RIO

Museu Nacional: Deputados denunciaram ‘irregularidades gravíssimas’ à CGU

Parlamentares exigem a suspensão das obras do Museu; apontam a possibilidade de triangulação e favorecimento ilícitos, envolvendo ex-coordenador técnico do Iphan que autorizava a prestação de serviços

Por JORNAL DO BRASIL com Diário do Rio

Publicado em 17/08/2022 às 08:31

Alterado em 17/08/2022 às 08:36

Museu Nacional Foto: Raphael Pizzino/Coordcom/UFRJ

Patricia Lima - No dia 13 de agosto, o Diário do Rio repercutiu o editorial do centenário Jornal do Brasil, publicado no dia anterior, que colocava sob suspeição as obras de reconstrução do Museu Nacional, instituição até agora administrada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e que funciona em bem tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Como se sabe, o Palácio de São Cristóvão, em 2018, foi quase totalmente destruído, assim como o seu acervo. No texto, que circulou pelo país todo e foi um dos mais lidos da semana, destacou-se que as possíveis irregularidades estariam disponíveis a todos em processos de livre consulta pública. Vale notar que, conforme noticiou o jornalista Lauro Jardim n’O Globo, em 20/04/2021, no incêndio na reitoria da UFRJ em 2021 queimou….o processo do Museu Nacional, assim como “toda a papelada” dos “processos administrativos, compras e licitações” referentes ao lindo palácio. Uma infeliz ‘coincidência’.

Agora, Diário do Rio teve acesso ao ofício conjunto 0020/21 da Câmara Federal: intitulado “Possíveis irregularidades em contratações do Museu Nacional/UFRJ”, o oficio foi enviado por um grupo de deputados, liderado por Chris Tonietto (PL), ao ministro Wagner de Campos Rosário, da Controladoria-Geral da União (CGU), ainda em novembro de 2021. No documento, os deputados destacaram ter tido acesso a denúncias de que “irregularidades gravíssimas” estariam acontecendo no processo de ”reconstrução” do antigo Palácio Imperial brasileiro, através de “projetos, atos e decisões tomadas por parte da gestão” do Museu Nacional, que é feita pela UFRJ. O ofício de certa forma vem corroborar o editorial do JB; além deste ofício, tivemos acesso ao relatório de fiscalização, de 93 páginas, do TCU, que é uma verdadeira auditoria com a finalidade de apurar as falhas de gestão da UFRJ, no caso do incêndio do Museu do Paço de São Cristóvão, ainda dirigido – até hoje – por Alexander Kellner.

Segundo os deputados federais, das prováveis irregularidades apresentadas, das mais graves seria a relação de parentesco entre os representantes da empresa prestadora dos serviços e o então responsável pela fiscalização destes mesmos serviços, que concederia a permissão para a realização das intervenções, além de citarem uma possível triangulação de interesses entre os envolvidos no suposto esquema. De acordo com o documento assinado por 15 deputados federais, os fiscalizados seriam nada menos que sogros do fiscal. “Após o incêndio, os Srs. Cyro Ilídio Correa de Oliveira Lyra e Silvia Nunes de Oliveira Puccioni, sob contrato da Universidade, produziram propostas e orientações para a reconstrução do Museu Nacional, propostas e orientações estas que seriam aprovadas pelo então coordenador técnico do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan/RJ, o Sr. Paulo Eduardo Vidal Leite Ribeiro. Ocorre que, segundo a denúncia, os Srs. Cyro Ilídio Correa de Oliveira Lyra e Silvia Nunes de Oliveira Puccioni, enquanto representantes da empresa contratada pela UFRJ/Museu Nacional para elaborar diretrizes e projetos após o incêndio, seriam os sogros do referido Sr. Paulo Eduardo Vidal Leite Ribeiro que, enquanto coordenador técnico do Iphan/RJ, era o responsável pelas aprovações, além de supostamente ser genro dos proponentes”, afirmaram os parlamentares ao ministro da da CGU.

 

Os processos são públicos

Ainda segundo os deputados, tais irregularidades poderiam ser identificadas no processo de livre consulta pública, nº 01500.004284/2019-53 do Iphan, onde, seria ainda verificada a triangulação relacional entre sogros contratados pela Tecnische e o genro fiscal na condução das obras, no âmbito dos ofícios 1529258, 1529486 e 1529646. De acordo com os congressistas, no mesmo processo, o “então coordenador técnico do Iphan-RJ (ofício nº 1669654) é quem dá sua aprovação às propostas apresentadas pelos supostos sogros. Igualmente, o Museu Nacional/UFRJ apresenta o projeto de restauração do bloco 1, de autoria dos supostos sogros representando a empresa contratada pela Universidade, para avaliação do Sr. Paulo Eduardo, o suposto genro, que então representava o Iphan/RJ”, denunciam os mandatários em sua solicitação à Controladoria. Até o momento, a denúncia segue sem uma conclusão conhecida.

Ao responsável pela CGU, Wagner de Campos Rosário, os congressistas solicitaram a averiguação urgente da suposta relação parental e triangulação de interesses, entre Cyro, Silvia e seu genro Paulo. Eles solicitaram ainda a investigação sobre a capacidade técnica da empresa contratada pela UFRJ para a realização de obras milionárias de tamanha importância histórico-social. “Faz-se necessário também averiguar se essa triangulação sucedeu em algum tipo de favorecimento, tendo em vista que não está disponível para a análise pública, em sua totalidade, a documentação que comprovaria a aptidão técnica desta empresa, a Technische Engenharia e Consultoria Ltda inscrita no CNPJ/MF 08.076.692/0001-63, vencedora do RDC Eletrônico 03/2019, contratada pela Universidade, e que trouxe os supostos sogros para o centro das tratativas, como representantes”, reforçaram os deputados no documento. A empresa tem sede em uma sala na rua Alcindo Guanabara, 24 e existe desde 2006, e segundo o Portal da Transparência, recebeu um total de R$ 4.653.100,03 em recursos federais nos últimos 7 anos, quase todos eles relacionados a palácios, museus e bens tombados, como o Palácio Rio Negro e o Instituto Benjamin Constant. Cyro e Silvia não são sócios da empresa, mas representam a empresa na “consultoria em restauração arquitetônica” e “restauração estrutural”, respectivamente.

 

Macaque in the trees
. (Foto: Diário do Rio)

 

Macaque in the trees
. (Foto: Diário do Rio)

 

Em caso de confirmação de tais ilícitos, os políticos pediram a suspensão imediata das controversas intervenções feitas no Museu Nacional, até que todas as situações nebulosas sejam esclarecidas. Para eles, “caso confirme-se a relação parental e a triangulação dos envolvidos, que se SUSPENDA todos os andamentos dos processos presentes de contratação e restauração e se PARALISE, desde já, TODAS AS ATIVIDADES DE RECONSTRUÇÃO DO MUSEU NACIONAL EM CURSO até que seja verificada a lisura das contratações e sanados todos os possíveis ilícitos, tendo em vista tratar–se da mesma gestão do Museu Nacional desde o fatos narrados logo após o incêndio até a presente data, havendo, portanto, possibilidade de continuidade de possível vício na origem que tenha eventualmente se alastrado às decisões e contratações subsequentes desde então”.

Os congressistas, por fim, enfatizaram que, caso tais ilícitos perdurem, será necessário o afastamento do administrador do Museu Nacional/UFRJ e também do então Coordenador do Iphan-RJ, até que as investigações sejam encerradas e a população seja esclarecida sobre os rumos tomados com o seu dinheiro e com o seu patrimônio. Como se sabe, o BNDES está para enterrar um caminhão de dinheiro público em obras no Palácio que, segundo revelado, sequer será restaurado conforme sua aparência original.

 

Macaque in the trees
Caderno de Orientação da Obra do Museu Nacional, no qual constam Cyro e Silvia como consultores da Technische, e abaixo, o fiscal, seu genro, segundo o ofício dos deputados federais (Foto: Diário do Rio)

 

Macaque in the trees
. (Foto: Diário do Rio)

 

“Caso haja continuidade no erro, maior será o prejuízo para o erário público que possa vir a ser irreversível e, se necessário for, que se afastem temporariamente até o fim das investigações, o gestor do Museu Nacional/UFRJ e o então Coordenador do Iphan-RJ que supostamente deram causa a tais irregularidades e, também, caso se confirme algum indício de ilegalidade, notifiquem-se as autoridades responsáveis para as apurações penais”, finalizaram no documento.

O Diário do Rio teve acesso a um relatório do Tribunal de Contas da União, com 93 páginas, em que pode-se ler, claramente, que a UFRJ foi negligente e desidiosa: ”Em face das condutas desidiosas e negligentes consubstanciadas no inadequado controle documental do acervo, inclusive de sua segurança, bem como na falta de segurança das instalações prediais, em especial, no que tange à ausência de prevenção, detecção e combate a incêndio foram realizadas propostas de audiência dos responsáveis, sem prejuízo da formulação de propostas de recomendações e determinações à UFRJ e a outros órgãos federais e estaduais, com vistas à imediata correção de falhas e impropriedades, no intuito de mitigar ocorrências semelhantes em outros museus e demais edificações tombadas pelos órgãos competentes.” o enorme e contundente relatório integra o processo TC 033.784/2018-3 no TCU. 

Conseguimos acessar processos diversos em a empresa Resgate Consultoria em Patrimônio, da qual Silvia e Cyro são sócios, e existe desde 2012, atuou como contratada ou subcontratada em projetos de restauração. No processo 01500.002493/2019-62, que versa sobre a produção de um documento técnico sobre as Fortalezas de Santa Cruz da Barra, em Niterói, é o próprio Paulo Vidal, na condição de coordenador técnico do Iphan/RJ, a ratificar a proposta de menor preço dos sogros, e solicita sua contratação. A empresa atuou também no Convento do Carmo, no palácio da Fiocruz e na casa de Rui Barbosa, tendo recebido, segundo o portal da transparência, R$ 498.150,00 em recursos federais.

 

Saudades de Paulo Vidal, ‘Fiscalização Esquisita'

Procurado pela reportagem, o ex-coordenador técnico do Iphan, Paulo Vidal, não quis se pronunciar. Atualmente, exerce a função de fiscal do órgão; verificamos que Vidal foi retirado da função de fiscalizar as obras do Palácio pela atual superintendência do órgão, substituído por Claudia Ardions. Numa reportagem de O Globo em 21/05/2021, o diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, admitiu sentir saudades dos tempos em que Vidal era o representante do Iphan junto ao Museu: “Nós temos saudade de quando o Iphan era um parceiro do Museu Nacional, nós queríamos que isso fosse recuperado. Hoje, são documentos parados, reuniões que eles não vão, não marcam, fiscalização esquisita. Ele não está sendo o parceiro do Museu Nacional que era até meados do ano passado [2020]”. Há quem diga que fiscalização de verdade é sempre uma coisa “esquisita”.


Histórico de Incêndios em imóveis sob administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro

20-Abr-2021: Incêndio no edifício da reitoria da UFRJ – Este incêndio teria queimado muita documentação e arquivos com informações que poderiam ajudar a elucidar diversos fatos importantes.

02-Set-2018: Incêndio total do Palácio da Quinta da Boa Vista/ Museu Nacional

15-Ago-2018: Explosão no laboratório de metalurgia do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe). Três feridos

25-May-2018: Incêndio no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Hospital do Fundão)

02-Ago-2017: Incêndio no Alojamento do Fundão. Quatro feridos

03-Out-2016: Incêndio no 8º andar do Edifício Reitoria da UFRJ

10-Dez-2014: Incêndio no Centro de Ciências da Saúde (CCS-UFRJ)

10-Set-2012: Incêndio do prédio da Faculdade de Letras da UFRJ

28-Mar-2011: Incêndio da Capela São Pedro de Alcântara e Almoxarifado da Faculdade de Educação

Tags: