ARTIGOS

Lei Cortez, livrarias e preço do livro

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Por RICARDO A. FERNANDES, [email protected]
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Publicado em 01/12/2022 às 09:15

Ir à FLIP, uma das mais relevantes e charmosas festas literárias, foi como sair de casa após meses de pandemia. Poder participar de discussões, lançamentos e ouvir autores foi um respiro necessário à literatura.

Um dos assuntos importantes abordados foi a Lei Cortez, que trata do preço de lançamentos de livros no Brasil. O Projeto de Lei, cuja consulta pública está aberta, determina que, pelo período de 12 meses a partir do lançamento de um determinado título, nenhum canal de distribuição poderá dar desconto maior do que 10% sobre o preço estabelecido pela editora. Vamos supor que um livro seja lançado em dezembro de 2022 a R$ 50,00. Nesse caso, se a lei estivesse em vigor, o desconto máximo permitido durante um ano seria de R$ 5,00.

Se for aprovada, a lei beneficiará principalmente as pequenas livrarias, sem condições financeiras de dar maiores descontos e, portanto, impossibilitadas de competir com grandes redes físicas e online, como a Amazon, cujo poder de barganha com as editoras é maior.

Sou favorável à validação do projeto, que protegerá os livreiros independentes, sufocados pela pandemia e ação dos grandes conglomerados do varejo de livros. O leitor poderá ir a uma livraria de bairro e comprar, por exemplo, seu “best seller” a um preço semelhante ao encontrado nas grandes redes. Lá, ainda terá contato com o chamado “fundo de catálogo”, obras com giro menor expostas nas prateleiras.

Outro possível benefício diz respeito ao aumento de publicação de títulos especializados. Na França, onde há lei semelhante, observa-se uma diversificação maior de livrarias por nichos. Sobre isso, Roberta Machado, vice-presidente do grupo editorial Record e participante na mesa de debate em Paraty, reforça que os dois maiores grupos editoriais no Brasil têm, atualmente, cerca de 16 mil títulos. Segundo ela, esse número poderia chegar a 100 mil. Na mesma mesa, Alexandre Martins Fontes, vice-presidente financeiro da Associação Nacional de Livrarias (ANL), destaca que o número de lançamentos, embora importantes em faturamento, representa apenas 6 ou 7% dos títulos sobre os quais a Lei Cortez seria aplicada.

Reconheço, no entanto, a impopularidade do projeto. A consulta pública mostra mais opiniões contrárias do que favoráveis. Até o momento em que escrevo este artigo, uma diferença de cerca de 1.400 votos. Para o leitor que deseja adquirir seu livro, quanto maior o desconto, melhor. É justo.

É preciso reconhecer que o projeto visa criar, também com justiça, melhores condições num ambiente em que editoras, distribuidoras e livrarias dependem de consumidores que podem pagar R$ 40, R$ 50 numa obra. Ou mais. No Brasil, os livros são caros? Não, não são. Se fossem, muitas editoras e livrarias independentes possivelmente não teriam fechado as portas durante a pandemia. Mas chegou o momento de discutirmos o acesso de mais obras literárias a pessoas com menor poder aquisitivo.

Obras com preços menores, para serem vendidas em canais de venda específicos. Por que não podemos ter livros com o mesmo conteúdo, produzidos com materiais diferentes, com custos distintos, ofertados ao leitor em canais de vendas distintos? Por que não pensar em incentivos fiscais para produzir e comercializar essas obras com menor custo? Incentivos fiscais para abertura de lojas em regiões onde moram pessoas com menor poder aquisitivo?

Se livro é cultura, se a leitura é importante para o desenvolvimento do país, é hora de pensar a cultura para todos os brasileiros.

 

Publicitário, escritor e vice-presidente da União Brasileira de Escritores. Autor do romance “Através”.