ARTIGOS

O nível mais baixo do machismo

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Por LÍDICE LEÃO, [email protected]
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Publicado em 22/09/2021 às 08:15

Alterado em 22/09/2021 às 08:22

Senadora Simone Tebet Reuters/Adriano Machado

Como se não bastasse o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fazer gesto obsceno para manifestantes em Nova York, Wagner Rosário, ministro-chefe da Controladoria-Geral da União, deu exemplo de como exercer o machismo entranhado no atual governo da forma mais rasteira possível.

“A senhora está totalmente descontrolada”. Foi com esta acusação tosca – peço desculpas pelo termo “tosco” aqui neste espaço, mas é que, realmente, não me ocorre outra palavra – que Rosário resolveu atacar a senadora da República Simone Tebet durante a sessão da CPI da Covid desta terça-feira.

Quando pensamos que os homens estão dispostos a sanar de seus gestos e palavras o machismo que lhes é transmitido através de gerações, vem um ministro – do governo Bolsonaro, é obvio – e vomita uma dessas. Chamar uma mulher de descontrolada ou louca é de um machismo tão covarde e ultrapassado, que até os outros integrantes da Comissão, todos homens, saíram em defesa da colega.

Ao ser questionado pela senadora sobre o motivo de ter ignorado suspeitas de corrupção na compra da vacina Covaxin, o ministro-chefe da CGU respondeu que Simone Tebet deveria “ler de novo” o relatório do órgão, insinuando que ela não teria entendido o documento – será que se fosse um homem, ele teria feito tal insinuação? E acusou a senadora de ter dito “uma série de inverdades”. Neste momento, Tebet foi assertiva e enfática ao afirmar: “Sou uma senadora da República e não aceito que o senhor me diga que tenho que ler o relatório. O senhor pode até afirmar que eu falei inverdades, mas não pode me dizer para ler o relatório. O senhor está se comportando como um menino mimado.” Foi neste momento que, em vez de seguir a discussão como um político, no clima quente do momento, Wagner Rosário resolveu recorrer ao sexismo, ao preconceito, à diminuição da mulher a um ser “descontrolado” quando essa mulher tem uma atitude incisiva.

Em 2019, escrevi para este mesmo espaço um artigo com o título “Não nos chamem mais de loucas”. O texto trazia a informação que, de todos os tipos de violência praticada contra as mulheres no país, 21,8% são de violência moral e psicológica, que, de acordo com a Lei Maria da Penha, é entendida como “qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima da mulher ou que prejudique e perturbe o seu pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar as suas ações, comportamentos, crenças e decisões”. Dizer que a mulher é “louca”, fazê-la acreditar que teve uma reação desproporcional, descabida e descontrolada, é um exemplo.

Dois anos depois, temos um ministro a praticar este tipo de violência contra uma senadora que exerce de maneira firme as suas atribuições em uma Comissão Parlamentar de Inquérito. No livro “A mãe de todas as perguntas – reflexões sobre os novos feminismos”, a historiadora e ativista estadunidense Rebeca Solnit lembra que as mulheres são frequentemente desqualificadas e impedidas de participar da vida pública. Ela afirma que mulheres na política são criticadas pela aparência, pela voz, pela ambição; termos como “estridente” e “mandona” são recorrentes. Solnit vai mais longe e associa esses preconceitos à educação recebida pelas próprias mulheres: “você não pode incomodar, e estará errada se perturbar os outros, em qualquer circunstância”. Sabemos que este comportamento e a forma de educar meninas vem se modificando, mas é o tipo de conduta que atravessou séculos e ainda está internalizada na maneira de pensar e agir dos homens. Principalmente dos homens que integram o governo de Jair Bolsonaro, que dispensa qualquer comentário neste sentido. Nunca é demais lembrar que, quando deputado, disse à colega Maria do Rosário que não a estupraria porque ela “não merecia”, com o dedo em riste, a empurrou e a xingou de “vagabunda”.

Foi este homem quem nomeou o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, citado no início deste texto, e o ministro-chefe da CGU, que deu um show de machismo na sessão da CPI da Covid desta terça-feira. Homens vulgares, machistas e ignorantes. A cara do atual governo.

Lídice Leão é jornalista, pesquisadora e mestranda em Psicologia Social pela USP

 

 

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