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CPI da Covid: estudo da Prevent Senior 'é algo nazista', afirma professora

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Por JORNAL DO BRASIL
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Publicado em 24/09/2021 às 08:11

Alterado em 24/09/2021 às 08:11

Diretor-executivo da Prevent Senior, Pedro Benedito Batista Júnior, presta depoimento na CPI da Covid no Senado Federal Foto: Folhapress / Fátima Meira

A CPI da Covid aprovou nessa quinta-feira (23) a convocação de Bruna Morato, advogada de um grupo de médicos da rede de planos de saúde Prevent Senior que elaboraram dossiê com denúncias de irregularidades no tratamento de pacientes com covid-19 da operadora de saúde.

Também foi convocado para depor à comissão parlamentar de inquérito o empresário Luciano Hang, sócio da Havan. Segundo o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), a advogada deve ser ouvida pela na próxima terça-feira (28) e Hang deve prestar depoimento na quarta-feira (29).

O plano de saúde Prevent Senior passou a ser investigado pela CPI da Covid no Senado por uma série de suspeitas de irregularidades e na quarta-feira (22), a comissão ouviu o diretor-executivo da empresa, Pedro Benedito Batista Junior, que admitiu, entre outras coisas, que a empresa orientou para que os médicos modificassem o Código de Diagnóstico (CID) de pacientes que deram entrada com covid-19, após 14 ou 21 dias, a depender do caso.


'Absurdos' da Prevent Senior

A CPI da Covid recebeu dossiê com denúncias de irregularidades elaborado por médicos e ex-médicos da Prevent Senior. O documento afirma que pacientes foram usados como cobaias em um estudo realizado para testar a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19 e fraude em atestados de óbito como resultado de um acordo entre o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a empresa para mostrar a eficiência do chamado tratamento precoce.

Michelle Fernandez, professora e pesquisadora no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), afirma que a Prevent Senior assumiu um discurso de apoio ao presidente e ao tratamento precoce fomentado pelo governo federal, e recorda que há registros de contato entre membros da empresa e o chamado gabinete paralelo, que teria atuado durante a pandemia assessorando o presidente Jair Bolsonaro com informações negacionistas sobre o Sars-Cov-2.

"Todo esse estudo que a Prevent Senior se propôs a fazer não foi algo isolado, foi algo que tinha relação com esse discurso do governo federal. O estudo tinha intenção de mostrar que o tratamento precoce funcionava e isso serviria de subsídio ao governo federal", comenta a professora da UnB em entrevista à agência de notícias Sputnik Brasil.

A especialista aponta que o estudo foi feito sem a autorização da Comissão Nacional de Ética do Conselho de Saúde (Conep), o que é um "absurdo completo". Fernandez comenta outras barbaridades do procedimento da Prevent Senior:

"[Eles] submeteram pessoas a ensaios clínicos sem o conhecimento e o consentimento dessas pessoas. Teve gente que descobriu que o familiar estava no ensaio clínico porque viu na TV e depois pediu para ver o prontuário. O que eles fizeram é algo nazista, algo de [Josef] Mengele [médico nazista]."

Fernandez acrescenta que na época já existiam evidências científicas de que aquela abordagem não funcionava, mesmo assim a empresa chegou a administrar hidroxicloroquina em pacientes cardíacos, que não podem tomar essa medicação.

"Outro ponto gravíssimo: eles adulteraram atestados de óbito. Retiraram a covid-19 de atestados de óbito. Isso é crime. É falsificação de documento público. E os médicos que foram submetidos a isso dentro da Prevent Senior decidiram denunciar e nesse momento estão sendo ameaçados de morte", alerta a especialista.

Na véspera do depoimento do diretor-executivo da empresa, Pedro Benedito Batista Junior, o presidente Bolsonaro voltou a defender o tratamento precoce, dessa vez na Assembleia Geral da ONU:

"Desde o início da pandemia apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Não entendemos por que muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A história e a ciência saberão responsabilizar a todos", disse o presidente na terça-feira (21).

Reta final da CPI da Covid

Após a confirmação de que o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, está com covid-19 e vai ficar de quarentena em Nova York, EUA, o relator da CPI da Covid, Renan Calheiros (MDB-AL), anunciou que a comissão só pode acabar os trabalhos após ouvir Queiroga novamente. Será a terceira participação do ministro na CPI.

Além do ministro da Saúde e dos já citados Luciano Hang e Bruna Morato, a comissão chegou a convocar Ana Cristina Valle, ex-esposa de Bolsonaro, que chamou a atenção dos integrantes da CPI por sua relação com lobistas, entre eles, o advogado Marconny Ribeiro Faria, que trabalhou na Precisa Medicamentos. No entanto, ela não deve prestar depoimento à comissão por não haver consenso entre os senadores. Alguns parlamentares avaliam que seu depoimento poderia sair do escopo da comissão.

Michelle Fernandez defende que a CPI já prestou um grande serviço ao país ao mostrar esquemas de corrupção do governo federal, além de crimes contra a vida e negligência. A professora da UnB cita o caso do escândalo da vacina indiana Covaxin, que o Ministério da Saúde negociou por um preço muito acima do valor de mercado. No acordo, a dose da Covaxin custava R$ 80, valor quatro vezes maior que o da vacina da Astrazeneca e 50% maior que o da Pfizer, que o Ministério da Saúde menosprezou por considerar cara demais.

A especialista sublinha também a crise com o desabastecimento de oxigênio em Manaus, com a ex-secretária do Ministério da Saúde Mayra Pinheiro "liderando aquele processo de tentativa de implantação de imunidade de rebanho no município".

 

Mas a pesquisadora garante que CPI não perdeu o foco principal: apurar a responsabilidade do governo federal nas quase 600 mil mortes causadas até agora pela pandemia do novo coronavírus. "Já ficou claro que essa responsabilidade vai ser atrelada ao presidente da República", afirma.

Em 14 de setembro, um grupo de juristas, comandados pelo ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, apresentou um parecer à CPI indicando possíveis crimes cometidos pelo presidente Bolsonaro ao longo da pandemia, entre eles: charlatanismo, prevaricação e incitação a outros crimes.

Renan CalheiroS já informou que no relatório final da CPI pedirá pelo menos o indiciamento de Bolsonaro por prevaricação. A comissão pode funcionar até 5 de novembro.(com agência Sputnik Brasil)

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