares. O documento foi concedido pelo desembargador Mário Robert Mannheimer, do 24º Juizado Especial Cível, na Barra da Tijuca. 

Por volta das 3h da madrugada desta sexta-feira (22), a Polícia Militar iniciou o cerco à Aldeia Maracanã para cumprir a ordem de despejo dos índios que ocupam o lugar. Parte deste grupo decidiu deixar o prédio por volta das 7h30, mas outra parte resiste no prédio, juntamente com ativistas.

Mais de 50 policiais, além de vários carros e motos da PM, estão no local. Por volta das 9h20 da manhã, o clima voltou a ficar tenso nas imediações do prédio. O advogado Aarão da Providência Costa Filho, que defende os índios, foi preso pelos policiais ao tentar entrar no imóvel. Uma manifestante, identificada apenas como Mônica e que estaria grávida, também foi detida pelos policiais. Os PMs usaram ainda spray de pimenta para dispersar outros manifestantes que se posicionam no entorno da aldeia. 

Na quinta-feira, os índios se reuniram com o secretário de Assistência Social, Zaqueu Teixeira, que ofereceu opções para a saída do local, mas não houve um acordo. 

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Representantes do governo chegaram à Aldeia Maracanã pouco antes das 7h para tentar mais uma rodada de negociações com os índios. Estudantes e simpatizantes do movimento fazem manifestação com cartazes e ocupam os fundos e as laterais do imóvel. Durante a madrugada, três pessoas que participavam do ato foram detidas.  Para dispersar o tumulto, a PM usou spray de pimenta e gás lacrimogênio

A polêmica teve início em meados de 2012, quando o governo do Estado anunciou que transformaria a área do antigo Museu do Índio, que fica nas imediações do Maracanã, num estacionamento, visando a Copa do Mundo de 2014. Após a reação da classe artística, de ativistas e políticos, o governo decidiu não demolir mais o prédio, mas anunciou que iria transformá-lo no Museu Olímpico .

Governo do Estado "não abre mão" do Museu Olímpico  

O governo do Estado do Rio ofereceu aos índios, na quinta-feira, três últimas e novas ofertas - além do Hotel Acolhedor Santana II, da prefeitura - para desocupar o local, já que as autoridades afirmaram "não abrir mão de que o local abrigue um Museu Olímpico". 

Entre as propostas apresentadas pelo secretário de Assistência Social  estão três opções de bairros para os indígenas: Jacarepaguá, Bonsucesso e um galpão ao lado do barracão da Odebrecht na rua Visconde de Niterói, o mais próximo de onde atualmente moram, no bairro Maracanã. 

Para os que não aceitarem nenhuma das propostas, a opção é retornar para os seus locais de origem com a garantia, segundo Teixeira, de que receberão transporte pago pelo Estado caso queiram vir ao Rio visitar os parentes e amigos que ficaram.

A secretaria ainda se comprometeu a construir um Centro de Referência Indígena em outro local que, por enquanto, seria um galpão na Quinta da Boa Vista, onde ainda funciona a unidade prisional Evaristo de Moraes, em processo de desativação. A previsão de conclusão deste centro, segundo o secretário, seria de um ano e meio. Um ano para desativar e demolir o centro prisional e meio ano para a construção do novo imóvel. 

Além disso, Teixeira afirmou que o estado também promete criar um Conselho Estadual de Direitos Indígenas, cujo o objetivo seria o de "monitorar o funcionamento do centro de referência da cultura dos povos indígenas. O órgão atuaria como consultor do estado na formulação de políticas de defesa e promoção dos direitos indígenas", afirmou.

O prazo para despejo dos indígenas terminou na última segunda-feira e agora cabe apenas ao Oficial de Justiça cumprir a decisão judicial. No local, o secretário criticou a atuação da Funai (Fundação Nacional do Índio). "Eles jamais compareceram para dialogar junto aos índios e intermediar a negociação com o governo do Estado. Se omitiram no andamento de todo o processo e do debate”, criticou. 

Quem não aceitar a permanência no hotel da prefeitura ou as três novas opções oferecidas, será oferecido pelo governo do estado o aluguel social, no valor de R$ 400 mensais por família, até a inauguração do Centro de Referência Indígena.

O outro lado

Os índios chegaram à secretaria para entregar a proposta da aldeia, na quinta-feira, depois que Zaqueu Teixeira terminou a entrevista coletiva. Segundo eles, que souberam, pela imprensa, que a posição do governo do estado é de construir o Centro de Referência Indígena fora do antigo prédio do Museu do Índio, não haverá acordo se o imóvel for destinado à construção do Museu Olímpico, como pretende o governo estadual. 

A polêmica

No último dia 15, a Justiça Federal determinou um prazo de 72h para os índios saírem do local, que se esgotaria na última segunda-feira (18). No entanto, na interpretação do juiz da 8ª Vara Federal, Renato Cesar Pessanha, esse prazo só começou a ser contado a partir de segunda (18), primeiro dia útil após a determinação de despejo.

A decisão que determinou a desocupação do imóvel foi ordenada pela Justiça Federal, pois o governo do Rio havia entrado com um mandado de imissão de posse do prédio, comprado da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Diante da ordem, o defensor público da União Daniel Macedo ingressou no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) com um recurso de agravo de instrumento, pedindo mais 15 dias de prazo, além das 72h estipuladas pela Justiça Federal. Porém, o recurso foi negado pelo juiz federal Renato Pessanha e, a qualquer momento, os índios podem ser desalojados do imóvel.

Mobilização

Além da ministra da Cultuta, Marta Suplicy, Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento, Letícia Sabatella e Teresa Seiblitz  também já declararam abertamente apoio à causa. Em artigo no O Globo, Caetano criticou a "vulgaridade que ronda a atual administração estadual". Já Chico Buarque atacou a decisão do poder público, que também atinge o Estádio Célio de Barros, o Parque Júlio Delamare e a Escola Municipal Friedenreich. Milton Nascimento afirma ser "totalmente contra" a ideia de demolir o prédio histórico para a construção de obras de mobilidade urbana visando a Copa. Segundo Milton, muito pouco se faz neste país para preservar a memória dos índios. 

MP se manifesta

Segundo o procurador regional do Ministério Público,Jaime Mitropoulos, "depois de horas de negociação, os índios se retiraram de forma ordeira, até que, ao final desse processo, a Polícia Militar agiu com evidente força desproporcional. Sem que houvesse qualquer necessidade, a policia utilizou spray de pimenta , atingindo os manifestantes, inclusive o rosto do próprio procurador, defensores públicos e oficiais de justiça que estavam no local", disse o procurador, afirmando também que o processo movido em conjunto pela Defensoria Pública e pelo MPF - que tem como objeto a preservação do imóvel do antigo Museu do Índio e a permanência dos indígenas no local - teve decisão desfavorável da Justiça e não cabe mais recurso. "O MPF irá agora acompanhar se o Estado cumprirá o acordo firmado com parte do grupo de indígenas que aceitaram as propostas do Governo, inclusive o compromisso extrajudicial de preservar o prédio e o deslocamento das famílias para um centro de referência indígena, previsto para ser instalado em Jacarepaguá, zona oeste do Rio", finalizou Mitropoulos.

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