ASSINE
search button

Para ex-ministros, redução da meta do superávit é realista e revela dificuldades do governo

Ernane Galvêas e Paulo Haddad comentam situação econômica do país ao 'JB'

Compartilhar

A nova meta do superávit fiscal é realista, mas reflete uma dificuldade do governo em realizar seus objetivos de reorganizar a economia, segundo dois ex-ministros da Fazenda consultados pelo Jornal do Brasil. A principal solução no momento é continuar cortando gastos, mas mesmo com diminuição da meta, de 1,1% para 0,15% do Produto Interno Bruto (PIB), a perspectiva é que este superávit, no fim do ano, seja convertido em déficit. 

Para Ernane Galvêas, ministro da Fazenda entre 1980 e 1985, a meta anterior era "inatingível", enquanto que a taxa atual é "muito mais realista". Ele avalia que "o governo não tem alternativa, senão cortar gastos onde for possível", e completa dizendo que o setor dos ministérios, por exemplo, poderia ter redução de até 20% de seu orçamento. 

Tamanha redução seria uma alternativa à diminuição do número de ministérios, que poderia "criar mais problemas políticos para o governo", segundo o ex-ministro. Dilma passa por desentendimentos com sua base aliada, em especial com o PMDB, que é o partido com mais filiados ocupando cargos de ministros depois do PT, além do comando da Câmara, do Senado e a vice-presidência do país. 

>> Levy anuncia redução da meta do superávit primário

Em maio, o governo federal já havia feito um corte de gastos no valor de R$ 69,9 bilhões, sendo que deste montante, 10% foi referente ao Minha Casa, Minha Vida. O orçamento dos ministérios também foi reduzido, dentre eles o da Educação, que teve a terceira maior retração, de R$ 9,4 bilhões. No corte desta quarta-feira (22), a União terá menos R$ 5,8 bilhões enquanto estados e municípios irão dispor de R$ 2,9 bilhões a menos para gastar em 2015. 

>> Perda de grau de investimento do Brasil preocupa especialistas

O economista Paulo Roberto Haddad, ministro da Fazenda entre 1992 e 1993, também considera a atual meta realista, mas que mesmo assim ela não deve ser alcançada. "Minha opinião é que, até o início do último trimestre deste ano, deverá haver nova revisão no sentido de um superávit quase nulo tornar-se um déficit primário."

Ele destaca que os cortes nos gastos no valor de R$ 8,6 bilhões podem ter "reflexos imediatos em projetos e atividades do governo federal que são de interesse dos cidadãos". Por outro lado, defende que o ajuste fiscal "tem de ser feito mais radicalmente", mas critica o que foi feito pelo governo, que teve muitas de suas emendas barradas pelo Congresso e não foi totalmente efetivado. 

O professor de economia da Universidade de São Paulo (USP) e ex-diretor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), Simão Davi Silber, discorda a respeito do ajuste fiscal. "Se eu fosse dar um conselho [ao governo], seria o de não buscar a receita, porque a economia já está muito 'ruim das pernas', qualquer aumento de imposto [seria interpretado como] um sinal de mais intervencionismo", mas credita à "incapacidade do governo" o não avanço das medidas propostas. 

Para Haddad, o ajuste fiscal, como está, "leva a economia a uma profunda recessão, criando um efeito 'bumerangue' sobre as contas públicas. Juros estratosféricos, elevação da carga tributária e a multiplicação de incertezas para consumidores e investidores significam crescimento nulo ou negativo da base tributável de onde o governo tira a fonte de fundos para a formação do superávit primário".

Inicialmente prevista para 2%, esta taxa de superávit primário só deve ser alcançada em 2018, segundo projeções do governo. Silber diz que a desaceleração econômica "pegou o governo de surpresa" e frustrou a arrecadação, mesmo com os aumentos das alíquotas. Como principais efeitos da redução da meta, ele destaca o risco de rebaixamento das notas de crédito do país e o câmbio, que nesta quinta-feira registrou forte alta, repercutindo o anúncio do governo. 

"A trajetória da dívida pode crescer mais rápido e houve aumento da dúvida em relação ao país honrar seus pagamentos." O especialista também defende cortes de cargos de confiança e orçamento de ministérios, mas evitando um aumento da carga tributária que poderia pressionar o setor privado. 

*Do programa de estágio do JB