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Em busca do Brasil do Bem (3): a visita da velha conversa

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 22/05/2022 às 09:08

Alterado em 22/05/2022 às 09:08

As frequentes suspeitas sobre a lisura e confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro são cada vez mais rebatidas por altas autoridades judiciárias do país e por entidades civis preocupadas com o fedor de evidente ruptura constitucional bafejado por quem deveria ser o primeiro a defender e garantir a estrita observância do ritual democrático neste país.

Neste jogo, cuja principal consequência é o abandono da boa gestão pública e o visível aprofundamento de divisões artificialmente polarizadas, evidencia-se, em contrapartida e de forma involuntária, o mecanismo malévolo a serviço do impensável para torná-lo aparentemente plausível.

Por maiores e mais frequentes sejam as manifestações governamentais de que haveria, no mais desengonçado e surrado malpasso janista, forças ocultas interessadas em subverter a soberania popular, torna-se desnuda a tática malsã de imprimir pelo medo, pela arrogância e pela desfaçatez, a extravagante sugestão de que apenas a continuidade das políticas em andamento nos levariam à prosperidade nacional.

Esta semana, a par dos usuais mecanismos de desestabilização que mal e mal já se tornam não apenas cotidianos, mas quase horários, ressurge a voz do Ministério da Economia, depois de breve mas tranquilizadora hibernação. E, com a prolixidade mítica e tóxica de sempre, nos surpreende com a afirmação de que estamos a “sair do inferno”, ao contrário do que estaria a ocorrer na Europa onde o mergulho infernal seria, digamos, dantesco.

Referia-se à nossa inflação de dois dígitos, muito menos insidiosa, segundo os manuais da embromação, do que a da Europa. Tem-se de imediato a impressão de o posto Ipiranga desconhecer a invasão da Ucrânia, seus males, dentre os quais a inflação generalizada é o menor dos tumores malignos da geopolítica neoliberal. Bem verdade, nosso ministro hoje não seria tão aplaudido nos supermercados brasileiros como acontecia em seus delírios recentes. Provavelmente, hoje seria universalmente convidado a plantar batatas. Ou tomates.

Ainda mal-refeita da estapafúrdia frase sartriana de nosso posto Ipiranga, "o inferno são os outros", a sociedade brasileira é imediatamente torpedeada pelo novo ministro da Infra que, ainda respingando leite materno, nos adverte de que a Petrobras deverá ser privatizada com urgência, senão a gasolina incendiará o hospício.

A ilação do neoministro é óbvia. Ainda que não estatal, a Petrobras deve ser privatizada pois, segundo a lei neoliberal que se comprova a cada dia, apenas o neoliberalismo coíbe falcatruas, regula o mercado e busca a felicidade e o bem-estar do consumidor.

Diante da perplexidade rápida, geral e irrestrita, parte-se para a privatização da Eletrobras, coluna vertebral do sistema elétrico brasileiro, coisa que nem os Estados Unidos da América permitem privatizar. E tudo se faz com a marca da sapiência, deixando no ar a impressão de que o ex-ministro recém dispensado fosse uma pedra no coturno dos que marcham na senda do progresso.

Já na sexta-feira desta semana altiva, eis que baixa em território nacional o jovem senhor das montanhas monetárias, promitente comprador de uma das maiores plataformas cibernéticas do mundo e idealizador da montagem apocalíptica de mais de 43 satélites artificiais destinados a controlar a rede de internet no planeta.

O chefe da Nação, no hotel em que se hospeda o visitante, nos informa ter-se ali iniciado "um namoro" a resultar - depois das eleições? - em benefício para o controle das queimadas na Amazônia e na concessão de milhares de acessos à internet pelas escolas daquela região, tão mal-falada ultimamente nos jornais do mundo.

Com a mesma velocidade da permanência do jovem e brilhante empresário nas terras do Brasil, cientistas brasileiros esclarecem ao público que a Amazônia não carece de satélite de controle. Já dispomos dele, aliás bastante diligente e merecedor de críticas acerbas por aparente e subversivamente espalhar mundo afora a extensão dinâmica das queimadas criminosas na floresta amazônica. Esclarece-se, no mesmo fôlego, que todas as escolas da região já dispõem de acesso à internet gratuitamente.
Como se vê, nada pode ser, não digo transparente - palavra perigosa - mais desnudo. A olho nu, sem carência de espiões ou maldizentes. O projeto Brasil, desde que as eleições não sejam fraudadas, apresenta-se como da mais fina modernidade.

Os que se iludem com a possibilidade de que os visíveis males da globalização financeira seriam eventualmente corrigidos com a aplicação de mecanismos de combate à desigualdade social, receberam nesta semana um “telegram" ineludível.

Reconduzido ou reposto este governo - e o posto Ipiranga já anuncia sua predisposição a nele continuar - o Brasil abandonaria sim o neoliberalismo vigente para adotar o neoliberalismo promissor dos algoritmos, hoje já bem testado em plataformas em que o eventual cliente se embasbaca com a inteligência das "sugestões" das máquinas e robôs especializadas em “atender" suas inclinações e desejos.

Combinada com a falsa liberdade das redes sociais manipuladas por mecanismos robóticos e outros, a liberdade de escolha se encolhe gradualmente e a manipulação política se torna tão suave como uma pastilha de opióide. E a Democracia se confunde com a demonologia para a felicidade geral dos senhores do poder. Refina-se no mundo a tirania das falsas verdades, que aqui no Brasil muito agrada à nova casta da subjugação neocolonial. Com novos ricos milhardários a comprar aplicativos na casa dos bilhões de dólares.

O desafio do Brasil não é mais cair no abismo, mas saber como sair dele. Com tutano, sem sangue e dando uma banana para os pregadores de que “após eles, só o dilúvio”.

Brother, estamos na era do Big Brother. Brevemente, talvez, nos melhores salões do país. E tudo isto sabe bem aos sabidos. Os cafajestes de turno.

Já não era sem tempo. O inferno, afinal, é aqui.

*Embaixador aposentado

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