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Oi assina acordo com Portugal Telecom após calote da Rioforte

Portuguesa assume responsabilidade e passa por mudanças em fusão com brasileira

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Com o calote de 95% da dívida da Rioforte com a Portugal Telecom (PT), equivalente a 847 milhões de euros, esta e a Oi firmaram bases de um acordo para dar prosseguimento à fusão, em que a PT recebe da Oi a dívida da Rioforte, em contrapartida da entrega das ações do capital da Oi para a mesma. Com isso, a PT assume toda a responsabilidade pelo calote da holding do Grupo Espírito Santo, que é sua sócia, e fica com uma parcela menor na futura CorpCo (que resultará da fusão entre PT e Oi), 25,6% no lugar dos 37% previstos. A Portugal Telecom terá um prazo de até seis anos para recomprar as ações da Oi. A imprensa portuguesa noticiou que o atual CEO da PT, Henrique Granadeiro, não será mais vice-presidente da CorpCo e que alguns termos da fusão devem sofrer alteração.

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"A Portugal Telecom, SGPS S.A. (“PT”) e a Oi S.A. (“Oi”) anunciam que se mantêm comprometidas em concluir a combinação dos seus negócios, tendo assinado nesta data um novo Memorando de Entendimentos (“MoU”)", informam em comunicado. "O MoU foi assinado na sequência do não reembolso hoje por parte da Rio Forte Investments, SA (“Rioforte”), uma sociedade do Grupo Espírito Santo (“GES”), dos 847 milhões de euros já vencidos do total de 897 milhões de euros em aplicações de tesouraria (“Dívida da Rioforte”) que foram subscritas pelo grupo PT e que atualmente são detidas por subsidiárias que foram contribuídas para a Oi no âmbito da combinação de negócios anunciada no dia 2 de outubro de 2013."

Na quinta-feira (17), vence o restante da dívida, equivalente a 50 milhões de euros. A parcela vencida a meia-noite desta terça-feira (16), de 847 milhões de euros, será revertida à Oi pela Portugal Telecom por meio de ações da brasileira, em valor equivalente - serão 474,3 milhões de ações ordinárias e 948,7 milhões de preferenciais, que correspondem a 16,6% do capital votante e 16,6% do total da Oi. O acordo, no entanto, ainda depende de aprovação da assembleia geral de acionistas da Portugal Telecom, que será realizada no dia 8 de setembro, da Telemar Participações (CorpCo), e do conselho de administração da Oi, além do aval da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

O Grupo Espírito Santo colocou ativos não financeiros à venda no Brasil para levantar recursos para quitar suas dívidas. O valor disponível seria, no entanto, de apenas 290 milhões de euros, segundo o Valor. Entre eles, está a parcela de 11% da Rioforte no grupo brasileiro Monteiro Aranha, presente em diversos setores da economia nacional, 3,7% da Brazilian Hospitality Group (BHG), terceira maior rede hoteleira do país, e 29% na Energias Renováveis do Brasil (ERB). A empresa também apresenta 110 milhões de euros em propriedades imobiliárias, como uma fazenda no interior de São Paulo, e seus terrenos no Brasil poderiam render R$ 3,5 bilhões.

"Com a transferência dos Títulos (da Rioforte) para a PT SGPS, esta passará a ser a única responsável pela negociação com a Rio Forte e pelas decisões relacionadas aos Títulos. A Oi, como controladora da PT Portugal, prestará todo o suporte documental à PT SGPS para a tomada das medidas necessárias à cobrança dos créditos representados pelos Títulos", informa a Oi.

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A Portugal Telecom trabalhava ontem para prolongar o prazo do empréstimo para um ano, enquanto a Rioforte se preparava para pedir recuperação judicial, em Luxemburgo. Com a possibilidade de calote,os sócios da Oi cogitavam a redução da participação da portuguesa na CorpCo, de 37% para 20%. Estudavam ainda acionar a justiça, caso a PT não aceitasse a condição. 

Desde o início do processo de fusão entre Oi e Portugal Telecom, há nove meses, os papéis da brasileira já registraram queda de 62%. Na última quinta-feira (10), as ações caíram 19%. Nesta terça-feira, os papeis fecharam estáveis, com a expectativa do mercado de resolução da crise. Com anúncio do acordo, os papeis abriram com alta de quase 17% nesta quarta-feira. A Portugal Telecom, por sua vez, registrou alta de 3,28%, para 1,89 euros, e o Banco Espírito Santo teve alta de 19,74% em suas ações, depois de cair 20% na véspera - a maior valorização desde 1993. A S&P, contudo, cortou o rating do BES após o calote. 

O ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, havia se pronunciado sobre o assunto, nesta segunda-feira (15), com o pedido de informações à Anatel, ao BNDES e à Oi sobre a fusão. De acordo com ele, as notícias que vinham saindo na imprensa "não são muito boas", mas, mesmo assim, a fusão não estaria ameaçada.

O BNDES, principal estatal acionista da Oi, já emprestou R$ 6 bilhões à empresa brasileira e ainda aguarda o pagamento de R$ 1,274 bilhão. O banco anunciou em nota na semana passada que as operações da Portugal Telecom na Rioforte, supostamente sem o conhecimento prévio da Oi, são inconsistentes, "com padrões mínimos de governança corporativa", e ressaltou a necessidade de preservação dos interesses dos acionistas da Oi. No fim de semana, o presidente, Luciano Coutinho, descartou a possibilidade da fusão ser cancelada, mas ressaltou que o termo de compromisso poderia sofrer alterações. 

A BNDESpar passou a deter 4,25% do capital social da Oi S.A. e 5,45% do capital da Telemar Participações S.A. com a Oferta Pública de Ações da Oi realizada em abril, uma das etapas da fusão. No mês anterior, respondia por uma participação acionária de 1,28% na Oi S.A. e 13,07% na Telemar Participações S.A.

Desde 1999, a BNDESpar aportou, aproximadamente, R$ 6 bilhões em empresas do grupo Oi, dentre as quais a holding Telemar Participações S.A., a Brasil Telecom Participações S.A. e a Telemar Norte Leste S.A.. Neste período, retornaram à BNDESpar, aproximadamente, R$ 8 bilhões, entre recebimento de dividendos, juros, resgates programados e antecipados e alienações, restando um saldo de R$ 1,274 bilhão em debêntures e participações acionárias. O BNDES informa que os empréstimos era voltados a aplicações como apoio ao plano de investimentos e exercício de direito de preferência, apoio à reorganização e simplificação societária do grupo (fusão Brasil Telecom), entre outras finalidades.  

A Anatel, por sua vez, alega que o caso entre a Oi e PT se trata de um negócio privado, que só muda de essência caso haja mudança societária na CorpCo. 

Entenda o caso

A Oi passa por um processo de fusão com a Portugal Telecom e foi surpreendida, pelo menos publicamente, com a notícia de que a portuguesa havia aplicado 897 milhões de euros na Rioforte, cujo grupo passa por graves dificuldades financeiras, conhecidas desde a auditoria do banco central de Portugal realizada em maio. O volume aplicado corresponde a quase metade do valor da Portugal Telecom. A possibilidade de calote, que acabou se concretizando, afetou o processo de fusão, que agora pode ser concluído apenas em 2015, em vez de outubro deste ano. A situação poderia ainda criar problemas para os acionistas minoritários da brasileira.

A Rioforte é uma sociedade de investimentos do Grupo Espírito Santo, que é sócio da Portugal Telecom, e tem ativos imobiliários no Brasil e em Portugal. Ela tem 49% da Espirito Santo Financial Group, que tem 20% do Banco Espírito Santo. Caso entre mesmo em recuperação judicial, pode ganhar uma nova parcela de participação no grupo, ainda incerta. Os títulos do Banco Espírito Santo fecharam em queda de 15% nesta terça, mas subiram 19% nesta quarta com o anúncio do acordo entre PT e Oi.

A Oi, que vinha lutando para melhorar sua imagem, se viu envolvida em mais um caso negativo. A oferta pública de ações, uma das etapas da fusão, realizada em abril, foi registrada no Brasil e nos Estados Unidos, e especula-se no mercado que se a aplicação da Portugal Telecom na Rioforte fosse conhecida no período a capitalização nem teria sido realizada. Na ocasião, foram movimentados R$ 13,95 bilhões, R$ 5,71 bilhões de ativos da PT e a grande maioria do exterior, principalmente de fundos americanos e europeus, que podem tentar interferir no processo de fusão. A BNDESpar, por exemplo, como já mencionado, ficou com 4,25% do capital social da Oi S.A. na oferta de ações.

A Oi alegou que não foi informada sobre a aplicação da PT no grupo, enquanto a imprensa portuguesa alertava para o calote que o grupo dava a outras dívidas. Neste cenário, a Oi voltou para a lista de creditwatch negativa da Standard & Poor's, devido à possibilidade da Portugal Telecom perder os investimentos. A Oi havia saído da lista em 26 de maio, sob a crença de que a fusão seria favorável.

Com a revelação do investimento da Portugal Telecom na Rioforte, representantes da Oi no Conselho da portuguesa renunciaram ao cargo, entre eles Otávio Azevedo, presidente da Andrade Gutierrez, e Fernando Magalhães, da Jereissati Participações. Dos conselheiros que saíram, um deles era indicação do grupo La Fonte, ex-Citi e ex-jornal O Dia, e outro era indicação do grupo Andrade Gutierrez, antigo funcionário que era o elemento de ligação da Telemar na fusão com a Brasil Telecom. 

Após o episódio, os acionistas da Oi decidiram fazer uma varredura nas contas da PT. Na semana passada, a equipe financeira da empresa, inclusive o diretor Bayard Gontijo, esteve em Portugal para levantar mais informações. Nas últimas semanas, o Grupo Espírito Santo tomou o centro das atenções no mercado e vários problemas foram revelados, assim como as mudanças na sua gestão, com a saída do líder histórico do banco, Ricardo Salgado.

Samy Dana, professor da FGV-SP, destaca que é difícil saber o que aconteceu de fato, se a Oi soube ou não da aplicação anteriormente, mas que, "de um jeito ou de outro", pode-se dizer que é preciso melhorar a governança da brasileira. "Eu acho que isso quebra a imagem da Oi para um mercado que não é tão forte. Precisaria ter um monitoramento melhor não só das empresas mas também por parte do órgão regulador." Para o professor, o caso "improvável" dificultava as negociações e o futuro das empresas, o que é um pouco ruim para a população como um todo.

Luiz Carlos Prado, professor de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembra que a fusão anunciada prometia melhorar a situação financeira da Oi e alavancar a PT. "Para a continuidade da operação, a participação da Portugal Telecom vai se reduzir. Isso envolve problemas junto a comissões de valores mobiliários e movimentos por parte de outros acionistas da Portugal Telecom, que terão prejuízos por conta da Oi. Quanto à perspectiva da condição creditícia da Oi, que se esperava que iria melhorar, tudo isso criou uma sinalização ruim, uma turbulência numa operação que estava indo muito bem, gerando incerteza sobre os próximos passos", explicou antes da resolução do impasse.

Com a cobrança das instituições bancárias europeias, as empresas brasileiras sofrerão a saída do grupo Telefónica da Portugal Telecom, o que é o começo de uma saída estratégica do grupo espanhol e das empresas que estão com os seus endividamentos elevados. A Telefónica, segundo fontes ligadas ao setor, deve investir em outros países, entre eles Espanha, Brasil e outros três ou quatro. 

Os braços do Grupo Espírito Santo no Brasil

O Grupo Espírito Santo, de acordo com informações de seu website, desenvolve atividades financeiras no Brasil, direta ou indiretamente, desde 1976, dois anos após a Revolução dos Cravos que derrubou o regime salazarista em Portugal. Na época, os acionistas viraram alvo de intensa perseguição política, o banco foi nacionalizado e os principais sócios deixaram Portugal. Iniciaram, então, atividades financeiras no Brasil, na Suíça, na França e nos Estados Unidos, com destaque para a multiplicação dos negócios em terras brasileiras. Informações dão conta de que eles se associaram a grupos brasileiros, participando de operações ilícitas e causando grandes prejuízos. A família retomou o Banco Espírito Santo posteriormente.

O processo de internacionalização da Portugal Telecom, iniciado em 1997, esbarra com o mercado brasileiro de telecomunicações em 1998, com a aquisição de importantes entidades, como a Telesp Celular, Telesp Fixa e a Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT). Uma das etapas de privatização no Brasil aconteceu no governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo como marco a aprovação da Lei de Concessões, em fevereiro de 1995. O objetivo era criar regras gerais para o governo conceder a terceiros o direito de explorar a produção de serviços públicos, a exemplo do setor de geração de energia elétrica e de telecomunicações. A privatização dessas áreas exigiu um esquema complexo de regulação, para alcançar a maior competição do setor, na promessa de eliminação do monopólio público. A maioria dos compromissos de investimento feitos pela Portugal Telecom na época ainda estão no papel.