OBITUÁRIO

O Brasil perde um grande jornalista

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Por GILBERTO MENEZES CÔRTES
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Publicado em 19/07/2021 às 15:26

Alterado em 19/07/2021 às 20:28

Moacyr Andrade, de preto, com o fotógrafo Evandro Teixeira, parceiros de muitas pautas do JB Foto:CPDOC JB

O jornalismo brasileiro e mais particularmente o JORNAL DO BRASIL perderam domingo (18.07) um de seus grandes expoentes. O piauiense de Piripiri, Moacyr Andrade, faleceu, aos 85 anos, após uma sucessão de contratempos iniciados em abril, quando teve infarto e precisou colocar um “stent”. Recebeu alta mas, três dias depois, uma infecção urinária forçou nova internação. De volta à Tijuca, onde morava sozinho, teve problema no intestino. Internado, na véspera de receber alta, contraiu a Covid e foi intubado por 15 dias, mas não resistiu.

Sócio da Associação Brasileira de Imprensa, Moacyr Andrade colaborou por muitos anos na revista “Novos Rumos”, do PCB. No JB, onde chegou em 1967 para trabalhar como arquivista do Departamento de Pesquisa e Documentação, e teve como companheiro o jornalista Fernando Gabeira, exerceu o seu ofício ao longo de 37 anos, numa carreira tanto produtiva como eclética. Foi supervisor de Documentação, redator e subeditor na equipe de Roberto Quintaes.

Especialista em música popular – conhecia a fundo todos os gêneros –, foi logo requisitado para trabalhar como redator do Caderno B, onde atuou no período da Ditadura e da efervescência cultural do país. No B, onde era subeditor de Humberto Vasconcellos, conheceu sua segunda mulher, a jornalista Mara Caballero, com quem casou, em 1976, e teve dois filhos, o jornalista Miguel Caballero, de “O Globo” e Bárbara. Do primeiro casamento nasceu Tesla Coutinho, também jornalista.

Com breve, mas marcante passagem pelo “Jornal da Tarde” nos anos 70, o tricolor Moaça, como era conhecido na redação, voltou ao JB nos anos 80 como redator da editoria de Esporte, na gestão de Oldemário Touguinhó. Eclético, Moacyr Andrade foi ainda redator da editoria de Política, da Primeira Página e organizador dos artigos de terceiros na página de Opinião do JB. Nos anos 90, recorda a editora Regina Zappa, “resgatei ele da Pesquisa e Moacyr voltou a escrever no Caderno B. Matérias sempre sensacionais. Sabia tudo de MPB. Grande crítico. Parceiro maravilhoso no B. Grande caráter”.

Quando o controle do JB foi vendido para Nelson Tanure, em 2001, atuou como Secretário Gráfico e fazia o relatório diário “Deu no JB”, com uma espécie de Ombudsman, sempre generoso e atencioso com os textos dos colegas, mesmo quando tecia reparos. Deborah Dumar, que trabalhou sob suas ordens muitos anos no Caderno B, nunca esqueceu a lição de “Kid Moaça”. Ele detestava a expressão “já que” e sugeriu simplificar com um “pois”.

Editora do Caderno B na volta do JORNAL DO BRASIL às bancas, em 2018, Deborah Dumar lembra das feijoadas na casa de Moacyr e Mara, em Ipanema. A iguaria era só o pretexto para um “verdadeiro sarau que começava de dia e se estendia noite à dentro”. Avesso à praia, jamais punha os pés na areia. Quando muito saboreava um uísque no calçadão ou em um bar da praia. A noite era o ambiente perfeito para Moaça e seu ponto preferido eram as mesas do Lamas, no Flamengo, quando se fumava e bebia à vontade. O filho Miguel lembra que o pai “abandonara o cigarro há mais de 30 anos e o álcool há duas décadas”.

O que animava a presença de Moacyr Andrade na noite ou numa roda de amigos era a troca de experiências e visões de mundo. Christine Ajuz, conviveu com Moaça “por 11 anos no JB e no centenário Lamas. Tivemos noites e madrugadas de primeira", recorda. Romildo Guerrante, parceiro durante uns 20 anos no JB e resume o colega: “Era suave. Estivemos juntos a maior parte do tempo no copidesque da primeira página. Participava de uma mesa animada quase toda noite no Lamas. Acho que ele foi o último desses conversadores da noite a nos deixar”.

Profundo conhecedor do samba, o Império Serrano era sua escola do coração, foi várias vezes jurado dos desfiles na Sapucaí. Quando a Prefeitura do Rio selecionou escritores e personalidades para escrever sobre diversos bairros da cidade, nos anos 90, projeto em parceria com a editora Relume Dumará - o cartunista Jaguar escreveu sobre Ipanema, coube a Moacyr Andrade descrever a Lapa e seus ecléticos frequentadores de um século atrás, como Madame Satã e o poeta e acadêmico Manuel Bandeira. Moacyr também organizou “A Vida Continua — A Trajetória de Wilson Figueiredo”, que contempla as memórias do ex-editor de opinião do JB, editado pela FSB.

Ele não perdia os encontros dos ex-JB, realizados na Fiorentina, no Leme, como o que estava ao lado do fotógrafo Evandro Teixeira, na comemoração dos 80 anos do ex-editor Alberto Dines. No último encontro dos ex-JB, em 2019, na Taberna da Glória, pude também trocar amáveis palavras com o Moaça. Vá em paz, companheiro.