POLÍTICA

Diante da crise política, o que esperar do discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU 2021?

Daqui a cinco dias o Brasil estará mais uma vez presente na Assembleia Geral da ONU com seu tradicional discurso de abertura. Entretanto, com a crise institucional e econômica instalada no país, como será o posicionamento brasileiro na organização?

Por JORNAL DO BRASIL
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Publicado em 16/09/2021 às 08:14

Alterado em 16/09/2021 às 08:14

Presidente Jair Bolsonaro discursa na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, 24 de setembro de 2019 Foto: Folhapress / William Volcov

Na próxima terça-feira (21), o presidente Jair Bolsonaro discursará na abertura da Assembleia Geral da ONU em Nova York. Após sua eleição em 2018, o presidente já discursou na assembleia em 2019 e 2020.

Entretanto, as pautas discutidas dessa vez serão um pouco diferentes, especialmente pelo contexto pandêmico no qual se vive hoje. Possivelmente, o chefe do Executivo brasileiro falará sobre a diplomacia da saúde, a retomada da economia após a pandemia e o meio ambiente.

Outros pontos podem ser abrangidos no discurso do presidente, como alguma nova menção à Venezuela, a recente concessão de vistos humanitários no Brasil para afegãos que fogem do Talibã (organização terrorista proibida na Rússia e em diversos países) e a recente eleição do Brasil para uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, de acordo com informações da 'Veja'.

O professor Antonio Gelis Filho, professor de Estratégia Internacional e Geopolítica da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP, conta que, desde 1947, o Brasil tem tradição de abrir os discursos na Assembleia Geral da ONU, e que dessa vez quem vai redigir o texto é o chanceler Carlos Alberto França. Visto isso, Gelis-Filho espera que o tom seja moderado, uma vez que vai ao encontro da condução discreta que o novo chanceler está fazendo.

"Um discurso equilibrado na sua forma, gentil, incisivo e batendo forte na soberania da Amazônia", disse em entrevista à agência de notícias Sputnik Brasil.

Entretanto, o especialista ressalta que o discurso pode ser elaborado por Carlos França, mas não se sabe se "haverá eventuais enxertos no texto adicionados pelo presidente", o que pode "gerar dúvidas" e mudar o teor da mensagem.

Adicionalmente, o analista diz que a nota escrita pelo ex-presidente Michel Temer e divulgada por Bolsonaro, intitulada "Declaração à Nação", foi "um evento inédito até então nunca visto na política brasileira", o que poderia evidenciar um "Bolsonaro fragilizado".

Sobre o destaque dado à Amazônia anteriormente, Gelis-Filho acredita que, além das questões ambientais, o Brasil precisa mostrar sua capacidade de gerenciamento da floresta, uma vez que tem sido posto em xeque a soberania brasileira na região por outros líderes, como o da França, Emmanuel Macron.

"O Macron decidiu palpitar, de uma forma no mínimo deselegante, sobre a Amazônia, que para mim sugeriu ser uma pessoa que tem muito pouca compreensão geopolítica. […] Espero, então, uma fala forte nesse sentido e da forma como vejo é necessário que seja assim. Há questões de meio ambiente, mas daí começar a duvidar da capacidade do Brasil de gerenciamento é algo que não pode ficar sem resposta do governo brasileiro", elucidou.

Em relação ao coronavírus, Gelis-Filho tem a expectativa de que a fala seja "mais equilibrada do que se pensa", e que possivelmente o presidente "não terá um discurso negacionista", pois "apesar de gostar de algumas bravatas em momentos críticos, ele [Bolsonaro] recua rapidamente, como aconteceu recentemente".

Discurso de líderes mundiais em relação ao Brasil

Na segunda-feira (13), durante a abertura da sessão do Conselho de Direitos Humanos, a alta comissária para direitos humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet, chamou a atenção para as ameaças às populações indígenas e aos ativistas no Brasil, e descreveu um cenário de "séria preocupação".

"No Brasil, […] as tentativas de legalizar a entrada de empresas em territórios indígenas e limitar a demarcação de terras indígenas [marco temporal], notadamente por meio de um projeto de lei que está em análise na Câmara dos Deputados, também são motivo de séria preocupação", disse Bachelet.

Indagado se a manifestação da alta comissária pode alterar o discurso do presidente no próximo dia 21, Gelis-Filho diz que "não pela fala dela. A situação que o Chile se encontra hoje é complexíssima e ela tem perdido um pouco do protagonismo".

"A influência da Bachelet, hoje, é uma influência de um certo universo da comunidade internacional que gira muito em torno de alguns setores da mídia que têm uma importância relativamente pequena na política real."

Além disso, Gelis-Filho considera que, mesmo com a importância da fala sobre danos planetários, "esse é um discurso que custa muito pouco politicamente", salientando que "pode ser uma forma de escapar de discussões internas do próprio país".

"[O discurso sobre danos planetários] permite que líderes da política internacional, especialmente líderes que não estejam em cargo de poder efetivo, se mantenham em alta sem que isso implique, necessariamente, em custo interno. Então me chama atenção o quanto ela se dedicou ao Brasil e menos aos problemas de água no Chile que são seríssimos, por exemplo", elucidou o especialista.

Gelis-Filho ainda destaca que, apesar da legítima preocupação com o meio ambiente que líderes mundiais proferem atualmente, as falas ambientalistas focadas "no vizinho" são convenientes.

"Se o Macron falar sobre meio ambiente na França, ele vai arrumar briga imediatamente. […] Quando você remete isso a um alvo que já está condenado por seu posicionamento polêmico, como o presidente Bolsonaro, ele se torna um alvo confortável. […] É uma forma barata de se manter em evidência."

Brasil tem mesmo intenção de focar em questões climáticas?

Na mesma viagem a Nova York, pode ser que Bolsonaro tenha um encontro com o secretário-geral da ONU, o português António Guterres. Também está nos planos do Itamaraty a participação em um evento sobre mudanças climáticas.

Perguntando se a reunião ocorrer – em conjunto ao panorama mundial de apreensão ante as mudanças climáticas – se pode fazer com que o Brasil realmente invista no discurso ambiental e foque no tópico do aquecimento global, Gelis-Filho julga que sim, uma vez que "não demonstrar interesse tem um custo geopolítico para o Brasil inaceitável, principalmente na questão da Amazônia […] e o presidente está bem orientado quanto a isso".

O especialista também cita o vice-presidente Hamilton Mourão e diz que "tem um texto muito forte que o vice-presidente postou recentemente no Twitter com a frase 'a Amazônia não é o jardim zoológico do mundo'. Um texto muito sensato geopoliticamente querendo dizer 'olha, são 25 milhões de brasileiros na Amazônia, nós precisamos de desenvolvimento sustentável para podermos ter preservação'".

"É inaceitável para o Brasil que a região se torne supervisionada pela comunidade internacional […] acho que o presidente está agora mais esclarecido a respeito do tema."

Afeganistão e concessão de vistos brasileiros

Recentemente, o governo brasileiro decidiu dar abrigo para afegãos que fogem da situação em Cabul devido à tomada do poder por parte do Talibã, conforme noticiado.

Gelis-Filho acredita que a medida mostra "uma pequena elogiável ação humanitária brasileira", mas cita que "o Brasil não é responsável por essas pessoas, e sim os países da Otan que ocuparam o país afegão durante tanto tempo".

Além desse fato, o especialista salienta que o Brasil se encontra em uma crise econômica intensa, e não teria condições de abarcar, mesmo com sua diplomacia amistosa conhecida há tanto tempo, um grande número de refugiados.

Venezuela

O professor espera que Bolsonaro cite a questão da Venezuela em seu discurso, mas não pode afirmar em que formato essa citação vai acontecer.

Entretanto, se o tópico "não estiver lá" isso demonstraria, na visão do analista, "que as pautas tipicamente bolsonaristas estão ganhando menos ação do governo".

"Prestar atenção se Caracas vai aparecer e como ela vai aparecer é um indicador bastante interessante de quão bolsonarista ainda é o governo do Bolsonaro, é um termômetro."

O especialista diz que "será uma surpresa se não houver nenhuma menção a essa situação da Venezuela com alguma crítica, e também ficarei surpreso se ela for muito forte".

Uma outra possível surpresa comentada por Gelis-Filho é se o presidente resolver falar algo contra a China.

"Vi algumas pessoas esperando algo nesse sentido, mas não acho que o tópico 'China' vai estar presente", afirmou. (com agência Sputnik Brasil)

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