ARTIGOS

Em nome do pai

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Por LIER PIRES FERREIRA e RENATA MEDEIROS DE ARAÚJO

Publicado em 06/12/2022 às 09:23

'Patriotas' reprodução

Desde 30 de outubro, quando da terceira eleição de Lula à Presidência da República, teve início no Brasil um movimento histérico diretamente vinculado à liderança de Bolsonaro, o breve. Fracassado o lockout de falsos caminhoneiros financiados por empresários golpistas, centenas de manifestantes prostraram-se diante dos quartéis pedindo a intervenção das Forças Armadas na política.

Autoproclamados “patriotas”, estes manifestantes reivindicam a aplicação do art. 142 da Constituição Federal, que, em sua leitura, permitiria com que os militares atuassem como um “poder moderador” diante da suposta falência institucional da república, capturada pelo comunismo, pelo globalismo e outros seres imaginários. Este estado de catarse traz, em seu bojo, pela via de um conflito imaginário, o medo da destruição do Brasil, sendo, também, o modo pelo qual se fez a integração simbólica entre Bolsonaro e seu público. Aluados, esses “patriotas” permanecem de prontidão nas portas dos quartéis, na certeza de que, sob a fúlgida liderança do capitão-presidente, os militares participarão de uma nova aventura golpista, à moda de 1964.

Pobres diabos. Enquanto tomam sol e chuva pela causa bolsonarista, mal alimentados, mal alojados e embalados por quimeras, Bolsonaro isola-se no Alvorada, quase incomunicável, sem sequer participar de suas lives semanais, a versão 5G dos famosos discursos de Vargas à nação brasileira. Ao passo que os “patriotas” padecem ao tempo, muitos dos quais já sem emprego e tendo esgarçado suas relações familiares, os filhos do presidente, igualmente afastados dos holofotes, gozam da vida, a exemplo de Eduardo, que refestela-se na Copa do Mundo, no Catar, sem sequer cumprir as funções inerentes aos seu mandato parlamentar.

Bolsonaro é um líder importante, sem dúvida. Se até 2018 sua trajetória política era débil, marcada por polêmicas sexistas, racistas e outras, sem grandes repercussões, a partir de então ele e seu clã têm sido hábeis em capturar frustrações, recalques e outras pulsões perversas, projetando-se como um líder patriótico, virtuoso, capaz de lutar contra o “sistema” e conduzir o Brasil com ordem ao progresso. Carismático, à moda weberiana, Bolsonaro corporifica os líderes demagógicos de outrora, aos quais o sentido de adesão, dever e obediência dá-se em função de suas qualidades extraordinárias, de seu caráter impávido, de sua inteligência singular, de sua potência imbrochável, enfim, de atributos que lhe permitiriam esgrimir contra “moluscos”, “xandões” e toda sorte de inimigos da nação.

Se na Sociologia Política a dominação exercida pelo Messias está baseada em seu carisma, em sua comunicação simplória, não raro tosca, como se não tivesse saído do recreio da antiga 5ª série ginasial (hoje 6º ano), na Psicanálise eleva-se a figura do pai como aquele que tem a função de fundar a lei no outro, de organizar a dialética do desejo, de expressar as possibilidades e impossibilidades do sujeito diante do mundo real e do simbólico, idealizado.

Neste sentido, os “patriotas” aquartelados em acampamentos precários, sustentados por doações voluntárias, financiamentos ocultos e uma boa dose de auto sacrifício, aguardam pela ação enérgica deste pai rigoroso; aguardam que ele dê as ordens e determine o que devem fazer para salvar o país. Em outras palavras, os “filhos” do bolsonarismo esperam que seu capitão lidere a salvação da política nacional, numa ação transformadora, revolucionária, capaz de subverter uma ordem apodrecida e recompor a virtude cívica idealmente perdida.

Mas isso não irá acontecer. A lógica democrática pressupõe a rotação do poder, de modo que a cada novo ciclo o ocupante circunstancial do Planalto, lugar referencial simbólico do poder político no Brasil, poderá cambiar de acordo com a ordem constitucional vigente e com a vontade soberana do eleitor. E, para a imensa tristeza e decepção dos bolsonaristas, o povo escolheu Lula presidente.

Além disso, Bolsonaro é um líder fraco, temerário, mais afeto às bravatas do que as ações. Diferente do que imaginam seus seguidores, o capitão não tem o brio, a têmpera e a ousadia dos grandes líderes, capazes de sacrificar sua vida e seu bem-estar pelo país e seu povo. Dentre seus muitos receios, Bolsonaro tem medo do presidente Lula, do ministro Alexandre de Moraes, das reprimendas de Washington e tem medo, muito medo de ser preso. O pai que se espera tem medo.

Logo, o perfilhamento de seus seguidores é tão oco quanto sua estratégia político-militar. Inseguro, o capitão é tão incapaz de precipitar uma aventura golpista quanto de reconhecer a vitória eleitoral de Lula. É tão incapaz de finalizar com dignidade seu governo quanto de pedir que seus apoiadores retornem aos seus lares e aos seus afazeres cotidianos, libertando o país das incertezas políticas que afligem a todos. Pai omisso, fugidio, este falso Messias não está apto para formar uma oposição democrática que contribua para a institucionalidade brasileira e para a pacificação da nação. Seus filhos, portanto, estão órfãos, nada virá em nome do pai.

 

Lier Pires Ferreira. PhD em Direito. Professor do Ibmec. Pesquisador do Lepdesp/Uerj

Renata Medeiros de Araújo Neves. Doutoranda em Psicanálise. Advogada

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