Dom Eugenio Sales *, Jornal do Brasil
RIO - A Igreja é uma instituição estável convivendo em um ambiente de constante transformação. Eterna em suas notas características, a atuação, entretanto, se desenvolve no tempo. Seu fundador deixou à hierarquia, guiada pelo Espírito Santo, fazer presente ao transitório a mensagem. Em outras palavras, adequar ao momento presente a Boa-Nova. Ora, cada século difere do anterior, a realidade muda incessantemente. Surgem, então, problemas, dificuldades e dúvidas.
Em todo esse quadro, fica patente que a Igreja não fala apenas do amanhã, do futuro; seu papel começa hoje, na vida real de cada fiel. Ela, necessariamente, influencia cada indivíduo e, portanto, a sociedade temporal.
Há uma cosmovisão cristã a iluminar atitudes e a esclarecer sua presença na ordem social. Essencialmente evangelizadora, essa atuação deve ser sempre religiosa, descartando assim a tentação de agir como fator político ou poder dominador. Ministra uma formação à luz do Evangelho, que faculta a cada um, no campo profano, discernir o que está de acordo ou em contradição com o ensino do Mestre. Norteia, pois, as consciências e forma as vontades para que um mundo melhor seja construído. Viver circunscrito às sacristias, para empregar uma expressão usual, seria trair um mandato. Preocupar-se com o material, o econômico, o político, em dimensões meramente terrenas, extrapolando o exemplo de Cristo, também é uma traição. Não se trata de uma fé antropocêntrica, nem alienada do meio onde deve ser difundida.
Difícil viver essa verdade, conservar uma posição de acordo com a doutrina. Por isso, é oportuno, vez por outra, recordar à comunidade eclesial, com algumas considerações básicas, a orientação autêntica que deve nortear a presença do cristão no mundo, os métodos válidos, coerentes com sua fé. Em consequência, facilmente se deduz o que está errado em certas atividades, mesmo que usem títulos respeitáveis.
O discípulo que tem uma verdadeira experiência de Deus vê as injustiças sociais como decorrência da falta original. Na ordem inicialmente estabelecida pelo Criador, elas não existiam. Introduzida a morte como castigo, toda uma sequela de males se lhe ajuntou. Redimido o homem, foi-lhe possibilitada a reconstrução do plano primitivo. As consequências, entre elas a miséria e a opressão, acrescida pelas culpas pessoais, jamais desaparecerão. Com o pecado, elas sempre devem ser combatidas; a vitória final não será no tempo mas na eternidade. Assim sendo, o cristão, diante da problemática social, procura realizar o certo e o possível, apelando para a inteligência e a imaginação iluminadas pela fé.
Em sua ação, tenaz e corajosa, ele compreende a divulgação de uma doutrina que atinge profundamente as estruturas da sociedade. Recordemos alguns de seus postulados. O ensino da Igreja proclama o direito de propriedade, mas dependente do bem comum. A justa distribuição de riquezas é um objetivo que deve ser perseguido. Buscá-la é seguir uma diretriz oriunda do cristianismo. A consciência social e cívica, a preocupação com a pátria e nossos irmãos necessitados, é uma decorrência da fé. Essas grandes linhas constituem meta de todo cristão e são a gênese de uma grande revolução. Acreditamos na força da ideia e na fecundidade da Boa-Nova.
Para nós, mais importante que mudar as estruturas é buscar a conversão das pessoas. Pois, leis excelentes são ineficazes se não há bons juízes. A beleza do Evangelho também não transparece na face de um sacerdote indigno. A denúncia pode ser necessária; uma ação construtiva, evangelizadora, habitualmente produz mais efeitos. A atuação do verdadeiro discípulo do Senhor não se fundamenta em classes mas na comunidade. No primeiro caso, cria-se um clima de oposição e ódio; no segundo, se constrói conforme o Evangelho. Nosso trabalho social deve ter sempre uma motivação religiosa. Por isso, acreditamos na eficácia da ação redentora. Os agentes dessa atividade necessitam ser alimentados pelo Espírito e permanecer unidos, em comunhão com seus pastores.