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Para bem além da química: eletromagnetismo, lobismo e ceticismo seletivo

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Um bom resumo da epidemiologia pode ser colocar numa balança de um lado fatores de proteção e, do outro, os que expõem. Com estes dois elementos se pode fazer uma estimativa do risco. Quando há cerca de 10 anos começaram a aparecer evidencias epidemiológicas consistentes de que ondas eletromagnéticas afetam a saúde humana, os céticos vieram a público e declararam que aquilo não passava de alarde, oportunismo de grupos obscurantistas. Os lobbies foram acionados. Isso já havia acontecido antes quando – nos EUA – a sociedade se mobilizou para tentar coletar e demonstrar evidências de que as crianças que vivem sob as redes de alta tensão tinham mais chances de desenvolver leucemia.

Estudos posteriores revelaram uma associação fraca entre exposição aos campos eletromagnéticos e maior risco para distúrbios neoplásicos (baixo potencial carcinogênico). Mas, afirmou o mesmo relatório, ainda era cedo para descartar de vez uma associação epidemiológica que acarreta riscos para a saúde. Ora, mesmo assim parece óbvio que há ainda muito para se descobrir sobre a influência de campos eletromagnéticos nas pessoas. As evidencias podem ainda não ser cabais, mas existem.

A OMS divulgou há alguns dias o potencial carcinogênico no uso de telefones celulares. Ele existe. São pistas importantes, não conclusões definitivas. Merece mais análise, contudo o que leva toda uma sociedade a ficar a mercê dos desmentidos, dos lobbies que favorecem e facilitam que substâncias farmacêuticas e agentes nocivos a saúde circulem impunemente. As evidencias expressas num estudo multicêntrico publicado em relatório volumoso, pelo National Institute of Health (EUA) em 1988, (https://www.niehs.nih.gov/health/assets/docs_a_e/emf1.pdf) sugeriu evidencias fracas entre câncer e exposição aos campos eletromagnéticos, mas desde então jamais descartou que a exposição deixasse de afetar a saúde. Por exemplo, já ali estavam estabelecidas fortes evidências de que campos eletromagnéticos afetam a regeneração de tecidos ósseos.

Quando surgiram evidencias favoráveis em ensaios clínicos de grupos que praticavam meditação o mesmo seletivismo que caracteriza o lobbie cético, reagiu e com contra-estudos sugeriram que aquilo não deveria ser levado a sério. Muitos, estranhamente incluindo famosos psicanalistas, não perdem tempo para desmontar hipóteses que buscam estabelecer uma relação entre estado psíquico e saúde.

O que será que desejam? Por que tamanho reacionarismo? Por que hipóteses paralelas ferem tanto? Qual a ameaça que enxergam?

Há em tudo isso um fenômeno sócio-político a ser considerado. Os céticos parecem só confiar no progresso linear e neutro do desenvolvimento tecnológico. Precisam crer nos rótulos de remédios industrializados, de preferência os que pagam royalties às multinacionais suíças. Mas, para o bem geral, a modernidade trouxe também a maldição da contradição. Ao recorrer à ciência para respaldar suas desconfianças, mas sempre seletivos com as fontes que escolhem, mostram uma convicção que não se adequa ao

ceticismo. Recusar aceitar uma hipótese, malgrado haja problemas de validação científica, não é razoável. Sinto, mas nem tudo pode ser desmontado pelo desejo.

Pesquisas recentes do prêmio Nobel de Medicina, Luc Montaigner1, revelaram informações deixadas pelo DNA de bactérias em nanoestruturas aquosas. Diante deste achado empírico novo rebuliço se estabeleceu, pois a identificação da presença de sinais eletromagnéticos vestigiais nessas preparações mostra que, no mínimo, havia que se reconsiderar os achados – que favoreciam as doses infinitesimais usadas, por exemplo, em preparações homeopáticas -- de 1988 do pesquisador francês Jacques Benveniste. Conclusão: persiste, incólume, o patético desconhecimento dos mecanismos de ação envolvidos neste novo achado empírico. A única saída é continuar pesquisando e admitir que o eletromagnetismo pode apontar um novo caminho para pesquisas científicas, especialmente no campo da saúde humana.

Na história da ciência não é incomum que fenômenos precedam as explicações, as quais podem tardar. Muitas campanhas têm visado à desmoralização das políticas públicas de saúde respaldadas pela Organização Mundial de Saúde. No caso brasileiro, a PNPIC (Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares) -- uma iniciativa transgovernamental e suprapartidária que poderia trazer avanços para a saúde -- é um exemplo de como este bloqueio pode ser eficiente. O interesse dos lobistas não é o de proteger as pessoas, na verdade na maior parte das vezes prestam desserviço à população. Sua missão é fazer os interesses privados prevalecer sobre os coletivos. Quando necessário, insuflam alertas desproporcionais (no evidente e escandaloso caso da gripe suína, menos grave e bem menos letal que a gripe comum) e quando precisam são hábeis na arte de calar(se).

Mas estes mesmos atos, que tentam desqualificar os alertas de risco, paradoxal e involuntariamente, renovam o fôlego para exigir continuidade das pesquisas. Seria muito mais produtivo, quiça menos lucrativo, esmuiçar melhor os conflitos de interesse e fiscalizar a expansão das pesquisas clínicas conduzidas com verbas da indústria farmacêutica e agora da trilionária indústria das telecomunicações.

O recente alerta epidemiológico não pode ser tomado como uma grande novidade: o risco das emissões eletromagnéticas emanadas pelos telefones celulares existe há tempos. Ele só não tinha sido publicado e respaldado pela OMS. E quanto às antenas, um problema com potencial nocivo muito mais grave? E as redes wireless que agora com microfrequências empesteiam todos os ambientes? Como se vê o principal problema está muito longe de ser resolvido.

E como a sociedade pode saber a verdade? Com centros de pesquisas e pesquisadores independentes. Com verba para diagnosticar por que parte dos cientistas se tornou acrítica, submissa ou simplesmente refém dos interesses políticos e econômicos.

Mas é justamente a ciência e a filosofia -- que renunciaram às empáfias e aos dogmas -- que podem apontar os caminhos para superar os disparates. Há que se admitir a provisoriedade de todos os métodos, é a única garantia de não ficar dormindo em zonas

1 Electromagnetic Signals Are Produced by Aqueous NanostructuresDerived from Bacterial DNA Sequence s” Luc Montagnier, Jamal Aissa, Stéphane Ferris, Jean-Luc Montagnier, Claude Lavallee, Interdiscip Sci Comput Life Sci (2009) 1: 81-90

de conforto imaginárias. Como Gadamer e Khun já haviam ponderado, haveria enorme impacto para o conhecimento se pudessemos garantir uma sistemática aproximação entre ciências naturais e humanas.

Precisamos saber a proveniência dos recursos de campanha dos grupos e lobbies assim como temos o direito de saber quem financia toda e qualquer pesquisa.

Perguntaríamos se o lobbie dos céticos concederia espaço para a subjetividade, para as alegrias infundadas ou as preocupações transcendentes do espírito? O movimento cético contemporâneo coloca a ideologia num prisma obtuso, que na verdade favorece o obscurantismo quando aponta para “forças obscurantistas”. Para as ciências da saúde, somente na experiência é que se pode apreender a força da vida.

* Médico, PHd. pós-doutor em Medicina Preventiva pela FMUSP, Pesquisador associado da FMUSP e integrante do Grupo de Pesquisa do CNPq - “Racionalidades Médicas” do IMS- UERJ. É autor do romance “A Verdade Lançada ao solo” (Editora Record)