A pele alvo. Pesquisa da UFF mostra que polícia aborda mais negros e pardos
Estudo aponta que 68% das pessoas abordadas andando a pé e 71% no transporte público são negras
Ser negro no Brasil é motivo para ser enquadrado - ou morto - como suspeito. É o que aponta a pesquisa desenvolvida pelo policial militar Leonardo Fernandes Hirakawa, durante pós-graduação em Sociologia na Universidade Federal Fluminense (UFF): “Desvendando a cor padrão: O viés racial na seleção do suspeito na Operação Segurança Presente”. Leonardo é major da PM do Rio de Janeiro e quis estudar como ocorre o racismo na seleção do suspeito em atividade policial.
A questão do racismo na abordagem policial é objeto de estudos desde que o mundo é mundo. Um desses levantamentos, coordenado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec) e intitulado “Negro trauma: racismo e abordagem policial na cidade do Rio de Janeiro”, aponta que 68% das pessoas abordadas andando a pé e 71% no transporte público são negras, ainda que pretos e pardos somem 48% da população do estado. Os dados revelam que os suspeitos escolhidos pela polícia possuem um "biotipo suspeito", por assim dizer, gerando um ciclo vicioso no sistema de justiça.
O trabalho de Leonardo Fernandes Hirakawa segue esta linha e se vale do conhecimento do tema a partir da experiência como policial. O termo "cor padrão", por exemplo, que aparece no título da dissertação, é usado no dia a dia dos agentes de segurança do estado.
- Essa é uma terminologia que já foi usada, em termos informais, na comunicação entre policiais. Não importava se o policial era negro ou branco, sempre perguntavam qual era a cor, a característica do suspeito, e então se respondia ‘a cor padrão’. Com isso, já se sabia que era negro – afirma.
Resultados do trabalho de campo realizado por Leonardo reforçam o argumento de que há um estereótipo quanto à escolha de quem será abordado. Das 1.217 abordagens analisadas, os dados revelaram que o meio de transporte utilizado pelos "suspeitos" entre aspas é um fator importante a ser considerado. Isso porque um percentual maior de indivíduos pretos e pardos foi abordado quando andava a pé (68%), em comparação com indivíduos brancos na mesma situação (40%).
Uma quantidade maior de brancos (50%) foi abordada quando andava de moto, em comparação com pretos e pardos (24%). De acordo com o estudo, isso poderia sinalizar que indivíduos brancos são mais frequentemente abordados por estarem de moto do que pela rotulagem de sua aparência. Soma-se a isso o fato de que a polícia identifica esse meio de transporte como o favorito dos praticantes de crimes de assalto ou roubo. Já os indivíduos pretos e pardos parecem ser abordados exclusivamente em razão de sua aparência física.
O levantamento ratifica um outro estudo que reforça a prática racista entre os policiais: de acordo com o último Atlas da Violência, publicado em 2021, quase 80% das pessoas que morrem em confrontos com a polícia no Brasil são negras. O estudo aponta ainda que os negros são a maior população carcerária no país.
Negro trauma
A dissertação de Leonardo possui como foco a Operação Segurança Presente (OSP), na unidade instalada no Recreio dos Bandeirantes, mas diante de uma situação que se repete em todo o País. De acordo com a orientadora Verônica Toste, a base se vale de grupos de Whatsapp para se comunicar com a comunidade, divulgando informações de interesse da operação e recebendo comunicados de supostos crimes ocorridos na região.
E isso “cria um mecanismo, uma linha direta entre policial e morador, na qual o residente pode dar vazão a todo o seu racismo, como ao presumir que as pessoas, por estarem utilizando o espaço público, estão cometendo crimes. É uma subversão total do espírito constitucional, da igualdade, da isonomia, dos direitos constitucionais que estabelecem que a segurança é um direito de todos”, observa Verônica.
Segundo o estudo, um outro fator que corrobora a manutenção de práticas racistas é a alta demanda sobre o número de abordagens para que o policial seja mantido no posto. “Quem são essas pessoas que vão ser abordadas? É o preto, o pardo e o pobre. Independentemente de o policial ter uma aversão a pessoas negras ou não, ele vai abordar as pessoas que enxerga como pobres para evitar problemas pra ele. Tal fato é ainda mais intensificado ao levar em consideração que a OSP é um trabalho extra realizado por policiais que precisam da renda, necessidade fortemente atrelada à desvalorização da profissão”, sustenta Verônica.