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Crítica de Teatro: Thérèse Raquin

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Thérèse Raquin Cotação: * (Regular)

A primeira questão que se coloca para alguém que vai adaptar um romance para teatro é a manutenção ou não de um ponto de vista narrativo, organizador do discurso, ou seja, o adaptador é obrigado a deparar-se logo de início com uma escolha: o resultado a ser apresentado no palco irá propor a exclusão do narrador ou, ao contrário, irá mantê-lo como parte integrante da futura construção dramatúrgica ? Nos últimos vinte anos, os palcos cariocas têm recebido com bastante freqüência adaptações de originais não-dramáticos, e boa parte delas se propõem a estudar os limites do drama através do jogo com a autoridade discursiva, que ora se apresenta diretamente, ora se esconde através de uma postura descritiva proposta por um realismo mais fechado.

Thérèse Raquin, romance de Émile Zola, primeiramente lançado em capítulos num periódico parisiense, recebeu em sua segunda edição, já como livro, um prefácio no qual o autor francês defendia a ideia de que seu trabalho se constituía um estudo analítico do temperamento e não do caráter, chegando a afirmar que havia escolhido mostrar pessoas privadas de livre arbítrio, impelidas pelos instintos, “Thérèse e Laurent são seres brutos, e eu os segui passo a passo no impulso de suas paixões”, afirmou ele. Com isso, estavam sendo lançadas as bases do Naturalismo. Utilizando a adaptação de Nicholas Wright do conhecido romance de Émile Zola, baseada na própria peça do autor francês sobre seu original narrativo, a Cia. Limite 151 nos apresenta no palco da Casa de Cultura Laura Alvim um tipo de teatralização em que se elimina a figura do narrador e o discurso épico-narrativo, propondo uma cena realista fechada, em que se prioriza a trama em torno do assassinato do personagem Camille e o suspense que as conseqüências desse acontecimento produzem no desenrolar da ação.

Assim, todas as ideias propostas por Zola no romance sobre o que seria liberdade, aprisionamento e paixão adquirem aqui um papel menos relevante, concentrando-se o foco da montagem na análise da hipocrisia de um determinado grupo social e na culpa gerada pelo crime. Tudo isso a partir de uma dramaturgia que não aprofunda a subjetividade das personagens, que trabalha exclusivamente com o jogo interpelativo direto. Essa opção, com certeza, apesar de ser coerente com a proposta de realismo do texto original, empobrece o resultado da peça como um todo, pois todas as considerações do narrador do romance sobre o drama interior das personalidades que analisa se perdem.

No que diz respeito à direção, o trabalho realizado por João Fonseca funciona de maneira proveitosa no que se refere à criação e à exploração de suspense; no entanto, não consegue fugir a certo artificialismo resultante da estrutura formal do texto com o qual trabalha, que acaba prejudicando também o trabalho do elenco como um todo. Glaucia Rodrigues, Lucci Ferreira e Rodolfo Mesquita constroem personagens razoavelmente críveis, mas pouco apaixonantes. Edmundo Lippi, Janaína Prado e Rogério Froes exploram a ironia de toda a situação a partir de um acento cômico um tanto exagerado. O contraponto dessa postura com a seriedade do drama interior vivido por Laurent e Thérèse cria, por vezes, um resultado patético, próximo ao melodrama. O tom melodramático se instala principalmente a partir da cena em que Madame Raquin descobre a verdade sobre a morte de seu filho.

O trabalho de Suzana Faini como a mãe superprotetora, dura e melancólica é razoavelmente correto, mas não consegue situar de maneira clara o contexto psicossocial de sua personagem, problema que Gláucia Rodrigues e Lucci Ferreira também enfrentam. Quanto aos cenários de Natália Lana e Nello Marrese e aos figurinos de Ney Madeira, Daniela Vidal e Pati Faedo, pode-se dizer que carecem de uma autenticidade maior, não chegando a contribuir de maneira especial para a recriação da atmosfera do romance no palco.

Thérèse Raquin é uma montagem que poderia atrair o interesse do público para a obra de Zola, mas o tipo de adaptação proposta acaba por esvaziar o impacto da narrativa original.