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Os 7 pecados nas Copas

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Por RICARDO A. FERNANDES, [email protected]
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Publicado em 22/12/2022 às 13:49

Alterado em 22/12/2022 às 13:55

Se existe uma alma nacional, ela se revela a cada quatro anos. Até 2026, a Argentina será a pátria de chuteiras. Chuteiras tricampeãs, lustradas pelo véu branco, azul e amarelo que cobriu a avenida Nove de Julho, em Buenos Aires, e todos os bares, casas, sítios, esquinas e favelas na capital e interior do país austral.

Foi bonito ver a festa dos “hermanos”. Festa de comemoração e alívio da tensão acumulada numa das melhores partidas da história do futebol. Teve de tudo. O domínio argentino até meados do segundo tempo, a quase vitória francesa na prorrogação, a frieza sul-americana nos pênaltis e a disputa dos craques por protagonismo.

Teve também inveja de brasileiros, resultante da constatação de que jamais jogaríamos no mesmo nível ou teríamos condições de brigar pelo título como as duas seleções finalistas. Mas se inveja é pecado, quando nos redimirmos do desejo exagerado de levantar o sexto caneco talvez tenhamos alguma chance de lavar nossa alma com água benta. Vejamos:

Em 58, a temperança superou a gula pela conquista da primeira taça, oito anos após a lição que o Uruguai nos deu diante de 200 mil pessoas num Maracanã lotado. Já 62 mostrou que a avareza, ao menos no plano coletivo, não determinou nossa história futebolística. Garrincha e seu desapego pela recente conquista, seus dribles que às vezes davam a impressão de se esquecer da bola – objeto de desejo – pelo puro prazer da finta, nos trouxeram o bi.

Aí veio 66. Dominados pela luxúria do bicampeonato, nos esquecemos do bom futebol e a Jules Rimet ficou no único país de maioria não católica a receber, até hoje, a honraria. Roubar na final é pecado? Ao menos a Inglaterra nos deu o esporte.

Mas em 70, Pelé, nosso craque universal, que acreditava ser azarado em Copas, com pés no chão e espírito de campeão, trouxe ao hemisfério sul a taça em definitivo. Que foi roubada, anos depois. Ave Maria!

Foi longo o tempo de superar a raiva pela perda de 82, 86, pelo sumiço da Jules Rimet e do protagonismo do escrete canarinho no mundo da bola. Fomos castigados com 24 anos de caneladas. E só então glorificados, novamente, pelo jogo de uma seleção que, com muito bons jogadores, substituiu a ira pelo pragmatismo.

A inveja. Só se for de Zidane, Henry e companhia em 98. Durou pouco. Demos um drible na final perdida e, quatro anos depois, veio a quinta conquista. Mas não teria sido muito rápido? Não teria sobrado um resto de inveja nos campos tupiniquins? Da própria França de 2006 e 2018, Espanha, Alemanha? Inveja, mais recentemente, do futebol de Messi?

Na grande área dos pecados, o próximo é a preguiça. Jogadores e comissão técnica da seleção brasileira já ganharam tudo pelos seus clubes. Não são pessoas a quem se pode acusar, portanto, de falta de empenho. Trabalharam, venceram e, na maioria das vezes, mereceram. Pode-se criticar, com razão, algumas declarações absolutamente dissociadas da realidade nacional. Mas estamos falando de preguiça, não de alienação. São coisas diferentes. Será?

Nesta Copa, só a Argentina e, talvez, a França, pensaram como vencedores. Via-se nos jogadores argentinos, a cada canto do hino nacional, nas divididas de bola, o espírito de campeões mundiais. Desde a derrota no primeiro jogo até a partida final, mais do que jogarem coletivamente, passaram a impressão de jogarem pelo país. Foi um time comprometido. Ciente, mais do que qualquer outro, da importância do título para a nação. Nada alienados. Os mais esforçados.

Já a seleção brasileira, ao que parece, acostumou-se com as quartas de finais. Se beliscarmos uma semi, estamos no lucro. Preguiça? Difícil dizer. Acomodação? É possível. Mas que a entrega dos nossos vizinhos sul-americanos foi maior, isso foi. Os argentinos, mais do que nós, entenderam que a glória nos gramados era mais importante do que o objetivo individual dos jogadores, suas intenções, pensamentos e desejos. Vamos torcer para que a vitória portenha devolva aos brasileiros a vontade de vencer.

Bem, ainda tem o sétimo pecado. Se passar do sexto está difícil, imagina o próximo: a vaidade na marca do pênalti. Vai precisar de muita reza braba. Oremos!

 

Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores. Autor do romance “Através”.

 

 

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