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Embate Cabral x Suplicy sobre o Museu do Índio continua

Tema ecoa entre especialistas e divide opiniões

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A polêmica em torno da demolição do prédio onde funcionou o Museu do Índio, vizinho ao Maracanã, ganhou força nesta quinta-feira (24/01) com um embate entre os governos federal e estadual. De um lado, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, que defendeu a preservação do imóvel embasada em sua importância 'material e imaterial', e pediu ao governo de Sérgio Cabral 'sensibilidade' no trato a questão. Provocado, o governador fluminense desmentiu a ministra, e foi além, dizendo que a presença de indígenas no imóvel não passava de uma invasão. E o embate ganhou eco entre especialistas e envolvidos no assunto.

Ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e autor de diversos livros e estudos sobre a questão indigenista brasileira, o antropólogo Mércio Gomes disse que o governador 'entra em contradição quando diz que a Aldeia Maracanã não passa de uma invasão'. Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele justifica a afirmação com a proposta feita pela Secretaria estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH) para retirar os índios do local.

"Ao propor um Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas, o governador já reconhece a importância daquele grupo. Resta saber o porquê dele ter voltado atrás em seu pensamento", indagou Mércio. "Louvo a atitude da Marta e sua visão nacional e propositiva. O apoio a novos modos de ser da sua cultura e o relacionamento próximo com a cultura urbana brasileira. É muito importante que uma ministra compreenda essa nova vivência  intercultural brasileira. É um experimento que está acontecendo. A demolição abortaria uma experiência de muitos anos, criada pelos índios, que resgataram um prédio em abandono".

O jornalista Fernando Gabeira fez coro na defesa à Aldeia Maracanã. Ex-candidato à prefeitura do Rio em 2008 e ao Governo do Estado em 2010, o político acredita que a saída para o antigo Museu do Índio tem que ser pactuada com pessoas que tenham a visão de uma política indígena no Brasil:

"A minha expectativa é que isso se transformasse em um grande centro cultural indígena, que pudesse ser um entreposto do artesanato indígena. Em um momento de Copa do Mundo, de Olimpíadas, ter o prédio tombado e com o artesanato funcionando seria excelente para o Rio de Janeiro e para as comunidades indígenas", explicou Gabeira em vídeo publicado na internet. "Já perdemos uma parte da Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, porque os carros são mais importantes do que os velhos e crianças que passam por ali", provocou.

O advogado Antônio Modesto da Silveira, conhecido por sua atuação em defesa dos direitos humanos e membro do Conselho de Ética da Presidência da República, citou a existência de documentação do século XIX para referendar o prédio como centro da cultura indígena,

"É evidente que houve dilapidação do prédio, mas há pareceres que indicam que a estrutura está íntegra, e os índios voltaram para o que eles consideravam um lugar de referência, e lá estão desde 2006. Não se pode retirá-los de uma hora para outra de lá", disse. "Há muitos interesses poderosos em jogo. A área da Aldeia Maracanã é muito valiosa, mas também tem de ser para os interesses históricos dos índios, do Rio de Janeiro e da sociedade".

Modesto da Silveira deixou ainda uma questão no ar, envolvendo a história da relação entre os povos indígenas e os colonizadores europeus:

"No Brasil, em 1500, havia 6 milhões de índios no país. Hoje, nós temos menos de um milhão. A nossa dívida ética, histórica e moral com os índios é muito grande. Será que vamos aumentar essa dívida?", questionou Modesto.

Outro lado

Arquiteto urbanista e ex-superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional no Rio de Janeiro, Carlos Fernando de Andrade, na linha do que pensa o governador Sérgio Cabral, questionou a utilização do conceito de 'aldeia' para referir-se ao grupo de indígenas que vive dentro do prédio. De acordo com ele, a presença de membros de indígenas de diferentes tribos impede o título de 'Aldeia Maracanã'.

"Se você tem uma aldeia, ela deve ter uma expressão própria de determinada tribo. E na medida que que esses indivíduos, de diversas tribos, se deslocam para a cidade e passam a viver como seres urbanos, a discussão cultural fica deslocada", alegou Carlos. "O fato de um dia ali ter sido o Museu do Índio não justifica nada. O museu vive uma condição melhor no ponto onde funciona hoje. É um prédio que um dia foi bonito. Sou contra o tombamento, porque tombar uma ruína significa elevar a uma condição que necessariamente teria de restaurar para preservar. E é um prédio que até hoje ninguém considerou digno de tombamento". 

Em nota datada de 17 de janeiro deste ano, a presidente da Funai, Marta Maria Azevedo, disse que foi procurada pelos indígenas em busca de apoio para permanecer no prédio. No entanto foi dito que as prioridades do órgão são as ações em terras indígenas e nenhum encaminhamento poderia ser dado sobre o pedido, uma vez que tal reivindicação foge às atribuições e competências do órgão indigenista.

No documento, a Funai esclarece ainda que, enquanto órgão indigenista oficial do governo federal, não tem como finalidade atender demandas dos indígenas, individualmente, e que não há políticas específicas e diferenciadas para atendimento de índios na cidade. Eles devem ser atendidos pelas políticas públicas oferecidas a todos os cidadãos, de forma indiscriminada.

Procurados, outros especialistas e envolvidos no assunto não quiseram se manifestar ou não foram encontrados.

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