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Jovens e ativistas protestam contra construção de hotel em área preservada

Com ânimos alterados, manifestantes entram em confronto com a polícia

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O protesto de moradores e defensores do meio ambiente realizado na manhã deste sábado (17), contra a construção de um hotel em terreno que já pertenceu a Área de Proteção Ambiental da Reserva de Marapendi, na Barra da Tijuca, terminou em confronto com policiais, que tentavam reprimir a manifestação. Quando os participantes sentaram na Avenida Sernambetiba, impedindo a passagem dos carros, PMs jogaram spray de pimenta, atingindo adolescentes, mães, pais e até crianças que participavam do protesto.

O clima esquentou e os manifestantes - em torno de 300 - começaram a gritar palavras de ordem contra os policiais e o prefeito Eduardo Paes, chamado de "traidor" e "fascista". "Fora, Eduardo Paes!", "Desmatamento, não!", "Impeachment para Eduardo Paes!", gritavam os participantes, muitos lembrando que o prefeito teria prometido, antes das eleições, preservar regiões arborizadas na região.

>> Construção de hotel em antiga Área de Proteção Ambiental revolta cariocas

Quase todo o público presente no protesto, que foi articulado principalmente pela rede social Facebook, era composto de jovens com idade na faixa dos 15 aos 25 anos. E um menor de 16 anos chegou a jogar areia em um policial, que o deteve e o levou para a viatura da polícia. O carro foi cercado pelos manifestantes e o pai do jovem acabou entrando dentro do carro para impedir que seu filho fosse encaminhado para a delegacia. Após alguns minutos, o menor acabou sendo liberado. "É a primeira vez que ele participa de um protesto. Ele errou, eu sei disso. Levou um susto que vai fazer com que repense como agir numa manifestação", admitiu o pai, que não quis se identificar. 

Ágatha Anet, de 16 anos, uma das organizadoras da manifestação, estuda numa escola com hábitos sustentáveis na Barra que estimula os colegas. “É muito triste saber que estão derrubando árvores. O carioca está muito insatisfeito e sofre calado. Nossa motivação é ambiental e política. Queremos mais transparência também. Deu vontade de gritar o que pensamos, e conseguimos. Tenho certeza de que todos estão querendo fazer isso há um tempão. Isso não vai acabar. No dia 24 estamos aqui de novo”, conta a jovem.

Moradores questionam legalidade da construção

O advogado Bruno Miragaya, que também reside nas proximidades do terreno, entrou com uma representação no Ministério Público pedindo abertura de inquérito civil na 4º Promotoria de Tutela Coletiva e do Meio Ambiente. Ele está analisando a situação da construção do hotel Hyatt, pois segundo ele, deveria ter sido autorizada por um conselho da APA e pode ser que devesse ter sido discutida em audiência pública. “Estamos esperando dar andamento no inquérito para ver qual será a atitude do promotor”, disse ele.

“Qualquer estudante de direito sabe que uma lei municipal não pode derrubar uma lei estadual-federal. Houve um recurso em 2005, mas muito mal feito, e no Supremo não entraram no mérito dele, mantendo a legislação em vigor. É com base nisto que estão construindo, mas a lei é frontalmente institucional”, afirmou durante a manifestação o morador Edson Aires, do Condomínio Sunset Drive, que fica ao lado do terreno da construção. Durante o protesto, ele escreveu um cartaz ironizando a questão com os dizeres: “Lei municipal maior que a estadual e a federal”.

“Não há dúvida de que uma lei municipal que altera parâmetros estaduais não tem efeito. Se conseguirmos provar que essa lei é inconstitucional e que não poderia ser aprovada a Eia/Rima (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental), que verifica todo o impacto do entorno, já que nunca seria aprovada uma Eia/Rima com esse trânsito impraticável daqui, que já afeta a população, conseguiremos paralisar estas obras”, complementa.

Edson estranhou a visita e explicação de engenheiros no seu prédio: “Causou-me muita espécie ver uma equipe no meu prédio justificar essa obra trazendo 16 engenheiros e dois ambientalistas, um representante do Hyatt que não falava português, fazendo com que não pudesse responder nada do que perguntássemos  A meu ver, houve uma preocupação em justificar uma coisa que a gente sente que é ilegal. E a derrubada de repente, correndo, fechando tudo, só reforça a ideia. Além disso, o prefeito do Rio, três dias depois de reeleito, fez uma relação de 73 itens que ele não iria permitir. Um deles era a construção de apart hotel. E 15 dias depois autoriza?“, questiona.

Abílio Fernandes, que preside a Federação do Surf do Rio de Janeiro, espera que o prefeito se sensibilize com a manifestação, como antes. “Ele já participou de um protesto assim antes. Em 2005, o vereador Guaraná mandou carta para o então prefeito Cesar Maia pedindo o veto de mudança no gabarito dessa área, que foi vetada por ele, mas mesmo assim a alteração foi aprovada”, contou.

Devastação é ameaça ao bioma, segundo especialista

O biólogo e ativista ambiental Marcello Mello afirma que o espírito olímpico está comprometido devido à parceria público-privada e empreiteiros. “A reserva da Barra da Tijuca é um patrimônio do Rio e do Brasil, que é preservada há muito tempo. Esta floresta em destruição é um bioma da Mata Atlântica, um dos mais ameaçados do mundo, diferente do Amazônico, que está bem preservado. Nossos administradores públicos não estão preocupados com a preservação desta área do Marapendi. Querem poder e, para isso, precisam de financiamento de grandes empresas. Já as detentoras de poder financeiro são empreiteiras que representam os hotéis internacionais. Eles veem a Mata Atlântica como um obstáculo que deve ser devastado para construírem seus empreendimentos”, alerta o biólogo.

Para Marcello, o poder público deveria defender as florestas para o futuro de seus próprios filhos. “Estão usando a floresta como moeda corrente, e isso é um crime. A população carioca, que se preocupa em preservar a natureza, se reúne porque foi traída por políticos que venceram as eleições comprando outros partidos e com parceria com empreiteiros enganando o povo. Tivemos neste ano o Rio+20, evento de conscientização internacional ambiental, mostrando que temos preocupação com o planeta e a preservação dos recursos naturais, que são destruídos por conta da ganância. Infelizmente, conseguiram construir mais a frente um empreendimento de sapê, que não conseguimos impedir, mas este terreno também é uma APA, que abriga espécies da fauna e da flora, raras e ameaçadas”, conclui.

Júlia Conde, 13 anos e Betina Moraes, de 14, moram no Jardim Oceânico. Elas percorreram o aglomerado de pessoas na manifestação recolhendo assinaturas para serem entregues à Prefeitura do Rio. “É lamentável destruir a natureza preservada aqui para construir um resort. Nós frequentamos muito pouco aqui, mas fizemos questão de ajudar. Estamos fazendo de tudo na tentativa de impedir esta construção para que a área continue protegida”, disseram.

Um profissional responsável pela limpeza do terreno, que prefere omitir seu nome, falou da desorientação dos animais na devastação da área: “Quando começaram a cortar as árvores os bichos não tiveram para onde correr”, revela. Já João Ricci, que reside no Alfabarra, que fica perto dali, contou que uma capivara foi vista próxima ao restaurante Barril 8000.

A rede Hyatt alega que o projeto de construção do hotel “foi aprovado obedecendo rigorosamente a normas urbanísticas e ambientais previstas na legislação. E que há um Plano Básico Ambiental, com o objetivo de orientar, acompanhar e adequar a implementação e o atendimento aos compromissos assumidos pelo empreendedor e exigidos pelos órgãos ambientais municipal e estadual para a obtenção de suas licenças”.

Empreendimento

Antes verde, o terreno de 45 mil m² dará lugar a um empreendimento da rede norte-americana Hyatt, com 436 apartamentos, além de dois prédios residenciais. Na quinta-feira (15), fotos de árvores sendo derrubadas no terreno começaram a circular pelas redes sociais e provocaram a ira de muitos cariocas. 

Um engenheiro do projeto, que não quis se identificar, disse ao Jornal do Brasil, na tarde de ontem (16), que o terreno foi dividido em três zonas: Zona de Ocupação Controlada(ZOC), Zona de Conservação da Vida Silvestre (ZCVS) e Zona de Proteção da Vida Silvestre (ZPVS). As edificações serão limitadas a ZOC, na ZCVS serão feitas pequenas intervenções além da recuperação da vegetação nativa, e na Zona de Proteção nada será feito. “Constatamos algumas amendoeiras e outras espécies que não são nativas daqui. Tudo isso será recuperado”, disse. A equipe responsável pelas avaliações de impacto ambiental é gerenciada pelo biólogo Mário Moscatelli.