Justiça proíbe Prefeitura de reduzir repasses aos consórcios por falta de ônibus ou ar-condicionado

Com a decisão favorável aos consórcios, os empresários receberam, no início da semana, R$ 3,3 milhões que seriam cortados

Por GABRIEL MANSUR

23% dos ônibus da cidade do Rio rodam sem ar-condicionado

O Poder Judiciário do Rio de Janeiro concedeu uma liminar, no início deste mês, que impede a Prefeitura do Rio de punir os consórcios que operam as linhas de ônibus da cidade por falta de estrutura. Na prática, a Justiça proibiu o município de reduzir o subsídio repassado às empresas por elas terem rodado com a frota abaixo da determinada e com veículos sem ar-condicionado. A informação é do jornal O Globo.

São quatro consórcios: Intersul (Zona Sul), Internorte (Zona Norte), Transcarioca (Barra e Jacarepaguá) e Santa Cruz (restante da Zona Oeste). Segundo a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR), dos 4.285 carros, 990 ainda operam sem ar, isto é, 23%. O quociente está acima dos 20% acertados em decreto de maio do ano passado.

Com a decisão favorável aos consórcios, os empresários receberam, no início da semana, R$ 3,3 milhões que seriam cortados. No total, o repasse foi de R$ 32,5 milhões, valor relativo à última quinzena de julho. O município já recorreu da sentença.

"Decisões assim inviabilizam que o serviço melhore para o cidadão, que paga o subsídio (por meio de impostos), E as concessionárias não têm qualquer obrigação de ter um serviço de qualidade", criticou o prefeito Eduardo Paes.

A decisão foi da juíza Alessandra Cristina Tufvesson, titular da 6ª Vara de Fazenda Pública, que entendeu os argumentos dos consórcios. Já o Ministério Público ficou do lado da Prefeitura. Ambos entendem que, como concessionários, os consórcios devem oferecer serviços de qualidade e com conforto para os usuários, o que justificaria os bloqueios.

Além de impedir cortes de subsídios, a liminar também suspende os efeitos de uma determinação do prefeito Eduardo Paes (PSD) para que todos os coletivos municipais sejam equipados com sensores de temperatura automatizados, o que permitiria uma fiscalização mais efetiva do Executivo. Sem esse monitoramento remoto, o acompanhamento depende de agentes constatarem a irregularidade nas ruas.

"Estamos à espera da análise do recurso. A questão do ar-condicionado já está contratualmente resolvida desde que o custo do serviço foi embutido no cálculo das tarifas. Os bloqueios (glosas) foram estabelecidos com base na autonomia da prefeitura em regulamentar a fiscalização dos contratos", explicou o procurador Geral do Município, Daniel Bucar.

Somente em 2023, foram aplicadas 6.261 multas contra os consórcios, que totalizaram R$ 3,9 milhões, incluindo falta de carros nas linhas, problemas com climatização, conservação da frota entre outras. Destas, somente 14, no valor total de R$ 12.696, foram pagas. Há mais de R$ 1,5 milhão de multas em aberto.

Em 2022, a situação não foi diferente: de 49.701 multas aplicadas (total de R$ 101 milhões), os consórcios só pagaram 53, totalizando o valor de R$ 62.311.

Procurado, o Rio ônibus, que representa as empresas de ônibus da cidade, preferiu não se manifestar.

Entenda o caso

Em maio do ano passado, empresas e prefeitura fizeram um acordo na Justiça. O acordo foi celebrado em processo do Ministério Público ainda em andamento que pede que os contratos de concessão com os consórcios, firmados em 2010, sejam declarados extintos (caducidade). A base do MP foram dezenas de reclamações sobre os serviços prestados pelos consórcios ao longo dos anos que também motivaram a abertura de ações.

"O acordo permitiu que outras questões que eram tratadas na ação fossem resolvidas. Uma delas era da climatização, que deveria ter sido concluída em 2016. O que está em jogo aqui é se o poder público terá ou não mecanismos para fiscalizar se os serviços têm qualidade. Se esses instrumentos são suspensos pela Justiça há um perigo de retrocesso na recuperação dos serviços de ônibus", explica o promotor Rodrigo Terra

A partir desse trato, o governo passou a subsidiar parte da tarifa e pagar uma quantia por quilômetro rodado por cada ônibus. Em troca, os consórcios se comprometiam a restabelecer linhas e colocar nas ruas a frota estabelecida pelo município.

Em dois decretos e uma regulamentação posteriores, a prefeitura estabeleceu parâmetros para fazer esses repasses: 80% dos ônibus deveriam estar nas ruas e com ar-condicionado. Caso contrário, haveria cortes nos subsídios.

Esse acordo garantiu às empresas um aporte de R$ 610 milhões em 14 meses (de junho de 2022 até julho de 2023), uma média de R$ 43,5 milhões por mês. Mas o descumprimento das metas tirou do bolso dos empresários R$ 60,7 milhões nesse período, o que levou o setor à Justiça. Eles alegam que essas regras não estavam no acordo judicial.

O sindicato afirma que o acordo judicial tinha entre os objetivos atualizar o valor da tarifa, o que, segundo ele, deveria ter ocorrido em 2016. Ainda segundo o sindicato, outras perdas foram contabilizadas, inclusive a redução de passageiros transportados na pandemia. E nesse processo, a prefeitura concordou em alterar a regra contratual.

As empresas, que antes dependiam apenas da receita com passagens, passaram a receber subsídios com base na quilometragem percorrida e em um complemento pelo custo da chamada "tarifa técnica", que está em R$ 6,20. Para o usuário, a passagem sai por R$4,30.