ARTIGOS

Martin Luther King: 60 anos de um sonho e um discurso

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Por MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER
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Publicado em 18/04/2023 às 15:23

Alterado em 18/04/2023 às 15:23

Em agosto serão completados sessenta anos que um homem, em Washington, capital dos Estados Unidos, país mais poderoso do mundo, fez um discurso. O homem era negro. E tinha um sonho. Liderava um grupo de homens e mulheres que aumentava a cada dia e se convertia em multidão. Organizava eventos e marchava silenciosa e pacificamente em protesto contra a violência racial e o desrespeito aos direitos humanos em seu país. Chamava-se Martin Luther King Jr.

Quando esse pastor batista e doutor em Teologia começou sua caminhada em prol da igualdade racial e da paz, o racismo em seu país era lei e não crime. Uma lei que cavava uma fenda profunda na sociedade estadunidense, mantendo os negros separados dos brancos nos transportes públicos, nas instituições de ensino, nos restaurantes, nos banheiros. O sonho do pastor negro era que essa discriminação tivesse um fim de forma pacífica e não violenta.

Na origem desse sonho de paz e liberdade está o gesto de uma mulher: Rosa Parks, aquela que um dia, ao voltar do trabalho em um ônibus, sentada na parte do veículo proibida aos negros, recusou-se a ceder seu lugar a um homem branco. Foi presa e penalizada, mas seu gesto de desobediência fez com que cinquenta líderes da comunidade afro-americana, chefiados pelo então quase desconhecido pastor Martin Luther King Jr., reagissem à violência contra ela cometida.

O movimento organizou e deflagrou um boicote de 381 dias ao sistema segregacionista de ônibus do Alabama. A partir daí seguiu-se a luta dos negros norte-americanos contra a segregação e pelo respeito aos direitos, do qual a estrela foi o Pastor King., que se tornou um ícone da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e ganhou o Prêmio Nobel da Paz anos depois. Sempre reconhecido àquela que havia sido a agente detonadora de seu movimento, Martin Luther King Jr. dizia: "Na verdade, ninguém pode compreender a ação da Sra. Parks, a menos que realize que, eventualmente, a taça da capacidade de suportar transborda e a personalidade humana grita: "Eu não posso mais aguentar".

Em 1963, o pastor negro continuava seu movimento, reivindicando a igualdade de direitos de todos, o fim da discriminação racial e a paz. Suas marchas eram cada vez maiores em volume e em consistência. Naquele ano a marcha sobre Washington, a capital do país, convocava 250 mil pessoas.

Ali Luther King falou de seu sonho. O sonho da igualdade e da liberdade. Disse sonhar que um dia os filhos dos descendentes de escravos e dos descendentes de donos de escravos pudessem sentar-se juntos à mesa da fraternidade.

O pastor vivia um momento difícil, com ameaças, frustrações. Sentia o conflito que se armava ao redor dele. Mas sonhava para as gerações futuras. Sonhava com a possibilidade de que seus quatro filhos pudessem viver em uma nação onde seriam julgados pelo caráter e não pela cor da pele. O sonho de Luther King era recheado de liberdade e comunhão. Sonhava em fazer chegar mais rápido “o dia em que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão dar-se as mãos e cantar...” Sonhava o sonho que sonhou também Jesus de Nazaré e tantos profetas antes dele e tantas testemunhas depois dele.

King entrou para a história não apenas pelo que fez, mas também e talvez principalmente pelo que sonhou: um mundo onde ninguém seja discriminado por sua raça ou pela cor da pele; onde todos tenham direito de voto e acesso a empregos e serviços públicos; onde todos possam dizer livremente aquilo em que creem e praticar o que acreditam. Um mundo onde a paz não seja apenas a ausência de guerras, mas situação vital e dinâmica construída no diálogo e na interação franca e transparente. O sonho do Dr. King continua, mais vivo que nunca. Continua nos grupos afro-americanos que seguem lutando por igualdade e enfrentando as discriminações de que são objeto. Faz-se visível nos jovens migrantes, chamados sintomaticamente de “dreamers”, que reivindicam seu direito de sonhar com a cidadania no país que escolheram para viver uma vida melhor. Vive em todo homem e mulher que em qualquer continente ou latitude deseja a justiça, a igualdade e a liberdade, e luta para que aconteçam.

Como dizia, no Brasil, o poeta Zé Vicente: “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Sonho que se sonha junto é realidade.“ Sonhemos, pois, para que se faça realidade o sonho belo ainda que tão difícil da igualdade.

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Maria Clara Bingemer, professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio e autora de Santidade: chamado à humanidade (Paulinas), entre outras obras.