O subprocurador-geral da República, Eugênio Aragão, se solidariza com a ministra Eliana Calmon ao tratar de irregularidades no Judiciário e ataca os projetos de aumento salarial para juízes e funcionários. Para ele - que inclui os profissionais do Ministério Público na crítica - o debate é uma tentativa de "chantagear" o poder público.
- As carreiras que hoje têm poder de pressão sobre o Estado e sobre suas instituições são as que mais são valorizadas. Ou seja, juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos.
Aragão assumiu o cargo de corregedor-geral do Ministério Público Federal segunda-feira (3) e, no dia seguinte, em sua primeira visita oficial, encontrou-se com Eliana Calmon, num claro gesto de apoio à ministra e corregedora nacional de Justiça. A ministra havia sofrido críticas de magistrados depois de declarar em entrevista que existem "bandidos de toga" e chamar atenção para ação impetrada no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode limitar seus poderes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para a investigação de desvios de conduta de juízes.
Para Aragão, a limitação dos poderes do CNJ é "nefasta":
- Estão tentando limitar o poder da corregedora nacional. Isso é muito nefasto, porque a gente sabe muito bem que as corregedorias locais muitas vezes não têm independência suficiente para cortar na própria carne.
Leia a entrevista do subprocurador-geral da República:
Terra Magazine - Seu encontro com a ministra Eliana Calmon pode ser interpretado como uma demonstração de apoio a ela?
Eugênio Aragão - Com certeza. Estava na minha condição de corregedor do Ministério Público e a corregedora nacional tem muito mais responsabilidade. Nessa hora a gente tem que auxiliar porque a gente sabe com que tipo de problema nós estamos lidando. Ela precisa ser fortalecida.
Qual a sua avaliação da forma como repercutiram as declarações da ministra de que há "bandidos de toga"?
Isso que ela apontou todo mundo sabe. A ministra Eliana não apontou com o dedo em riste para quem quer que seja, mas explicou uma situação que existe neste País e que a gente não pode ignorar. Eu mesmo, como subprocurador da República atuando no âmbito do STJ, atuei em vários casos de juízes que negociavam decisões e que tinham todo tipo de comportamento antiético, como contratar parentes. Ela não está dizendo que a magistratura é feita de delinquentes, mas que existem delinquentes escondidos atrás da toga, existem. As pessoas que se sentem atingidas, espero que não estejam vestindo a carapuça.
Pela sua experiência, o senhor diria que há mesmo uma dificuldade de aplicar punições a juízes?
Isso é o que hoje estão querendo. Estão tentando limitar o poder da corregedora nacional. Isso é muito nefasto, porque a gente sabe muito bem que as corregedorias locais muitas vezes não têm independência suficiente para cortar na própria carne. Há casos que são corriqueiramente arquivados em corregedorias locais, que são tratados com leniência e só têm alguma chance se vierem para a corregedoria nacional. O trabalho dela, assim como o trabalho do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), deve ser sempre prestigiado.
E quanto ao encontro com a ministra, como evoluiu?
Tratamos também de outros assuntos. Uma das grandes preocupações que nós temos é com o vazamento de informações. Provas sensíveis, submetidas a sigilos, e que invadem a esfera privada. Isso é uma preocupação nossa e por isso eu sugeri a ela que nós trabalhemos num sistema nacional de controle de cadeia de custódia e documentos sigilosos. Um sistema que hoje é perfeitamente possível através de documentos inteligentes. A gente fica sabendo quantas vezes o documento foi impresso ou enviado por e-mail.
O vazamento pode fazer com que a Justiça anule a validade das provas?
Nos Estados Unidos, o vazamento de uma prova sensível anula essa prova. Porque se supõe que o julgador estará sofrendo com a pressão da opinião pública ao analisar esta prova. Isso, inclusive, é um problema muito grande que a gente tem em casos de cooperação internacional. Muitas vezes a gente acaba com as provas em outros países. A forma irresponsável com que o Brasil lida com certas provas tem levado a protestos de autoridades estrangeiras.
Voltando à questão das atribuições do CNJ e do CNMP, o senhor não acha que atualmente há limitações na atuação dos Conselhos?
O que temos que colocar em debate é a questão da independência. Não se trata de querer violar a opinião, isso temos que respeitar. Mas os juízes têm que se submeter a certas regras de conduta, eficiência, regras éticas e morais. Senão, a sociedade não tem por que pagar um sistema judiciário extremamente caro. Um juiz e um membro do Ministério Público são caros para a sociedade. Um menino que ingressa como promotor recebe 19 mil reais quando começa na carreira, é muito dinheiro. Não é possível que ele, apesar disso, possa fazer o que quer sem compromisso com a qualidade.
Já que o senhor falou em custo alto, como o senhor avalia o debate sobre aumento de salário do Judiciário? Nesta quarta-feira (5), a Anata (associação de funcionários do Judiciário) afirmou que a proposta para elevar os vencimentos pode fazer com que cerca de 4,8 mil pessoas passem a receber mais do que o teto do funcionalismo.
Eu não tenho esses dados estatísticos, mas é certo que existem interesses de lado a lado. Essas disputas intercorporativas são extremamente perniciosas. Esse País padece de uma anarquia em termos de remuneração no serviço público. Isso é muito ruim para o Estado brasileiro que, por conta disso, age de forma contraditória. Na hora que as corporações começam a disputar vencimentos, elas disputam também suas atribuições. Porque querem se valorizar. Então são o Ministério Público e a Advocacia Geral da União que nem gato e rato. A Polícia Federal e o Ministério Público, o Judiciário, os Auditores Fiscais. As carreiras que hoje têm poder de pressão sobre o Estado e sobre suas instituições são as que mais são valorizadas. Ou seja, juízes, Polícia, Ministério Público, advogados públicos. Porque eles têm um poder de chantagear os poderes públicos. E dizem: ou você faz isso ou a gente vai criar uma tremenda encrenca. Agora, o professor, o médico... esses daí são completamente desprestigiados. Se o professor faz greve, isso não muda nada. Eu digo que, às vezes, era melhor tirar esse lema "Ordem e Progresso" da bandeira e colocar "Quem não chora, não mama". Porque prevalece quem fala mais alto.