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Preferência por ativos, não por liquidez e MMT

Por MANUEL JEREMIAS LEITE CALDAS
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Publicado em 20/01/2021 às 09:19

Alterado em 20/01/2021 às 09:22

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Hoje temos sim uma preferência por ativos e não uma moderna teoria monetária (MMT). Essa preferência advém do fato de que ter dinheiro ou liquidez perdeu sentido na medida em que os governos “acham” que podem emitir moeda de forma infinita, sem processos inflacionários e assim ajustar anualmente suas contas, uma vez que são incapazes de reduzir seus gastos e não enxergam que vários serviços prestados pelo Estado se transformaram numa Kodak, Xerox e outros. O correto seria reduzir as remunerações do setor público ajustando seu orçamento para as novas despesas, fazendo com que a moeda recuperasse valor novamente, e que as propriedades de liquidez e unidade de conta fossem de novo qualidades da moeda forte.

Considerando um ativo com um fluxo de caixa perpétuo, a forma de precificar o valor desse ativo é descontar o valor anual pela taxa de juros e prêmios de riscos mínimos, tipo (0,1).

Com a prática de juros nominais perto de zero (0%) ou juros reais negativos no mundo desenvolvido e em outros países em desenvolvimento, o planeta se aproxima de taxa de desconto próximo a 2%, 1%, 0,5% ou algo menor. A cada metade, duplica-se o valor do fluxo de caixa.

Assim, adotando 2% de taxa de desconto, o ativo originário do fluxo de caixa vale 50 vezes. Para 1% da taxa de desconto o ativo vale 100 vezes. Para 0,5% de taxa de desconto o ativo vale 200 vezes. Para 0,1% de taxa de desconto o ativo vale 1000 vezes Nessa faixa os ativos ficam extremamente voláteis, somente com oscilações de 1% ou menos na taxa de desconto.

Por que essas taxas de desconto? Porque está se configurando um cenário nos próximos cinco (5) anos de exageros nos orçamentos públicos, rígidos para queda de despesas isoladas, uma perspectiva de inflação muito baixa e taxas de juros nominais próximas a zero ou taxas reais negativas. Assim, a taxa de desconto percebida do fluxo de caixa está se aproximando desse patamar ínfimo, que faz com que tenhamos preferência por ativos e não por liquidez.

Um fenômeno que nunca ocorreu e daí se vê sentido no “bitcoin”. Este substituto da moeda começa a se valorizar e a ocupar espaço. Um padrão de moeda privado internacional. Assim, podemos afirmar que são loucuras as reflexões para onde estamos caminhando.

Como justificar o cenário na década passada e dias atuais? A resposta é que a China hoje fabrica mais de 70/75% dos produtos industriais, em quantidade e 30% em valor, cada vez mais e mais baratos, sustentando a inflação mundial baixa. Observa-se que se as demandas se agigantam, os preços sobem e aquele país não consegue suprir a demanda total, conforme alteração de preços de respiradores, capas, máscaras no passado recente e agora seringas.

Caso ocorra uma subida forte de preços das “commodities”, a estabilidade dos preços dos produtos industriais será posta em xeque. A estabilidade de preços poderá ruir com a incorporação dos aumentos de custos e aí o “paradigma China” não conseguirá produzir com custos totais estáveis ou menores, mudando a competitividade internacional da China. O Brasil chegou a figurar como o 7º produtor de manufaturas até 1996, depois de entrar no grupo em 1971 em 10º lugar, e retornou com as “commodities” de 2007 a 2014. Não voltou mais desde 2016, perdendo o 10º lugar para o México, com 1,5% da produção mundial em 2018, segundo ranking da ONU.

O primeiro salto da China foi nos anos de 2003/2004 alcançando a 4ª e depois 3ª colocação entre os maiores produtores de manufaturas industriais, sendo que no ano de 2000 a China não estava entre as 15 primeiras nações colocadas. Assumiu a dianteira da produção industrial em 2009 e hoje já produz o dobro dos EUA, que ficou 70 anos, muito à frente de todos. Em 2018, a China produzia quase a soma de EUA, Japão e Alemanha.

O impulso produtivo de mais e melhor é o que tem segurado os preços mundiais e permitem a expansão monetária transloucada de alguns países desenvolvidos. Pode-se considerar o mundo ou planeta Terra um único país e assim a teoria monetária explica a expansão monetária não inflacionária, dado o inverso do fluxo de produtos e dos novos detentores de ativos (moeda e títulos de dívida americanos), os chineses ou a República da China.

Esse cenário é que derrubou na última década, os juros no mundo inclusive antes da pandemia em razão do excesso de capitais ociosos e da competitividade chinesa imbatível na maioria dos segmentos industriais. Só que existe uma barreira no médio longo prazo, escassez de “commodities”. A ruptura deve ocorrer, porém, antes disso, teremos uma “sensação” do Éden e de Shangri-la.

Quando tal cenário chegar, as emissões monetárias e a inflação baixa mudarão de sentido.

Vamos aguardar, mas tal cenário de mudanças parece não estar longe, ou seja, pode estar muito mais perto do que se imagina. A pandemia encurtou os prazos. Vamos necessitar de um ajuste total de dívidas públicas e assim de bons ativos para o recomeço, “ativos de papel” sofrerão fortemente. Dessa forma devemos deter ativos sólidos com baixos múltiplos de fluxos de caixa atuais e não do futuro à frente usado no imaginário dos analistas. Ruptura...

*Engenheiro/IME e Doutor em Economia.