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IBGE e Secretaria divergem sobre número de crianças sem identidade

Menina atingida por bala perdida em Costa Barros não tinha certidão de nascimento

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A menina Yasmin de Moura Camilo, de seis anos, que morreu vítima de bala perdida na comunidade de Costa Barros, na Zona Norte do Rio, no domingo (19), não tinha certidão de nascimento. Para não enterrá-la como indigente, a família teve que tirar, ao mesmo tempo, as certidões de nascimento e de óbito. Mas Yasmin não é um caso isolado.

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Os dados do Censo de 2010 do IBGE mostram que no Brasil 69.829 crianças de 0 a 10 anos não possuem o registro civil de nascimento (RCN). Pela mesma pesquisa - realizada pela primeira vez no país -  no estado do Rio são 6.330 menores nesta situação e no município do Rio, 2.305.

No entanto, a Secretaria de Estado Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH), com base em informações do mesmo IBGE, apresenta números bastante discrepantes. Segundo seus levantamentos, somente no município do Rio são 15.467 crianças até 10 anos na mesma situação. No Estado, o número sobe para 28.731. Pelos cálculos da Secretaria, o total de pessoas até 10 anos sem RCN no país é de 599.204.  

Projeto e Bolsa Família

De acordo com Tula Brasileiro, gestora de projeto da secretaria, na realidade os números são muito maiores, porque não incluem maiores de 10 anos. Ela coordena o projeto da SEASDH que criou um comitê de formulação de políticas públicas permanentes para o acesso à documentação. Um dos objetivos deste comitê é instalar 60 unidades interligadas nas maternidades. Também pretende  fazer o levantamento de crianças sem RCN, que frequentam as escolas dos municípios fluminenses, mesmo sem terem sido registradas.

O projeto, que terá 18 meses de duração e é financiado pelos governos federal e estadual, também realizará 26 mutirões para emitir documentos em cidades com maior número de crianças com até 10 anos sem RCN. Além disso capacitará pessoal para atuar nas unidades interligadas das maternidades e cartórios.

A assistente social chama a atenção ainda para o fato de que muitas vezes os próprios pais não têm documentos. “É um fenômeno que atravessa gerações, e muitos também não possuem outros documentos”, diz Tula. Ela destaca que, até 1997, o registro não era gratuito.

"Para reverter o quadro, secaremos o chão com ações de curto prazo, como os mutirões. A longo prazo, fecharemos a torneira com as Unidades Interligadas nas maternidades. Além disso, há várias possibilidades que podemos analisar", antecipa. 

Segundo Tula, o programa Bolsa Família e outros projetos assistenciais foram essenciais para diminuir o número de pessoas sem identificação no país. Para receber o auxílio, é  preciso apresentar algum documento de identificação, como o CPF e o RG, ao se registrar no Cadastro Único dos Programas Sociais do Governo Federal, o CadÚnico.

Impasse jurídico

Enquanto os números oficiais divergem, um impasse jurídico foi adicionado à questão. Na segunda-feira (20), o Ministério Público Federal em Bauru ingressou com ação civil pública com pedido de liminar  para obrigar o IBGE identificar as 45 crianças que, segundo o Censo de 2010, vivem na cidade e não têm registro. 

O IBGE negou o fornecimento dos dados pedidos pelo MP com base na lei 5.534/68. O texto da lei diz que as informações prestadas no censo "terão caráter sigiloso, serão usadas exclusivamente para fins estatísticos, e não poderão ser objeto de certidão, nem, em hipótese alguma, servirão de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial, excetuado, apenas, no que resultar de infração a dispositivos desta lei".

Para o procurador da República Pedro Antônio de Oliveira Machado mesmo amparada por leis ainda em vigor, a postura do IBGE é “intolerável”. Em nota do MPF, Machado alega que, sem o registro de nascimento, “as crianças estão lesadas em seus direitos fundamentais" como o nome, a nacionalidade, a personalidade jurídica e a dignidade. Segundo ele, a decisão do IBGE impede que o MP “ponha fim à situação de negligência a que estão submetidas essas crianças pelos pais ou responsáveis, seja por conduta dolosa, culposa ou por eventuais dificuldades sociais”. 

A Ação do MPF requer do chefe da unidade estadual do IBGE em São Paulo, Francisco Garrido Barcia, em 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000, as informações para identificar as crianças. Ainda pede ao Instituto os dados semelhantes em outras 32 cidades do interior de São Paulo.  

Tula opina que a disputa jurídica não é a questão central. Ela defende que saber os endereços das crianças não solucionará o problema: 

“O poder público tem conhecimento da questão. As pessoas estão, muitas delas, institucionalizadas: em presídios, escolas, instituições de saúde mental etc. Certamente, há questões éticas envolvidas”, afirma.