EDITORIAL

Até Quando? ONG responsável por obras do Museu Nacional comprou até lancha sem a devida justificativa, diz TCU

Até onde chega o entorpecimento da sociedade, que aceita sem corar o discurso sempre vitimista destes "gestores" inaceitáveis?

Por JORNAL DO BRASIL
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Publicado em 30/08/2022 às 10:41

Alterado em 30/08/2022 às 10:49

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O que a compra de uma lancha tem a ver com o Museu Nacional? E a compra de veículos e terrenos? Estas são perguntas que fazem os que consultam o relatório do Tribunal de Contas da União quando se debruçam sobre o histórico da ONG Associação de Amigos do Museu Nacional, a SAMN, que vem captando recursos milionários das mais diversas fontes, incluindo o BNDES, e que hoje tem as rédeas das obras de reconstrução do Paço de São Cristóvão. É o próprio TCU que afirma o óbvio, que não fica claro como essas curiosas aquisições feitas ao longo dos anos beneficiariam as atividades do Museu Nacional. É também o TCU que afirma que “Aliado a isso, não há comprovação da reversão para o Museu Nacional de todos os recursos recebidos e gerados pela SAMN desde o ano de 2013...” Assim como a “gestão” do Museu Nacional/UFRJ, que foi apontada como “negligente e desidiosa”, a ONG tem um histórico, no mínimo, questionável para ter virado o destino de dezenas milhões de reais após o incêndio que veio à reboque do mais escabroso descaso. Em qualquer país do mundo, caso ocorresse um incêndio catastrófico daquelas proporções e com este “histórico” de, no mínimo, inépcia, o gestor seria afastado imediatamente, sem grandes discussões. E pessoas remotamente envolvidas com o Museu teriam vergonha de continuar à frente de seus cargos.

Até onde chega o entorpecimento da sociedade, que aceita sem corar o discurso sempre vitimista destes “gestores” inaceitáveis? Não bastaria o show de horrores que traumatizou o Brasil para desqualifica-los de vez como guardiões de nosso mais valioso ícone de memória nacional? Quanto mais até que se investigue seriamente o que esta gente andou fazendo em outros carnavais, enquanto constatamos uma teia de suspeitas que não para de crescer?

Gestores catastróficos que se fazem de vítima para permanecer no poder é um filme que já vimos. ONG´s suspeitas que recebem milhões de reais, é também um filme que já vimos. O roteiro por trás disto teria sido talvez apenas mais um, num país que teve a infelicidade de colecionar escândalos ao longo dos anos, se não se tratasse da postura decisiva para a perda do Palácio onde se assinou o primeiro ato de nossa Independência e onde se criou, e foi hasteada pela primeira vez, a nossa bandeira verde e amarela em 1822.

Menção honrosa e excepcional à deputada Chris Tonietto, que foi respaldada por uma dúzia de parlamentares indignados e preocupados na Câmara Federal. Relembraram o primeiro ato tenebroso da Universidade quando se instalou no Palácio, no início do século XX, que foi demolir à marretadas a Igreja de São João Batista, a única igreja em corte imperial das américas e que foi coerentemente esquecida por quem parece abominar até o sagrado da nossa história. Depois, o grupo de parlamentares levou para a Controladoria Geral da União as graves suspeitas que pairam até hoje sobre as obras de “reconstrução” do Paço de São Cristóvão que passou a abrigar o acervo depois que este foi retirado do antigo prédio do Museu Nacional, imóvel histórico que existe até hoje, na Praça da República, e que começou como Museu Real ainda na época de D. João VI. Mas, com todo respeito aos nobres parlamentares, talvez saia vencedor o complexo de um país que não se valoriza a si mesmo, que não quer conhecer a si mesmo, que destrói a sua história, suas origens e seus fundadores sem nenhum remorso. No Rio de Janeiro, o único palácio sede de reino e de império das américas, com seus reis, rainhas e princesas atrairia milhões de visitantes por ano e, longe de ser um conceito partidário ou ideológico, poderia estar alinhado com o que fazem os países pelo mundo afora com suas atrações turísticas profissionalmente geridas. Mas insistimos em continuar na contramão do mundo. O projeto modernoso de “reconstrução” para o Palácio, de cimento queimado e tijolinhos crus à mostra, vigas de aço aéreas e esqueletos de baleia, será a prova derradeira do amor à história da pátria jogado no lixo do esquecimento com dinheiro público. Em 2011, muito antes da tragédia do Palácio, a Câmara de Vereadores do Rio do Janeiro já havia comunicado à “gestão” do Museu Nacional que tinha recebido denúncias sobre os graves riscos de incêndio. Não há garantias, portanto, que todos os órgãos e autoridades que foram alertados façam alguma coisa acertada.

Afastar a UFRJ de sua “gestão” do Palácio e reconstruí-lo para resgate da nossa história e da nossa independência requer um ato de coragem, de justiça e de autoestima poucas vezes visto desde que D. Pedro I deu o grito de liberdade. Entretanto, é possível imaginar as cenas do desfecho de um filme de terror, com seu hipotético diretor ganhando o Óscar por seu papel do início ao fim e, quem sabe, a ONG do Museu Nacional, já talvez num belo iate, recebendo um prêmio de “empreendedores do ano” ante um Brasil órfão e feito de palhaço, iludido para pagar a conta.

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