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Lula: na presidência do G20, Brasil vai propor Aliança Global contra a Fome

Em discurso durante cúpula na Índia, presidente do Brasil declara que principal causa da divisão entre nações e pessoas é a desigualdade

Por JB INTERNACIONAL com POLÍTICA JB
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Publicado em 10/09/2023 às 08:39

Alterado em 10/09/2023 às 10:33

Lula com Modi, Biden e Sunak na cerimônia de aposição floral, no Memorial Raj Ghat Mahatma Ghandi. Nova Delhi - Índia Ricardo Stuckert

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que irá lançar uma Aliança Global contra a Fome quando o Brasil ocupar a Presidência do G20, a partir de dezembro de 2023. Ele citou a medida em seu discurso na segunda sessão da 18ª Cúpula de Chefes de Estado e Governo do G20, em Nova Delhi, na Índia, na tarde deste sábado, 9/9.

O combate à fome, pobreza e desigualdade é uma das prioridades elencadas pelo governo para o mandato do Brasil à frente do G20, grupo que reúne 19 das principais economias do mundo, União Europeia e, neste sábado, anunciou a entrada da União Africana como integrante permanente. Será o primeiro mandato brasileiro desde que o grupo passou a se reunir chefes de Estado e Governo, em 2008.

“Lançaremos, em nossa Presidência do G20, uma Aliança Global contra a Fome. Esperamos contar com o apoio e o engajamento de todos vocês. Para construirmos um mundo cada vez menos desigual e mais fraterno”, disse Lula. “O que nos divide tem nome: é a desigualdade, e ela não para de crescer”.

Para o presidente, o problema da desigualdade só vem piorando e precisa ser enfrentado com urgência, até mesmo para que os países em desenvolvimento possam ter seu lugar à mesa no sistema internacional.

“Há dois séculos, a renda dos mais ricos era 18 vezes maior do que a dos mais pobres. Hoje, em plena quarta revolução industrial, a renda dos mais ricos é 38 vezes a dos mais pobres. Os 10% mais ricos detêm 76% da riqueza do planeta, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas 2%. De acordo com as Nações Unidas, no ritmo atual, cerca de 84 milhões de crianças ainda estarão fora da escola até 2030. Precisaremos de quase 300 anos para atingir a igualdade de gênero perante a lei. Segundo a FAO, a fome afeta mais de 700 milhões de pessoas em todo o mundo. O mundo desaprendeu a se indignar e normalizou o inaceitável”, lamentou.

Lula também defendeu que muitos dogmas econômicos não dão conta da realidade e precisam ser mudados para que o problema da desigualdade possa ser enfrentado de maneira mais ampla.

“A crença de que o crescimento econômico, por si só, reduziria as disparidades se provou falsa. Os recursos não chegaram nas mãos dos mais vulneráveis. O mercado continuou indiferente à discriminação contra mulheres, minorias raciais, LGBTQI+ e pessoas com deficiência. A desigualdade não é um dado da natureza. Ela é socialmente construída. Combatê-la é uma escolha que temos de fazer todos os dias”, defendeu.

CRESCIMENTO SUSTENTÁVEL – Na primeira sessão da cúpula, o presidente Lula também adiantou que, quando o Brasil ocupar a Presidência do G20, formará uma força-tarefa com o intuito de mobilizar a comunidade internacional contra as mudanças climáticas. Para que isso seja possível, é necessário que o desenvolvimento sustentável seja uma meta cada vez mais adotada, segundo ele.

“As energias renováveis, os biocombustíveis, a socio-bio-economia, a indústria verde e a agricultura de baixo carbono devem gerar empregos e renda, inclusive para as comunidades locais e tradicionais. O G20 deve impulsionar esse esforço, respeitando o conceito de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, e valorizando todas as três convenções da Rio 92: de clima, biodiversidade e desertificação”, disse.

O presidente Lula também defendeu que os acordos climáticos adotados nas COPs que ainda não foram total ou parcialmente adotados pelos países terão papel essencial nessa mudança. No discurso, ele mais uma vez cobrou que os países ricos façam a sua parte no financiamento do combate às mudanças climáticas.

“A melhor forma de sermos ambiciosos é garantir o sucesso do Exercício de Avaliação Global do Acordo de Paris, na COP28, e da negociação de novas metas quantitativas. Para complementar esse esforço, lançaremos, em nossa Presidência do G20, uma Força Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima. Queremos chegar na COP 30, em 2025, com uma agenda climática equilibrada entre mitigação, adaptação, perdas e danos e financiamento, assegurando a sustentabilidade do planeta e a dignidade das pessoas”, relatou Lula.

O G20 – O grupo é formado por África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coréia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia, Turquia e União Europeia. Para esta cúpula, também foram convidados Bangladesh, Egito, Emirados Árabes, Espanha, Ilhas Maurício, Nigéria, Omã, Países Baixos e Singapura. O grupo responde conjuntamente por cerca de 80% do PIB mundial e 75% do comércio internacional, além de dois terços da população e 60% do território do planeta.

PRESIDÊNCIA - No encerramento da cúpula de Nova Delhi, no domingo, 10/9, o Brasil receberá da Índia a incumbência de presidir o G20 no próximo mandato, que se inicia em 1º de dezembro deste ano e irá até 30 de novembro de 2024. Nesse período, o país deverá organizar mais de 100 reuniões oficiais, que incluem cerca de 20 reuniões ministeriais, 50 reuniões de alto nível e eventos paralelos como seminários.

 

O discurso

Discurso lido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a Sessão 2 - Uma Família, da Cúpula do G20, em Nova Delhi, na Índia, ´em 9 de setembro de 2023

 

"Comparo o mundo a uma grande família, cujo bem-estar depende da harmonia entre seus membros – que somos nós.

Eu me pergunto se estamos agindo como bons irmãos. E a resposta, infelizmente, é Não.

Falamos diferentes idiomas, e mesmo assim somos capazes de nos entender perfeitamente.

Temos diferentes personalidades, mas isso não nos impede de trabalharmos juntos pelo bem comum – e tomo como exemplo esta Cúpula do G-20

Apesar de todos os esforços, nossa família está cada vez mais desunida. O que nos divide tem nome: é a desigualdade, e ela não para de crescer.

Há dois séculos, a renda dos mais ricos era 18 vezes maior do que a dos mais pobres.

Hoje, em plena quarta revolução industrial, a renda dos mais ricos é 38 vezes a dos mais pobres.

Os 10% mais ricos detêm 76% da riqueza do planeta, enquanto os 50% mais pobres possuem apenas 2%.

De acordo com as Nações Unidas, no ritmo atual, cerca de 84 milhões de crianças ainda estarão fora da escola ate 2030.

Precisaremos de quase 300 anos para atingir a igualdade de gênero perante a lei.

Segundo a FAO, a fome, que afeta mais de 700 milhões de pessoas em todo o mundo.

O mundo desaprendeu a se indignar e normalizou o inaceitável.

A crença de que o crescimento econômico, por si só, reduziria as disparidades se provou falsa.

Os recursos não chegaram nas mãos dos mais vulneráveis.

O mercado continuou indiferente à discriminação contra mulheres, minorias raciais, LGBTQI+ e pessoas com deficiência.

A desigualdade não é um dado da natureza. Ela é socialmente construída.

Combatê-la é uma escolha que temos de fazer todos os dias.

Na semana passada, lançamos o plano Brasil sem Fome, que vai reunir uma série de iniciativas para reduzir a pobreza e a insegurança alimentar.

Garantir oportunidades iguais para todos significa assegurar acesso a serviços básicos de qualidade.

Significa formular políticas públicas que contribuam para erradicar o racismo e o sexismo das nossas práticas sociais e institucionais.

No Brasil, tornamos obrigatório que homens e mulheres que fazem o mesmo trabalho recebam o mesmo salário. Essa é uma aspiração antiga da OIT.

Como líderes das vinte maiores economias do mundo, é nosso papel fortalecer a capacidade do Estado de cuidar dos seus cidadãos.

É preciso colocar os pobres no orçamento público.

E fazer os mais ricos pagarem impostos proporcionais aos seus patrimônios.

As instituições financeiras internacionais devem funcionar a serviço do desenvolvimento, em vez de agravar o endividamento.

Novas tecnologias devem ser compartilhadas, em vez de aprofundar o fosso digital entre as nações.

A desigualdade é um flagelo que cresce dentro dos nossos países, mas também entre eles.

A disparidade de renda entre países ricos e pobres quadruplicou entre o começo do século dezenove e o fim do século vinte.

As assimetrias se perpetuaram por nova formas de dependência econômica e financeira, regras e instituições injustas, compromissos não cumpridos.

A Agenda 2030 prometia redefinir essa relação.

É urgente resgatar o espírito de solidariedade que anima os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, para formularmos respostas conjuntas aos desafios econômicos do nosso tempo.

Lançaremos, em nossa presidência do G20, uma Aliança Global contra a Fome.

Esperamos contar com o apoio e o engajamento de todos vocês.

Para construirmos um mundo cada vez menos desigual e mais fraterno.

E nos reconhecermos, de fato, como uma grande família. Que não deixa ninguém para trás.

Muito obrigado."

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