ARTIGOS

Ingenuidade e selvageria

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Por RICARDO A. FERNANDES, [email protected]
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Publicado em 10/01/2023 às 08:36

Alterado em 10/01/2023 às 08:36

Os milhares de terroristas que invadiram as sedes dos três Poderes da República, causando algazarra, confusão e depredação do patrimônio público, refletem um pensamento primitivo. E, por essa razão, bastante perigoso.

Nos quatro anos em que esteve no poder, Bolsonaro promoveu discórdia e destruição. Deixou morrer milhares de pessoas por inoperância do sistema público de saúde, abriu as portas para madeireiros ilegais desmatarem florestas, armou a população e corrompeu parte dos agentes de instituições de estado, como as Forças Armadas e Polícias Militares, com seu discurso fascista. Isso para citar apenas algumas ações coordenadas pelo governo anterior, cujo pilar de sustentação é a falta de compromisso coletivo e a selvageria.

No âmbito pessoal, pudemos verificar o descaso com que o antigo presidente e sua família trataram o próprio local de moradia: o Palácio da Alvorada. A deterioração da residência presidencial mostra não apenas o desleixo e ignorância sobre a representação da casa para o país. Nos faz enxergar a raiva de pessoas que, talvez por não se acharem merecedores de ocupar os lugares ou os cargos de importância republicana, utilizam-se da barbárie para eliminar as conquistas democráticas e apagar símbolos nacionais históricos. Nesse aspecto, em nada são diferentes de organizações como, por exemplo, o estado islâmico: conquistam pela força e destroem o que encontram pela frente. Da mesma maneira, não se opõem aos descontrolados invasores de Brasília: mostram o caminho.

A cena de terra arrasada na tarde de domingo, mais do que lamentável, liga o alerta: como o atual governo federal, a despeito dos poucos dias de poder, não se preparou para impedir o vandalismo? Precisou esperar acontecer, mesmo com todos os indícios manifestados nas redes sociais, os ônibus em caravana com destino à capital federal e os acampamentos nas portas dos quartéis? Penso que houve uma certa ingenuidade por parte dos agentes públicos atuais.

Ingenuidade por acreditar que o vandalismo nas proporções ocorridas jamais aconteceria no Brasil. Como assim? Não imaginaram que gente que arrasa terras indígenas e mata seus povos seria capaz de fazer o que fizeram?

É obrigatório que os responsáveis sejam punidos. Mas isso não basta. É importante reconhecer que parte dos brasileiros voltará a participar de atos semelhantes, caso as instituições públicas e sociedade civil não estejam atentas. São pessoas, assim como seus líderes, que julgam não terem nada a perder. Vivem pelo momento de glória – nesse caso, a invasão dos prédios públicos. Distanciados de compromissos civilizatórios, o mundo, para eles, poderia terminar naquele instante. É sintomático que, quando conquistaram o planejado, passaram a destruir tudo à sua frente, numa antecipação simbólica dos seus suicídios.

Às instituições de estado, cabe mostrar aos depredadores que sua vida, sim, continuará, e que deverão pagar pelo que fizeram. E tão necessário quanto a responsabilização dos criminosos é criar mecanismos duradouros para impedir futuros atos desse tipo. Pois ainda que os responsáveis pela execução, financiamento e incentivo dos feitos horrorosos de domingo sejam identificados, punidos e afastados da vida pública, outros tomarão seu posto.

O Brasil não está imune ao fascismo. Nunca esteve, não está e não estará. Ao menos enquanto o Brasil existir.

 

Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores. Autor do romance “Através”.

 

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