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Guterres diz que 'ocupação sufocante' provocou ataque do Hamas

Declaração irritou Israel, que cancelou, de última hora, reunião bilateral para tratar sobre possível cessar fogo; embaixador pede demissão imediata de secretário-geral

Por Gabriel Mansur
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Publicado em 24/10/2023 às 15:05

Alterado em 24/10/2023 às 15:26

Antonio Guterres Mark Garten/ONU

O Ministro das Relações Exteriores de Israel, Eli Cohen, teria uma reunião bilateral com o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, nesta terça-feira (24), para tratar sobre a guerra no Oriente Médio.

O encontro, porém, foi cancelado de última hora após o chanceler israelense acusar Guterres de "passar pano" para o ataque do grupo Hamas, em 7 de outubro, que deixou 1.400 israelenses mortos – a grande maioria civis.

“Não me encontrarei com o secretário-geral da ONU. Depois de 7 de outubro, não há espaço para uma abordagem equilibrada. O Hamas deve ser apagado do mundo”, afirmou Cohen.

A desavença foi provocada por conta de um discurso de Guterres nesta terça. Em sua fala na abertura do Conselho de Segurança, o secretário-geral disse que "o ataque de Hamas não aconteceu por acaso", em referência ao contexto histórico de ocupação de Israel em territórios palestinos, especialmente na Faixa da Gaza.

"É importante reconhecer que os atos do Hamas não aconteceram por acaso. O povo palestino foi submetido a 56 anos de uma ocupação sufocante. Eles viram suas terras serem brutalmente tomadas e varridas pela violência. A economia sofreu, as pessoas ficaram desabrigadas e suas casas foram demolidas. As esperanças de uma solução política para a sua situação têm desaparecido”, explicou, fazendo a ressalva de que isso não justifica os ataques do Hamas.

"Mas o sofrimento do povo palestino não pode justificar os ataques do Hamas. E esses ataques terríveis do Hamas não podem condenar todo o restante do povo palestino", completou.

Ainda assim, o Estado judeu criticou a fala. Em represália, além de o chanceler cancelar a reunião que teria com Guterres, o embaixador do país na ONU, Gilad Erdan, pediu a demissão "imediata" do secretário-geral.

"Eu peço que ele se demita imediatamente. Não há justificativa ou sentido em falar àqueles que mostram compaixão às mais terríveis atrocidades cometidas contra os cidadãos de Israel e o povo judeu", disse Erdan, que concluiu:

"O secretário não está apto para liderar a ONU quando não houve compreensão pela campanha de assassinato em massa de crianças, mulheres e idosos. O discurso chocante, proferido enquanto foguetes são disparados contra todo Israel, provou conclusivamente, sem qualquer dúvida, que o Secretário-Geral está completamente desligado da realidade na nossa região e que ele vê o massacre cometido pelos terroristas nazistas do Hamas de uma forma distorcida e imoral", acusou Erdan, na rede social X.

A fala de Erdan sobre o assassinato em massa de crianças e mulheres, no entanto, ignora que os ataques retaliatórios de Israel já mataram mais de cino mil palestinos, quatro vezes mais do que as vítimas israelenses. Desse número, 2.055 são crianças e 1.119 mulheres.

"O bombardeio implacável de Gaza pelas forças israelenses, o nível de vítimas civis e a destruição em massa de bairros continuam a aumentar e são profundamente alarmantes", disse Guterres. "Proteger os civis não significa ordenar que mais de um milhão de pessoas deixem suas casas para o sul, onde não há abrigo, nem comida, nem água, nem medicamentos, nem combustível, e depois continuar a bombardear o próprio sul", acrescentou.