POLÍTICA

Advocacia administrativa: presidente pediu à Índia liberação de insumo de cloroquina para laboratórios privados brasileiros

Segundo transcrição de telefonema feito em abril entre Bolsonaro e o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, o presidente brasileiro solicitou insumos de hidroxicloroquina para duas empresas privadas brasileiras

Por Jornal do Brasi
[email protected]

Publicado em 11/06/2021 às 07:25

Alterado em 11/06/2021 às 07:33

Jair Bolsonaro e Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia Reuters / Altaf Hussain

No dia 4 de abril, o presidente Jair Bolsonaro, solicitou ao primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, que agilizasse a exportação de insumos para a fabricação de hidroxicloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz contra a covid-19.

A oposição fala que o presidente praticou 'advocacia administrativa', que é patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário público (artigo 321 do Código Penal).

O jornal "O Globo" teve acesso a um telegrama secreto do Ministério das Relações Exteriores (agora em posse da CPI da Covid) contendo a transcrição do telefonema, e conta que os senadores avaliaram a ligação como sendo uma prova importante do envolvimento pessoal do presidente com o fornecimento de remédio sem eficácia para o Brasil.

As duas empresas citadas, EMS e Apsen, têm relação com o bolsonarismo, já que o CEO da EMS, Carlos Sanchez, anteriormente foi recebido por Bolsonaro para reuniões no Palácio do Planalto, e o presidente da Apsen, Renato Spallicci, é um apoiador declarado do presidente.

"[…] Embora não haja, por ora, divulgação oficial, temos tido resultados animadores no uso de hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes com a covid-19. Gostaria, por isso, em nome do governo brasileiro, de fazer um apelo ao amigo Narendra Modi para que obtenhamos a liberação de importações de sulfato de hidroxicloroquina feitas por empresas brasileiras", disse Bolsonaro, de acordo com a transcrição feita pelo Itamaraty.

O presidente, então, continua dizendo que estava informado sobre um carregamento de 530 quilos de sulfato de hidroxicloroquina parado na Índia, que teria sido comprado pela EMS, e adiantou que havia outro carregamento destinado à Aspen.

"O sucesso da hidroxicloroquina para tratar a covid-19 nos faz ter muito interesse nessa remessa indiana. Estou informado de que um carregamento de 530 quilos de sulfato de hidroxicloroquina está parado na Índia, à espera de liberação por parte do governo indiano. Esse carregamento inicial de 530 quilos é parte de uma encomenda maior, e foi comprado pela EMS […]. Adianto haver, também, mais carregamentos destinados a uma outra empresa brasileira, a Apsen", disse o presidente.

Em resposta, o primeiro-ministro indiano prometeu fazer "todo o possível" para atender ao pedido do presidente brasileiro.

"Dedicaremos, certamente, cuidadosa atenção ao pedido do Brasil, ao mesmo tempo em que concluímos a avaliação de nossos estoques e definimos as necessidades internas de produção […]", disse Modi.

Aspen e EMS

A Apsen é a maior fabricante de hidroxicloroquina do Brasil e recebeu R$ 20 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em 2020, de um total de R$ 153 milhões que receberá por dois contratos assinados em 2019, conforme noticiado no dia 4 de março.

Já o presidente da EMS, Carlos Sanchez, circula com facilidade no meio político bolsonarista. A mídia conta que além de comparecer a eventos com Bolsonaro, a empresa tem na fabricação de medicamentos genéricos a sua atuação mais destacada.

Em nota, a Apsen afirmou que "todas as interações da companhia em âmbito governamental se dão por meios legais e dentro das normas estabelecidas pelo setor". A empresa diz ainda não ter havido "contato direto" com Bolsonaro.

A EMS respondeu que "o relacionamento da EMS com governos, em todas as esferas, é institucional", e que "a empresa tem se esforçado para produzir medicamentos no país solicitando matéria-prima no exterior".(Com agência Sputnik Brasil)