Marcello Victor, Agência JB
RIO - Foram 32 anos de atividades dedicadas integralmente ao Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Mas, o pijama, ou melhor, a geladeira chegou para Marcos Aurélio Carlos da Silva, de 56 anos. Comandante do Grupamento Marítimo (G-Mar) por 20 anos e chefe do Estado-Maior da corporação nos últimos dois, o coronel Marcos Silva aguarda resignado sua transferência para a reserva.
Triste e magoado, Marcos Silva enalteceu a corporação, relembrou a queda do Palace II e disse ter feito mais amigos na imprensa, da qual recebeu o apelido de 'Coronel Pingüim', do que na própria corporação.
- É como você ter uma namorada, ela gostar de outro e o outro levar. A minha namorada era o Corpo de Bombeiros e me tiraram ela. Você acaba sentindo. Só me resta sofrer no meu canto, desabafou Marcos Silva, descartando qualquer tipo de dramatização ou apelação em da situação em que vive.
Casado profissionalmente com o Corpo de Bombeiros desde 1974, o coronel diz nunca ter usufruído da licença especial de seis meses, benefício concedido ao servidor militar após dez anos, devido a sua dedicação quase que integral a carreira de combatente do fogo, tendo, segundo ele, colocado a corporação à frente da própria família.
- Eu só queria ter o orgulho de continuar envergando a minha farda para ajudar a população do Rio de Janeiro - disse.
Segundo o coronel Delson Pinto dos Santos, diretor-geral de Pessoal do Corpo de Bombeiros, o processo de efetivação da reserva de Marcos Silva ocorreu automaticamente quando ele foi exonerado da função de chefe do Estado-Maior da corporação, no início de 2007. Como atingiu seis anos como coronel de maior patente - o chamado FUL - e já havia completado 30 anos de efetivos serviços prestados, teve que ser transferido para a reserva remunerada, conforme determina o Inciso II, da Lei Estadual nº 885, de 25 de julho de 1985.
- Queria deixar registrado que todos nós temos um enorme carinho pelo coronel Marcos Silva. Ele é uma referência por tudo que fez e dos serviços prestados a corporação. Lamentavelmente não podemos deixar de cumprir a lei, concluiu o coronel Delson Pinto.
Difícil rotina
Fora do Corpo de Bombeiros, a rotina, pelos menos de exercícios, ainda é mantida por Marcos Silva.. De segunda a segunda após a leitura diária de jornais e do café da manhã, o ex-comandante do G-Mar, que realizou 9.200 salvamentos nas praias do Rio, pedala cerca de um quilômetro e nada três na Barra da Tijuca, além praticar outros exercícios complementares.
- Tô preto, tô crioulo e mais magro contou , referindo-se ao sol e afirmando que perdeu cerca de oito quilos desde o início do ano.
Após o almoço, composto apenas de frutas, Marcos Silva descansa e costuma ir ao mercado. A rotina só é alterada quando o neto João Lucas, fruto do casamento de sua filha Monique com Juan, ex-zagueiro do Flamengo, atualmente na Roma da Itália e na seleção Brasileira, está no Brasil. A prática da caridade é mais nova descoberta de seus dias de geladeira.
- Eu não tinha tempo. Uma das coisas que me faz bem é dar comida a quem tem fome, disse sem detalhar que tipo de ajuda tem praticado para com os mais necessitados. Mas, a corporação não fica muito tempo longe da mente do oficial. - Sinto falta mesmo é das operações que fazia no Corpo de Bombeiros, relembra.
Uma das tantas recordações de seu tempo na ativa, segundo Marcos Silva, é de sua relação com a imprensa. No fim da década passada, sua participação em resgates de pinguins nas praias do Rio, o levou a ser apelidado pelos jornalistas que cobrem o dia-a-dia da cidade de 'coronel pinguim'. Desde sua saída, as aves da Antártida não foram mais vistas.
- Elas estão solidárias a mim lá na Patagônia. Isso significa que pude cuidar bem dos animais enquanto me relacionei com eles, brinca o 'coronel pinguim', dizendo que assimilou bem o apelido, em um dos poucos momentos de descontração.
Herói do Palace II
Ex-morador do condomínio Palace II, na Barra da Tijuca, que desabou no carnaval de 1998, deixando oito mortos e 120 famílias desabrigadas, ele ainda aguarda a decisão do processo coletivo indenizatório contra o ex-deputado federal e dono da construtora Sersan , o engenheiro Sérgio Naya.
- Não aceitei acordo com o marginal, esbravejou referindo-se a Sérgio Naya.
No dia do desabamento, Marcos Silva ficou sozinho no prédio por cerca de uma hora e meia arrombando apartamentos para verificar se alguém ainda estava dentro dos imóveis da construção que ameaçava cair.
- Faltavam três ou quatro andares para chegar ao 22º quando um sargento veio me avisar que o engenheiro tinha chegado para avaliar o prédio. Quando eu cheguei no térreo o prédio desabou. Se estivesse continuado lá dentro teria morrido. Perdi tudo. Fiquei de chinelo e calção, relembrou.